Anne Hathaway: “Esse foi um daqueles personagens que você não quer levar para casa”

Benoît Delhomme não era o diretor de ‘Vidas Perfeitas’, a versão em inglês do filme de Olivier Masset-Depasse, ‘Duelles’. Comprometido como diretor de fotografia, Delhomme assumiu o projeto três dias antes do início das filmagens. Encorajado pelas protagonistas, Jessica Chastain e Anne Hathaway, Delhomme aceitou o desafio de estrear como cineasta. “Ter a confiança das duas atrizes me encorajou a correr esse risco. Elas sabiam que não só me interessava a iluminação e a composição, mas também como contar a história”, compartilha o diretor

“Ambas vivem um estilo de vida tradicional idílico, com jardins bem cuidados, maridos bem-sucedidos e filhos da mesma idade”

‘Vidas Perfeitas’ é um thriller psicológico que apresenta Chastain e Hathaway como as vizinhas Alice e Celine, donas de casa dos anos 60 em um subúrbio dos Estados Unidos. Sob a direção de Delhomme, forma e conteúdo alcançam uma tensão esquisita. Os ciúmes, a paranoia e o colapso emocional são expostos de forma estrondosa nas atuações de Chastain e Hathaway, que dotam seus personagens de uma linguagem emotiva sufocante.

“Hathaway admite: ‘Este foi um daqueles personagens que você não quer levar para casa’, sobre viver a experiência de perder um filho através de seu personagem e ter que repetir a cena de Celine embalando seu filho morto como uma Pietà. ‘Costumo estar bastante relaxada nas filmagens, mas este filme me obrigou a criar uma separação entre o trabalho e minha vida real’, confessa a atriz, que reuniu toda a equipe de produção insistindo para que a chamassem de Celine durante as filmagens. ‘Essa foi minha maneira de me proteger, pois meu maior medo nesta vida é perder um filho. Felizmente, contei com o apoio de toda a equipe, começando por Jessica Chastain.”

“Ambas vivem um estilo de vida tradicional idílico com jardins bem cuidados, maridos bem-sucedidos e filhos da mesma idade”, explica Chastain. No entanto, a perfeita harmonia é quebrada após um trágico acidente. A culpa, a suspeita e a paranoia se combinam para desfazer seu vínculo fraternal e iniciar uma batalha psicológica de vontades quando o instinto materno revela seu lado mais sombrio. “A década de 1960 foi um momento muito explosivo em nossa sociedade em termos de gênero, onde as mulheres começavam a encontrar sua liberdade e ser ouvidas”, admite Chastain.

Tanto na ficção quanto na realidade, ambas as atrizes lutam contra as normas de gênero de ser dona de casa, interromper suas carreiras para formar uma família e atender às necessidades e desejos de seus maridos. “Acredito que ainda há um longo caminho a percorrer porque sempre colocamos o padrão mais alto para as mulheres do que para os homens, criando expectativas que são injustas. Existem certas crenças impostas às mulheres na mídia, desde o tom de sua voz até como se apresentam no mundo em termos de sua feminilidade”, continua a atriz vencedora do Oscar por ‘Os Olhos de Tammy Faye’.

“Tive que dar espaço para ele criar seu personagem, e fiquei fascinado com sua maneira de contagiar o resto do elenco com ansiedade”

Uma amizade sem barreiras

“Masset-Depasse afirmou: ‘São necessários atores do calibre de Jessica e Anne para comunicar a complexidade desses dois personagens’. ‘A relação entre mãe e filho é o vínculo mais poderoso entre dois seres humanos. Quando esse vínculo é quebrado, a moralidade convencional e até a sanidade são questionadas. No ambiente fechado dos Estados Unidos da década de 1960, ‘Vidas Perfeitas’ se torna um barril de pólvora de alta pressão aterrorizante.”

Abordando o declínio da amizade, Hathaway e Chastain são boas amigas na vida real, depois de terem trabalhado juntas em dois filmes anteriores, o primeiro ‘Interestelar’ de Christopher Nolan há mais de uma década. Hathaway assegurou que Chastain era “uma daquelas atrizes que te deixam maravilhado no set de filmagem pela sua capacidade de se transformar. Ela tem um talento incrível. Tive que dar espaço para ela criar seu papel, e fiquei fascinada com sua maneira de contagiar o resto do elenco com ansiedade”. A própria Chastain admitiu que foi muito “complicado” compartilhar esse personagem com Anne porque não queria afetar a amizade delas na vida real. “Estamos interpretando duas amigas em conflito, e não é fácil esquecer que a pessoa à sua frente é alguém por quem você tem afeto”, revelou Chastain.

A estreita amizade das atrizes fora das telas ajudou-as a superar as tensões da ficção, ao mesmo tempo que promove uma atmosfera de solidariedade feminina. “Foi incrível voltar a trabalhar juntas porque eu sabia que tinha alguém em quem podia confiar. Fazer um filme em menos de três semanas não é fácil, mas quando se tem alguém como a Annie, que é uma atriz e produtora inteligente e profissional, você sabe que vai chegar ao final sem nenhum problema”.

“São necessários atores do calibre de Jessica e Anne para comunicar a complexidade desses dois personagens”

Para ambas era importante destacar a segunda leitura da história “Vai além da história de suspense psicológico, já que ‘Vidas Perfeitas’ traz à tona os horrores da falta de autonomia corporal: a falta de decisões sobre fertilidade e saúde mental das mulheres na década de 1960. Ter alguém ao seu lado nos momentos em que devemos nos deixar levar pelas emoções e manter nossa saúde mental segura é muito importante para mim”, admite Chastain. “Ela é o tipo de pessoa que você quer ter ao seu lado, ela deveria governar o mundo. Seria um mundo muito melhor!”, replicou Hathaway. A atriz enfatizou sua crença de que a saúde mental é muito importante. “Uma das coisas que partiu o coração do meu personagem foi o estigma em torno de sua dor, e esse estigma a isolou e piorou tudo. Algo em que acredito que o filme faz um bom trabalho é em mostrar que, especialmente durante essa época, as mulheres estavam muito isoladas e tinham identidades prescritas baseadas em noções externas de gênero. E isso é realmente, realmente tóxico. Vivemos em uma sociedade que não respeita a autonomia corporal das pessoas, vamos continuar vendo atos de violência e não podemos retroceder”.

A solidariedade feminina é explorada ao longo deste filme como um motor que sustenta em grande parte a sociedade. “Como ser humano, caminhando por Hollywood como mulher, preciso de amigas como Anne. Meu personagem foi uma exploração não apenas da maternidade, mas também da ansiedade. Ela enfrenta muitas restrições e reações contra a mulher que deseja ser, e eu me sinto bastante diferente em minha vida. Tenho tentado me conectar com algo fora de mim”, concluiu Chastain.

O dia 8 de junho foi a data de estreia de ‘Vidas Perfeitas’.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.