
O Ministério de Minas e Energia (MME) apresentou na quarta-feira (16) uma proposta de reforma no setor elétrico que pode alterar profundamente a dinâmica entre consumidores, distribuidoras, geradoras e investidores.
A principal frente da proposta trata da revisão dos subsídios atualmente pagos a consumidores de energia eólica e solar, com o objetivo de redirecionar os recursos para ampliar a tarifa social de energia elétrica. A medida, segundo o MME, quer beneficiar até 60 milhões de brasileiros que fazem parte do Cadastro Único para programas sociais do governo.
Oportunidade na renda fixa internacional: acesse gratuitamente a seleção mensal da XP para investir em moeda forte
Pelo projeto, famílias que consomem até 80 kWh (quilowatt-hora) por mês terão isenção total da conta de luz. Já as que ultrapassarem esse limite pagarão apenas pela diferença. Estima-se que 4,5 milhões de lares terão fatura integralmente zerada, enquanto outros 21 milhões receberão descontos tarifários ao serem isentos da cobrança da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). O custo dessa ampliação é calculado em R$ 5,4 bilhões por ano e será rateado entre os consumidores regulados, com um acréscimo estimado de 1,5% nas tarifas.
A proposta, porém, vai além da tarifa social. Ela também altera as regras de funcionamento do mercado de energia ao prever a abertura gradual do mercado livre para consumidores de baixa tensão.
A partir de 2027, empresas de médio porte poderão escolher seu fornecedor de energia, e, em 2028, essa opção será estendida aos consumidores residenciais. Hoje, apenas grandes consumidores têm esse direito. A medida é defendida como uma forma de aumentar a concorrência e reduzir custos a longo prazo.

Petróleo fecha com alta semanal por esperanças de acordo comercial e sanções ao Irã
Contratos futuros do Brent subiram 3,2% e o petróleo WTI, 3,54%

Petrobras (PETR4) reduz preço do diesel pela 2ª vez em abril após queda do petróleo
Repasse do corte aos consumidores finais, nos postos, não é imediato e depende de uma série de questões
Outro eixo importante da proposta envolve mudanças nos subsídios que favorecem a geração incentivada, especialmente a energia eólica e solar. Contratos novos ou renovados com essas geradoras deixarão de contar com o desconto de 50% na Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (Tusd), que representa cerca de R$ 30/MWh.
Essa vantagem tem sido um diferencial para as renováveis no mercado livre, permitindo que ofereçam preços líquidos competitivos em relação às hidrelétricas e térmicas.
Segmentos afetados
O pacote é considerado ambicioso por atacar distorções estruturais, como os incentivos à autoprodução e a desigualdade nas cobranças setoriais entre consumidores livres e cativos, diz a XP Investimentos em relatório. Um dos pontos mais polêmicos, segundo os analistas, é a proposta de repassar custos como as cotas de Angra I e II para os consumidores livres, medida que pode enfrentar forte resistência parlamentar e judicial.
A XP avalia que, caso aprovadas, as novas regras podem ser bem recebidas pelas distribuidoras. Isso porque a proposta tende a aliviar o peso tarifário sobre clientes de baixa renda e reorganizar a CDE, hoje uma das principais fontes de repasse de encargos ao consumidor final. A proposta também cria mecanismos para resolver a sobrecontratação das distribuidoras, aliviando um dos principais pontos de pressão financeira do setor regulado. A melhora nas condições para consumidores de menor renda, dizem os analistas, pode ainda reduzir os índices de inadimplência, o que traria benefícios indiretos para toda a rede.
No segmento de geração, os efeitos esperados variam conforme o perfil das empresas. A XP aponta que geradoras tradicionais devem se beneficiar da revisão nas regras, enquanto fontes renováveis e autoprodutores podem enfrentar fortes restrições, especialmente se não se adaptarem às novas exigências. Os incentivos tarifários historicamente concedidos a essas fontes podem ser cortados, o que afeta a atratividade de novos projetos. A proposta também inclui novas diretrizes para a cobrança de uso da rede de transmissão por essas fontes, ponto considerado delicado e que deve acionar um debate intenso entre parlamentares, empresas e reguladores.
O Bradesco BBI, por sua vez, avalia que a retirada desse desconto representa uma equiparação de condições entre fontes convencionais e renováveis, o que pode favorecer a precificação da energia produzida por hidrelétricas.
Por outro lado, o banco calcula que o custo marginal de novos projetos solares e eólicos tende a subir, o que pode afetar sua viabilidade econômica e os planos de expansão.
Ainda assim, para os analistas, os contratos atuais permanecerão com os benefícios, e o subsídio na Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (Tust), concedido diretamente às geradoras, será mantido.
Do ponto de vista das distribuidoras, a ampliação da tarifa social é vista pelos estrategistas com cautela. Embora o aumento no número de consumidores beneficiados possa reduzir a inadimplência e as perdas não técnicas, o repasse do custo para os demais consumidores tende a elevar os índices de inadimplência nesse outro grupo.
O Bradesco BBI considera que, no balanço geral, as medidas podem ajudar a conter o avanço da CDE, que nos últimos anos tem pressionado o custo da energia para todos os consumidores. A percepção é de que, se a proposta for aprovada na forma original, pode até contribuir para a estabilização das tarifas no médio prazo.
Já para a indústria, o projeto levanta preocupações. Entidades do setor produtivo temem que a retirada dos incentivos à energia incentivada eleve o custo da eletricidade para grandes consumidores e desestimule investimentos em novas fontes limpas.
A mudança nas regras para autoprodução, a redistribuição dos encargos das usinas nucleares e a expansão do mercado livre são vistas com reservas por setores que têm planejamento baseado em contratos de longo prazo e previsibilidade tarifária.
O Itaú BBA compartilha dessa visão mais cautelosa. O banco diz que reconhece a necessidade de modernização do marco regulatório, mas alerta para o risco de que o projeto seja alterado durante a tramitação no Congresso.
Segundo o BBA, propostas anteriores já foram alvo de distorções causadas por emendas de interesse específico, conhecidas como “jabutis”, o que aumenta a insegurança jurídica para os investidores. A recomendação dos analistas é de acompanhamento atento ao andamento legislativo.
A proposta já gerou ruídos dentro do próprio governo. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, inicialmente afirmou desconhecer o conteúdo do projeto, o que gerou desconforto no meio político. O titular do MME, Alexandre Silveira, atribuiu o episódio a uma falha de comunicação e garantiu que a reforma não exigirá aportes do Tesouro Nacional. Silveira disse, ainda, que todos os ajustes serão financiados com recursos internos ao setor, via realocação da CDE e revisão dos benefícios em vigor.
Recepção
A reação de agentes do setor foi mista, segundo a agência de notícias Reuters. Representantes do mercado livre de energia, como a Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), elogiaram a proposta e afirmam que ela pode aumentar a competitividade, promover economia de até 30% na conta de luz e democratizar o acesso ao mercado.
“A proposta apresentada equaliza direitos no setor elétrico e na sociedade em geral. Qual justificativa para, por exemplo, apenas uma parte da indústria ter acesso ao mercado livre?”, diz o presidente da Abraceel, Rodrigo Ferreira.
Já especialistas em regulação alertam que, para que a reforma funcione, será necessário um esforço coordenado entre os ministérios, o Congresso e os agentes econômicos, evitando remendos que comprometam a lógica do novo modelo.
“Quem está tomando as decisões [sobre reforma do setor] não consegue olhar o todo e está tentando resolver problemas específicos da distribuidora, da comercializadora…”, afirma Lucien Belmonte, do movimento União pela Energia, que reúne 70 associações da indústria brasileira.
“É o todo [da reforma] que precisa ser funcional… Definitivamente não é um problema só do Ministério de Minas e Energia, é da Fazenda, do BC, da Indústria e Comércio… Todo mundo deveria estar envolvido”, afirmou ele.
Na véspera, Silveira afirmou que a medida apresentada é a “reforma possível” e “palatável”, acrescentando que haveria espaço técnico para avançar mais.
A proposta ainda precisa ser avaliada pela Casa Civil antes de seguir para o Congresso Nacional. Não há datas definidas.
(com informações da Reuters)
The post Nova proposta de reforma do setor elétrico: quais segmentos são mais afetados? appeared first on InfoMoney.