
CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – Não é de hoje que o setor de tecnologia em Florianópolis, impulsionado ainda na década de 1980, figura entre as atividades econômicas mais relevantes da capital de Santa Catarina. Mas, especialmente nos últimos dez anos, o polo tecnológico local vem se consolidando, chama a atenção de empresas de grande porte, e já representa 25% do PIB da cidade, a maior fatia entre as capitais brasileiras, de acordo com levantamento divulgado neste mês pela Acate (Associação Catarinense de Tecnologia), em parceria com a Prefeitura Municipal de Florianópolis.
No ranking das capitais, Florianópolis aparece no topo e na frente de Curitiba (com 14,4% do PIB ligado à tecnologia), São Paulo (12,5%), Manaus (10,4%), Belo Horizonte (9,7%), Porto Alegre (9,3%), Rio de Janeiro (8,3%), Recife (8%), Fortaleza (6,3%) e Goiânia (4,8%).
Já entre todas as cidades do país, a capital catarinense fica em segundo lugar, perdendo apenas para Barueri, na região metropolitana de São Paulo. Ali, o setor de tecnologia representa 27,2% do PIB.
“A história começou lá na década de 80, quando Florianópolis era uma cidade pobre de oportunidades, que dependia basicamente do setor público e de um turismo sazonal, porque aqui a gente só tem calor três meses do ano. Então, entendeu-se lá atrás, há mais de 40 anos, que Florianópolis precisaria desenvolver uma nova matriz econômica”, diz Diego Ramos, presidente da Acate.
A área tecnológica não foi escolhida à toa. “Boa parte da cidade é uma ilha, que tem 70% da sua área de preservação permanente. Então, a gente não pode ter indústrias aqui. A tecnologia casou com essa realidade, porque é uma economia limpa”, continua Ramos.
Outro fator que contribuiu foi a presença de universidades, como a UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), e o investimento na formação de profissionais. “Nos principais polos de inovação tecnológica no Brasil, sempre tem universidades envolvidas no processo, sempre estão próximos de polos educacionais fortes. Porque o setor precisa de mão de obra qualificada. Não é um setor que vai ser impulsionado pelo vento”, diz o professor Lauro Francisco Mattei, coordenador do Núcleo de Estudos de Economia Catarinense da UFSC.
Em Santa Catarina, o professor menciona, por exemplo, o pioneirismo do Celta (Centro Empresarial de Laboratórios de Tecnologias Avançadas), a primeira incubadora de empresas de tecnologia do Brasil, criada em 1986 no campus da UFSC pela Fundação Certi e com apoio do governo estadual.
“A partir de 2010, você tem esse grande ambiente para criar aquilo que hoje chama-se o Sapiens Parque, no norte da ilha. E que é um grande polo de inovação tecnológica, também com participação da universidade, recursos do governo estadual, governo federal”, continua o professor.
O secretário de Turismo, Desenvolvimento Econômico e Inovação de Florianópolis, Juliano Richter Pires, conta que estudantes de áreas ligadas à tecnologia, e que antes seguiam para grandes centros depois de formados, agora ficam em Florianópolis, que é uma cidade de médio porte, com mais de 500 mil habitantes.
“Antes, na década de 80, ainda num processo de industrialização, as mentes que se destacavam precisavam ir para Curitiba, São Paulo, Porto Alegre, Campinas, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, para grandes centros, para poder encontrar um emprego melhor”, diz o secretário.
“Mas o que era um ponto extremamente negativo na década de 80, hoje é um ponto extremamente positivo. Nós continuamos a não ter indústria na cidade e a cidade encontrou na área de inovação a possibilidade de a gente avançar”, continua Pires.
De acordo com a Acate, em 2010, Florianópolis tinha cerca de 600 empresas de tecnologia. Em 2023, o número saltou para quase 6.099, somando um faturamento de R$ 12 bilhões. Em geral, são empresas com perfil B2B [business to business], ou seja, que desenvolvem produtos, soluções e serviços para outras empresas.
A maior parte delas são pequenas: 2.582 (42% do total) faturam até R$ 81 mil por ano; outras 2.784 (46%) faturam entre R$ 81 mil e R$ 360 mil. Apenas 46 possuem faturamento anual acima de R$ 10 milhões.
Apesar da maioria ser startup, o setor também tem observado o interesse de grandes empresas pela cidade. Um dos exemplos é a chegada de uma biotech da JBS, líder global em alimentos à base de proteína.
De acordo com o secretário, mais de 20 doutores brasileiros que atuavam em unidades da JBS no exterior estão se mudando para Florianópolis, para trabalhar no centro de pesquisas da empresa, cujo foco inicial é desenvolver tecnologia própria para a produção de carne cultivada em laboratório.
“A gente está vendo uma expansão. Porque é uma cidade voltada à inovação, com material humano muito bom, e qualidade de vida também”, disse o secretário. O prédio da JBS Biotech Innovation Center já está instalado no Sapiens Parque, que fica na praia de Canasvieiras.
O presidente da Acate também lembra de outras empresas de maior porte que passaram a olhar para o que acontece na cidade. “Nós temos diversos casos de empresas que nasceram aqui e foram adquiridas. O maior exemplo é a RD Station [criada em 2011], que foi comprada [em 2021] pela Totvs por R$ 2 bilhões. E um de seus fundadores, que é o Eric Santos, é um paulista que veio fazer a universidade aqui, foi atraído pela UFSC”, conta Ramos.
CIDADE TEM DÉFICIT DE MÃO DE OBRA
Apesar do cenário de expansão, o setor de tecnologia em Florianópolis segue com déficit de mão de obra. Segundo o secretário, existem hoje no município entre 1.800 a 2.000 vagas que não são preenchidas.
“A Prefeitura tem um programa [em parceria com outras entidades, como Fiesc e Senai] em que a gente capacita desde adolescente com 14 anos até pessoas com 60. Atendemos de 750 a 850 pessoas por ciclo. A gente consegue formar um programador júnior e aí entregamos para as empresas continuarem”, explica o secretário. O programa foi criado em 2022 e está no terceiro ciclo.
Em relação a Santa Catarina, o setor prevê que serão necessários 100 mil profissionais até 2030.
“Isso aí é o grande gargalo que a gente tem. Porque esse setor de tecnologia, mundialmente, cresce acima da média do PIB de qualquer país. E aqui no Brasil, aqui em Santa Catarina, não é diferente. Só que nós temos um problema sério de mão de obra. Porque não são só as empresas de tecnologia que contratam profissionais de tecnologia. Todo mundo demanda profissionais de tecnologia”, diz o presidente da Acate.
“E no Brasil nós temos um problema pior ainda, por conta do câmbio desfavorável. A gente perde muitos funcionários para empresas americanas, europeias, porque não tem como concorrer. O funcionário recebe em dólar, em euro”, diz Ramos.