“Esta é uma universidade laica”: antropóloga relata assédio de neopentecostais e como ela reagiu

Liana Lewis no DCM. Foto: Reprodução
Liana Lewis no DCM. Foto: Reprodução

Doutora em antropologia pela Nottingham Trent University, na Inglaterra, a professora Liana Lewis é coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Autoritarismo e Contemporaneidade da UFPE. Ela fez um relato ao DCM sobre a intolerância de religiosos nas instituições de ensino. 

Judia e antissionista, Liana combate o extremismo de direita há algum tempo. Em 2018, ela foi impedida de falar de Bolsonaro em palestra para a PM de Pernambuco

“Para mim, não existe diálogo possível porque estamos no âmbito do fanatismo. E os líderes e fiéis neopentecostais têm dado provas de que não cedem no nível de aprovação ao governo Lula”, diz. 

“Nenhuma ação externa, do governo Lula, surtirá grande efeito. Estamos falando de fé, alguma racionalidade possível, para mim, só seria alcançada através de um combate no próprio campo”, completa. Para Liana Lewis, o campo de disputa tem que se dar através do fortalecimento dos “líderes religiosos progressistas”. 

E ela acredita que o laicidade “hiper-republicana” das instituições não está colaborando para denunciar o problema e tampouco para solucioná-lo.

Segurança gravou a professora em nome de sua religião

Liana Lewis dava aulas em um centro educacional, além da Universidade Federal de Pernambuco. Ali se passou um episódio de assédio neopentecostal que chegou até a reitoria.

Uma manhã, a educadora se apresentou para um segurança na sala dos professores. Antes de sair, ela reparou que estava escrito na lousa: “Bom dia. Deus vai fazer você ter sucesso em todas as áreas da sua vida. Aguarda com fé!”

Liana escreveu ao lado: “Esta é uma universidade laica. Este espaço é de conhecimento, não de fé. Sugiro ir à igreja”. 

A resposta enfureceu o segurança, que voltou para a sala e sacou o celular para gravá-la. Ele apagou a mensagem religiosa e questionou: “Qual é o problema com a mensagem de Deus que deixei para a senhora?”.

Liana respondeu que ali era uma sala de professores e que não cabiam mensagens religiosas. O segurança disse que o texto estava na lousa há um ano com a ciência da diretora.

“Em tom ameaçador, ele disse que, se eu quisesse, eu a apagasse. Apaguei imediatamente”, relata Liana.

A docente relatou o episódio para a reitoria, sem fazer queixa formal para não prejudicar o segurança terceirizado, afirmando que ele foi “autoritário” e que promoveu a “invasão de um espaço” que compromete a “laicidade da instituição”. 

“Na semana seguinte, fui à mesma sala e estava escrito na lousa apenas bom dia”, completa.

A lousa com expressão religiosa do segurança. Foto: Reprodução
A lousa com expressão religiosa do segurança. Foto: Reprodução

Diminuição de espaços laicos

De acordo com o jornal O Globo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem rejeitado o apelo de ministros para fazer um gesto para evangélicos e neopentecostais. Lula já teria descartado uma série de propostas que chegaram ao gabinete, como a realização de um evento ou encontro com pastores ou a criação de um grupo do governo que dialogue com esse segmento.

Liana Lewis acredita que o governo não pode forçar o diálogo com radicais que muitas vezes são antipetistas e que os progressistas permitiram que a religião fosse capturada “pelo fundamentalismo”. 

“Ao invés de tentar diálogo com os setores mais conservadores do neopentecostalismo, o governo deveria se aproximar e ampliar, por exemplo, as ações de padre Júlio Lancellotti”, diz a antropóloga. 

“Deveria ser formada uma força-tarefa para suporte e multiplicação de iniciativas. Multiplicação inclusive da visão de mundo, que é humanista e acolhedora do padre Júlio e não, excludente e violenta como a neopentecostal. Não à toa grande parte dos fiéis neopentecostais se associaram ao fascismo. A disputa é de convencimento de uma nova sociedade. Será um trabalho longo. Estamos falando de valores, da urgência da construção de um novo homem, minimamente razoável”.

Para Liana, a infiltração neopentecostal também se dá pela cultura, em versões gospel de axé e sertanejo. E isso diminui a existência do espaço laico, sem esse tipo de militância religiosa.

“Há oito anos, quando acompanhei volta às aulas no Ensino Superior, vi grupos de garotas que estavam a postos nas entradas dos centros distribuindo o livros com o Novo Testamento bíblico. Pontuei que a universidade é laica e que não poderiam fazer aquilo”, diz.

“Elas argumentaram simplesmente que poderiam sim, que a laicidade assegurava que elas poderiam empreender aquela ação. Essas pessoas utilizam a laicidade como justificativa para seu proselitismo, invertendo a discussão. E não vi a universidade tomar nenhuma medida naquele momento”.

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