
Aos 84 anos, o maestro João Carlos Martins enfrenta o desafio de um diagnóstico de câncer de próstata, mas segue firme em sua missão de vida. Com uma carreira internacional repleta de superações, ele compartilha em entrevista à Folha de S.Paulo como superou as complicações da doença após uma cirurgia. Martins agora se dedica a um novo projeto no Liceu Pasteur, com o objetivo de transformar a educação musical no Brasil, tornando-a mais acessível e lúdica para crianças pequenas. Afirma ainda não ter medo da morte:
O senhor acaba de passar por mais uma grande cirurgia. O que está acontecendo?
Aos 84 anos, depois de ter realizado 30 cirurgias, principalmente nas mãos, a última coisa que eu esperava era ser diagnosticado com câncer na próstata. E isso aconteceu, em março passado. (…)
Era um câncer agressivo. A operação [no fim de março] durou 4h20 e foi um sucesso de 100%. Mas o pós-operatório foi um grande problema. Eu nunca vivi algo tão dramático. (…)
Então o senhor vai correr a São Silvestre neste ano?
Não [risos]. Aos oito anos, iniciei a carreira e pianista. Aos 62, com limitações em minhas mãos, comecei a carreira de maestro. E agora, aos 84, vou entrar na terceira fase da minha vida.
Depois do câncer, qual é o meu desejo? É o de deixar um legado, como eu prometi para o meu pai. E é isso o que eu vou fazer. Tenho certeza. Sei que sou como uma flecha que vai chegar no destino certo.
E qual é ele?
Vou me dedicar totalmente a uma revolução na educação musical para crianças de cinco, seis anos de idade. Já iniciei [um projeto] no [colégio paulista] Liceu Pasteur e fiz uma exposição no Senado Federal. Estou falando com o Conselho Nacional de Educação. [É um projeto] não para enfiar goela abaixo a música para uma criança, mas sim, através de uma brincadeira, a criança procurar a música.
O senhor acredita que o câncer está totalmente controlado? Vai fazer exames regulares?
Sim, [serão exames] pró-forma. O câncer foi extirpado da próstata. É evidente que sempre pode haver uma reincidência. Mas não vai ser o meu caso. O meu caso vai ser o do meu pai.
O senhor sente medo?
Quando tinha 29 anos, eu morava em Nova York e cheguei a entrar numa banheira para me suicidar por causa do problema que tinha nas mãos. O telefone tocou e era o meu professor de piano [que o fez desistir de tirar a própria vida].Passei a ser a pessoa com o maior amor à vida que você pode conhecer. Mas sou espírita. Estou preparado para ter outros voos no futuro, depois da morte.
Mas o senhor não tem medo?
Não tenho medo da morte. (…)
Há mais algum erro em seu balanço de vida?
O segundo erro foi, durante um ano e meio, me envolver em política. É o maior erro que um artista pode cometer.
Ocupei a Secretaria da Cultura do Estado por dez meses, no fim do governo [de José Maria Marin, em 1983] Tive acertos. Eu consegui tombar o [teatro] Oficina, o TBC [Teatro Brasileiro de Comédia], a serra do Japi, autorizei a primeira Marcha da Mulher, liderada pela [atriz] Ruth Escobar.
Ainda vivíamos na ditadura militar, e dois coronéis do SNI vieram conversar comigo. Saí da sala e telefonei para o Roberto Kalil, pai do [cardiologista Roberto] Kalil Filho, que era muito amigo do presidente [João Batista] Figueiredo. Falei para ele “tem dois militares na minha sala falando coisas preocupantes. Dá para telefonar para o presidente?”. Em cinco minutos, toca o telefone para um dos coronéis. Eles me disseram que tinham outra missão e foram embora.
Qual foi, então, o erro?
Foi participar da campanha [eleitoral, em 1990 e 1992] de quem, na época, era a pessoa mais criticada do Brasil, que era o Paulo Maluf. Tenho a consciência tranquila de que não foi um caso de corrupção. Mas foi uma campanha política feita de forma então ilegal [empresas privadas eram proibidas de financiar candidatos, e depositavam os recursos na Paubrasil, empresa do maestro, que então emitia notas fiscais].
O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), onde ganhei por unanimidade. (…)
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