
O desempenho excepcional das empresas americanas nos últimos anos tem uma explicação que vai além da inovação ou da força do consumo interno. Para Gustavo Medeiros, head de pesquisa macro global da Ashmore, gestora britânica especializada em mercados emergentes, o grande motor por trás desse crescimento tem sido a política fiscal pró-cíclica adotada nos Estados Unidos — que, segundo ele, criou uma dinâmica favorável ao setor privado às custas de desequilíbrios macroeconômicos crescentes.
Em participação no programa Stock Pickers, apresentado por Lucas Collazo e Henrique Esteter, Medeiros fez uma análise ampla sobre os impactos da política econômica dos EUA e os caminhos possíveis para corrigir os desequilíbrios gerados, especialmente o déficit comercial americano.
Segundo ele, os Estados Unidos vivem uma realidade muito diferente da de países como China, Alemanha, Coreia do Sul e Japão, que são altamente poupadores e, por isso, apresentam superávits comerciais recorrentes. “Esses países têm taxas de poupança acima de 30% do PIB — no caso da China, chega a 50% — e isso está diretamente relacionado ao custo da mão de obra ser muito baixo em relação à produtividade industrial”, disse.
Já nos EUA, o oposto acontece: a taxa de poupança é estruturalmente baixa, tanto por fatores culturais — como o padrão elevado de consumo — quanto pela estrutura de salários.
“O salário médio americano é alto quando comparado à produtividade da indústria. Isso leva a um déficit comercial e fiscal persistente”
Três caminhos possíveis
Diante desse cenário, Medeiros acredita que há três caminhos possíveis para reequilibrar a balança: a imposição de tarifas, o controle sobre os investimentos externos — como restringir a reinversão de dólares por países superavitários — ou a desvalorização do dólar. Para ele, a solução mais eficaz seria uma combinação dessas estratégias, com foco no câmbio.
“Se o dólar se desvalorizar e o euro, o yen e o yuan se valorizarem, o salário em dólares nesses países sobe, enquanto nos EUA cai. Isso corrige parte do desequilíbrio”
Medeiros destacou ainda que a imposição de tarifas pode ser uma alternativa complementar, principalmente para aumentar a arrecadação fiscal sem causar um grande impacto inflacionário.
Ele chegou a propor uma estrutura ideal de tarifas para os EUA: mais altas sobre commodities e bens intermediários, e bem menores sobre bens de consumo final. “Isso permitiria arrecadar cerca de US$ 230 bilhões por ano — o equivalente a 0,8% do PIB americano — com impacto inflacionário estimado entre 0,15 e 0,40 ponto percentual”, disse, citando estudos próprios.
Federal Reserve
Na avaliação dele, essa arrecadação extra poderia permitir ao Federal Reserve (banco central dos EUA) reduzir os juros mais cedo, o que estimularia a economia sem acelerar a inflação. Além disso, a queda do dólar ajudaria a reindustrializar parcialmente os EUA, reequilibrando o comércio exterior e aumentando a competitividade em setores estratégicos, como semicondutores.
Medeiros também chamou atenção para a necessidade de políticas coordenadas com parceiros internacionais. Segundo ele, Europa e Ásia precisam implementar estímulos que valorizem suas moedas e elevem os salários médios, equilibrando a competição global. “Já estamos vendo movimentos nesse sentido, como o estímulo fiscal alemão, que deve impulsionar o PIB nominal do país”, afirmou.
Ele ainda propôs uma medida simbólica, mas com forte efeito fiscal: a transformação de títulos públicos americanos mantidos por bancos centrais europeus em treasuries de 100 anos, com rendimentos abaixo dos atuais. “Isso reduziria a necessidade de financiamento de longo prazo dos EUA, fecharia os juros e desvalorizaria o dólar”, disse.
Medeiros conclui que, se houver uma reestruturação coordenada das tarifas e do câmbio global, os EUA poderão evitar uma recessão, mesmo com uma desaceleração econômica no curto prazo. Caso contrário, o prolongamento de desequilíbrios pode levar a consequências mais duras.
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