
O governo Donald Trump concedeu um visto às deputadas Erika Hilton e Duda Salabert identificando-as como homens e não mulheres, apesar de toda a documentação oficial que elas entregaram as identificarem como do sexo feminino. Ou seja, os Estados Unidos, um país estrangeiro, ignoraram o que o Brasil havia atestado em nome de sua própria política discriminatória.
A decisão, que foi celebrada pela extrema direita brasileira, ajuda a fomentar violência contra um grupo que já vive sob o medo ao reforçar o seu processo de desumanização. Pois quando um país poderoso que se diz farol das liberdades ao afirmar que as deputadas estão erradas ao se reconhecerem como mulheres mostra aos preconceituosos brasileiros que eles têm razão em sua cruzada medieval.
O Brasil é o país que mais matou pessoas trans, entre 2008 e setembro do ano passado, segundo contagem da plataforma Trans Murder Monitoring. Na sequência vêm o México e os Estados Unidos. Pela primeira vez, duas mulheres trans, Erika e Duda, foram eleitas como deputadas no parlamento nacional desse país que mais mata.
Esse tipo de comportamento preconceituoso do Tio Sam acaba empoderando quem, no Brasil, ataca pessoas trans.

Vale lembrar que, no Dia Internacional das Mulheres de 2023, Nikolas Ferreira (PL-MG) subiu ao púlpito do plenário da Câmara dos Deputados, usando uma peruca loira, denominando-se como “Nicole” e atacando os direitos da população trans. Isso inaugurou uma série de manifestações contra esse grupo pela extrema direita. Ódio correu pelas redes. Uma vereadora de Belo Horizonte disse, em discurso, que pessoas trans “não são bem-vindas” à capital mineira.
E não foi à toa. O tema dos direitos da população trans é instrumentalizado por determinados políticos como uma ameaça ao seu eleitorado ultraconservador no Brasil e nos Estados Unidos. Quanto mais atacam, mais conseguem likes e compartilhamentos desse grupo, garantindo sua “reputação” e, dessa forma, apoio.
Líderes políticos, sociais ou religiosos afirmam que nunca incitam a violência direta através de suas palavras e ações. Porém, suas mãos não seguram a faca ou o revólver, mas é a sobreposição de seus argumentos e a escolha que fazem das palavras ao longo do tempo que distorcem a visão de mundo de seus seguidores e tornam o ato de esfaquear e atirar banal. Ou, melhor dizendo, “necessário”.
Suas ações e regras redefinem, lentamente, o que é ética e esteticamente aceitável, visão que depois será consumida e praticada por terceiros. Estes acreditarão estarem fazendo o certo, quase em uma missão civilizatória ou divina. Matando e morrendo para isso.
Originalmente publicado no UOL
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