
LISBOA — O apagão que atingiu Portugal e Espanha nesta segunda-feira (28) lembrou à população europeia que emergências podem surgir sem aviso prévio. Apenas um mês antes, a Comissão Europeia havia recomendado que os cidadãos estivessem preparados para enfrentar 72 horas de isolamento, com alimentos, remédios, dinheiro físico, rádios, lanternas e pilhas — itens que fizeram falta para muitos durante o caos vivido na Península Ibérica.
Em Lisboa, onde milhares de brasileiros vivem atualmente, o cotidiano foi interrompido durante cerca de dez horas sem energia elétrica: transporte público colapsado, internet instável, longas caminhadas sob o sol de primavera e dificuldades até para comprar água.
“Eu ri da UE preparando os cidadãos pra montarem kits de sobrevivência, mas parece essencial mesmo”, conta Jessika Aguiar, advogada brasileira em Portugal, que confessa que agora irá trás de seu kit com rádio, pilhas, rádio e lanterna.

Transporte caótico
O trânsito parou rapidamente após a queda de energia, com semáforos desligados e liberação em massa de trabalhadores e estudantes. Congestionamentos quilométricos se formaram em vias normalmente tranquilas no início da tarde.

Com trens, metrôs e ônibus superlotados, milhares de pessoas caminharam vários quilômetros até suas casas. Turistas desembarcando no aeroporto da capital também precisaram atravessar a cidade a pé, arrastando suas malas, sem transporte disponível.
Ônibus ainda operaram nos primeiros momentos, mas logo a prefeitura liberou o transporte gratuito diante da superlotação e da dificuldade para validar bilhetes. Carros de aplicativo e pagamentos eletrônicos ficaram quase inutilizáveis, devido à internet móvel intermitente — mais presente nas áreas centrais e praticamente ausente nas zonas periféricas.

Corrida por itens essenciais
Supermercados e lojas fecharam rapidamente, mas não sem antes registrarem uma corrida por produtos como água, alimentos enlatados, velas, pilhas e rádios.
“Quando a energia caiu, uma vizinha do meu prédio ligou um rádio a pilha. De repente, toda a vizinhança começou a aparecer nas janelas, pedindo para que ela aumentasse o volume. Foi aí que percebemos que o rádio seria nossa melhor fonte de informação naquele momento”, relata a advogada Jessika Aguiar.

“Logo, muita gente saiu às pressas para as lojas dos chineses em busca de rádios, pilhas, lanternas e outros itens básicos. As filas eram imensas”, conta Jessika, em meio à preocupação com a falta de notícias de familiares no Brasil.
Quem ainda tinha dinheiro em espécie conseguiu fazer compras em pequenas mercearias e quiosques.
Com caixas eletrônicos e agências bancárias fora de operação, quem dependia apenas de cartões enfrentou grandes dificuldades. Muitos bares e cafés seguiram atendendo de maneira improvisada, vendendo bebidas sem refrigeração e aceitando apenas cédulas.

Em meio à crise, algumas cenas de solidariedade emergiram. Uma sorveteria no bairro do Areeiro distribuiu sorvetes gratuitamente para evitar o desperdício dos estoques ameaçados pelo calor e pela falta de refrigeração.
Nos parques, famílias e amigos se reuniram para aproveitar o sol enquanto aguardavam a normalização dos serviços, improvisando piqueniques e momentos de descanso ao ar livre.
Em casa, dificuldade para cozinhar
O fornecimento de água foi irregular: enquanto algumas residências permaneceram abastecidas, outras ficaram sem serviço, dependendo da disponibilidade de geradores nos sistemas de bombeamento. Já o abastecimento de gás natural seguiu sem interrupções, mas como fogões elétricos de indução são comuns, não era possível cozinhar na maioria das casas.
Mas nem todos reagiram com desespero diante da crise. “Eu tinha ouvido uma informação na rádio que ia durar de 6 a 10 horas Eu em momento algum acreditei em 72 horas (o prazo mencionado pela UE ao recomendar o kit de sobrevivência]. Acho loucura, pra mim era impossível”, conta o nutricionista brasileiro Igor Picanço, que mora com a esposa e dois filhos no Porto, segunda maior cidade portuguesa, ao norte do país.

“Não me desesperei com compra, não me desesperei com água. A gente encheu baldes de água, e tínhamos comida. Uma vizinha tem fogão a gás, o meu é elétrico, e a gente tinha combinado que eu podia aquecer lá a qualquer momento. [Enquanto isso] o pessoal enchendo dois carrinhos, preparado pra guerra. Não, pelo amor de Deus, não é assim”, conta.
Segurança reforçada e hospitais com geradores
Com estabelecimentos fechados, e a presença policial aumentou nas ruas, com ambulâncias e bombeiros respondendo principalmente a chamados de pessoas presas em elevadores, bondinhos e transportes públicos. Não houve registros de saques ou incidentes graves.

Os hospitais de Lisboa acionaram seus geradores de emergência para manter os atendimentos. A necessidade urgente de reabastecimento de combustível foi atendida pela Guarda Nacional Republicana (GNR). Apesar dos transtornos, os atendimentos programados para terça-feira foram mantidos, com os agendamentos de segunda-feira sendo reorganizados.
Vida volta ao normal, mas perguntas permanecem
Após as 21h de segunda, a energia começou a ser restabelecida. Moradores celebraram o retorno da luz com aplausos, buzinas e gritos das janelas, encerrando um dia que, para muitos, serviu de alerta sobre a importância de estar preparado para emergências — como já aconselhava a União Europeia.
Escolas, hospitais, transportes e serviços públicos retomaram suas atividades, e o abastecimento de água e eletricidade foi estabilizado.
Apesar da normalização, a população ainda aguarda respostas sobre as causas do apagão. Autoridades espanholas e portuguesas confirmaram que uma forte oscilação no sistema elétrico europeu provocou a interrupção do fornecimento, mas a origem exata do problema ainda está sob investigação.
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