“Memórias em Cena”, uma viagem pelo movimento teatral de Balneário Camboriú 

O ator Luciano Estevão lançou esta semana, o livro ‘A História do Movimento Teatral de Balneário Camboriú’, uma surpreendente viagem que começou na década de 1950, quando a praia pertencia à Camboriú. O lançamento aconteceu na quarta-feira (27), Dia Mundial do Teatro, durante solenidade dos 10 anos do Teatro Municipal Bruno Nitz.

O autor também se surpreendeu com todo material pesquisado e descobriu fatos notáveis que contribuíram para a cultura teatral. Ele decidiu direcionar o foco em memórias teatrais que selecionou cuidadosamente e nos coletivos.

O projeto de pesquisa recebeu patrocínio da Lei de Incentivo à Cultura (LIC).

O livro está dividido em atos e cenas como se fosse um espetáculo teatral. Os atos estão em ordem cronológica e representam o que aconteceu no Movimento teatral de Balneário Camboriú em cada década a partir de 1950.
Cada ato se constitui numa série de cenas que representam as memórias e os coletivos surgidos em cada uma dessas décadas.

A história começa na década de 50 e termina no ano 2023.

Nesta entrevista, Luciano que vive a cultura de Balneário Camboriú há 35 anos, conta detalhes da sua pesquisa e do registro histórico que publicou nas páginas do seu livro.

Acompanhe:

“A motivação foram as provocações que ouvimos que a cidade não tem cultura”

Luciano em cena do espetáculo de rua: ‘Meu Ser será. Será?’ (Arquivo Pessoal)

JP3 – O que motivou a pesquisa sobre o movimento teatral de BC?

Luciano – A grande motivação da pesquisa foram as provocações que nós, artistas teatreiros, ouvimos de que a cidade não tem cultura, não tem artistas e nem teatrão. E nós trabalhadores da Cultura conhecemos e sabemos o quanto de produção cultural e artistas tem nessa cidade. São centenas ou milhares de pessoas que produzem sua arte teatral e apresentam ela nos mais diversos lugares da cidade. Por isso precisava deixar gravado, memorizado em livro tudo o que construímos culturalmente/teatralmente no município para que a população e os turistas conheçam nossa história.

Outra motivação foi o fato de viver e ajudar a construir a História do Movimento teatral de Balneário Camboriú nos últimos 35 anos. Nesse período vi surgir grandes artistas cênicos, coletivos teatrais e muita produção criativa. Pensei, o tempo vai passando e precisamos deixar registrado em livro todo esse lindo movimento construído. Assim surgiu a pesquisa que resultou no livro.

JP3 – Onde buscou as informações?

Luciano – As informações foram buscadas no Arquivo Histórico de Balneário Camboriú, principalmente nos arquivos do Jornal Página 3. Foram feitas também algumas entrevistas formais e informais com pessoas históricas da cidade e que são memórias vivas da cultura e do teatro. Além de coletarmos 23 questionários com os principais coletivos teatrais da cidade.

Luciano tem uma longa história de amor com o teatro de Balneário Camboriú (Arquivo Pessoal)

“Eram tantas lembranças culturais fortes que vivenciei um sentimento de admiração e gratidão de poder viver nessa cidade”

JP3 –  Rodas de Conversa abriram caminho para tua pesquisa?

Luciano – A ideia dessa pesquisa surgiu em 2022 durante a execução das contrapartidas de um outro projeto que estava desenvolvendo sobre a história do Grupo de teatro Acontecendo por Aí. As contrapartidas foram rodas de conversa sobre o Movimento teatral de Balneário Camboriú. Na época dialogamos com Melize Zanoni e José Pereira que nos contaram sobre o Centro Popular de Cultura (CPC), José Guimarães e Valdir Coral que nos contaram sobre o Teatro Kaoma e Mario’s House, João Passos que nos contou sobre o projeto Pixinguinha e o teatro Leonardo da Vinci, Potyra Najara que nos contou sobre a Companhia Ensamble e Lenita Novaes que nos contou sobre o grupo Acontecendo por Aí e Ivan Tiburcio que nos contou sobre o João Batista, nosso carteiro ator. Foram horas de memórias expressadas com emoção e alegria. Eram tantas lembranças culturais fortes que aconteceram na cidade que vivenciei um sentimento de admiração, honra e gratidão de poder viver nessa cidade que já construiu tanta coisa culturalmente e com potencial infinito para construir muito mais. Foi assim que surgiu o desejo de deixar registrado em palavras e imagens essa história tão linda da cultura da cidade.

O livro começa com essa imagem contando a história do Bar Teatro Avenida, a última casinha à direita, onde hoje é o Hotel Marambaia (Acervo/Arquivo Histórico)

JP3 –  O resultado das buscas surpreendeu o autor?

Luciano – O resultado surpreendeu emocionalmente, apesar de já saber um pouco das memórias. Cada imagem registrada era um arrepio de emoção. Uma das grandes surpresas foi descobrir que tivemos um espaço teatral na cidade, mesmo antes de ser município: O Bar Teatro Avenida fundado em 1950 pelo seu Marciano da Silva, um trabalhador de Camboriú que abriu as principais estradas da cidade. Era localizado ali onde hoje é o Hotel Marambaia. Começo o livro contando essa história. Foram meses de pesquisa no Arquivo Histórico de Balneário Camboriú, aliás como é importante esse espaço que guarda praticamente toda a memória da cidade. 

Gratidão imensa a toda equipe que abriu as portas para nossos pesquisadores registrarem em imagens e palavras tudo que viram. E foi tanto material que dá para fazer mais uns dois volumes. Os mesmos personagens citados acima fizeram parte da pesquisa e mais de 20 grupos de teatro da cidade foram entrevistados por meio de um questionário. Gratidão a todos que responderam e permitiram que suas histórias fossem registradas. 

Além das memórias de personagens fundamentais da Cultura da cidade como Lenita Novaes, Lair Bernardoni, Lilian Martins e Celso Peixoto. Como é bom ter a cultura viva na cidade onde podemos vivenciar encontros singulares de boa conversa, lembranças e histórias.

JP3 –  Tem mais produção teatral do que imaginava nessa praia?

Luciano – Tem muita produção teatral criada desde a década de 50, mas principalmente a partir da década de 90 até os dias de hoje. Muito mais que imaginava. No livro retratamos 23 grupos de teatro que construíram o Movimento teatral de Balneário Camboriú e todas as suas produções.

O segundo ato do livro traz a década de 80, mais especificamente em 1989 tivemos nossa primeira política pública de cultura efetiva, o CPC: Centro Popular de Cultura, que oferecia aulas de teatro e outras artes. Entre as alunas com 9 anos estava Melize Zanoni (foto) que hoje é doutora em artes cênicas pela UDESC e uma das maiores atrizes da nossa cidade. (Acervo/Arquivo Historico)

JP3 – Fatos que chamaram atenção do autor nesse trabalho?

Luciano – Muitos fatos chamaram a atenção, mas principalmente conhecer a história do Seu Marciano Francisco Silva, considerado pela história do Município como o grande fazedor de estradas, mas que consideramos o primeiro produtor cultural de Balneário Camboriú, pois construiu o Bar e Teatro Avenida na beira da praia, hoje avenida Atlântica, como espaço de diversão e arte para a comunidade. 

Outro fato foi a participação e premiação do Grupo de teatro Mensagem Acadêmica no EMOBRESC(Encontro do Mobral Cultural do Estado de Santa Catarina) em 1980, que podemos considerar o primeiro Grupo de Teatro de Balneário Camboriú. 

Chamou a atenção também a forma que foi criada o Centro Popular de Cultura(CPC) em 1989 por um grupo de jovens visionários e amantes da Arte e Cultura, entre eles, Gilson Correa, José Pereira, Adriano Batata, Enio Fachetti, entre outros, onde criaram grandes ações culturais como aulas de teatro, rodas de leitura e poesia, cinema, enfim, foi o Coletivo que acolheu na cidade a Companhia Ensamble produções Artísticas de Carlos Batista( que havia sido meu primeiro grupo de teatro e primeiro diretor em Itajaí) e junto com ele Julio Batschauer( que viria a ser o diretor da Companhia dois anos depois, após a morte do Calinho) e também foi no CPC que nasceu artisticamente a atriz Melize Zanoni, uma das grandes atrizes de Balneário até hoje. 

E para completar os fatos que chamaram a atenção foi perceber como a criação de políticas públicas de cultura é importante, fomenta a criação de artistas, a formação de grupos artísticos e produção cultural.

“Tivemos dois grandes momentos culturais no município”

Percebemos claramente na pesquisa e consequentemente no livro que tivemos dois grandes momentos no município: Um entre 1990 até 1999 devido a várias ações culturais promovidas pelo poder público da época como o projeto Pixinguinha, o projeto Recriarte, o projeto Oficinas e abertura das escolas para apresentações teatrais e outro depois de 2014 com a inauguração do teatro e a execução da Lei de Incentivo à Cultura e a implantação do Sistema Municipal e Cultura.

O livro também é uma grande homenagem ao ator e grande produtor cultural da cidade Juca Batschauer que tá no Movimento teatral da cidade desde 1989 com a Cia Ensamble. (Acervo/Arquivo Histórico)

JP3 – Como definiria Balneário Camboriú no aspecto cultural hoje?

Luciano – A cultura do município vem evoluindo a cada ano desde que nasceu. E podemos perceber isso na leitura do livro. Porém ainda podemos evoluir muito, principalmente na relação institucional com os fazedores de Cultura, ampliação de políticas públicas, valorização do artista local, entre outros. Estamos em Movimento…

 O livro traz belas lembranças do João Batista, nosso carteiro ator que criou o Grupo de teatro JOUVE (Jovens Unidos Vencendo o Evangelho) e Rafael Ferreira (D) criador da Cia Tragicômico e um dos grandes atores da cidade. (Acervo/Arquivo Histórico)

JP3 – Você faz parte do cenário cultural de BC desde quando?

Luciano – Entro no cenário cultural de Balneário Camboriú em 1988 quando me mudo para cá. Tinha começado em Itajaí na Companhia Ensamble em 1986, e depois em 1990 criei junto com Lourival Andrade, o Grupo teatral Acontecendo por Aí que completou agora em março 33 anos. Remanescentes do grupo até hoje, eu e Lenita Novaes e Melize Zanoni, que segue carreira solo atualmente. Em 1997 criamos o Instituto de Psicologia Sentir, espaço de saúde e cultura que desde então produz, apoia e acolhe artistas e coletivos teatrais para aulas, ensaios e apresentações e desde então venho contribuindo com a Cultura da cidade.

Onde tem teatro, tem Luciano em ação. (Arquivo Pessoal)

JP3 –  Quais foram as principais intervenções tuas nesse cenário cultural?

Luciano – Começando mais efetivamente em 1997 com a criação do Instituto Sentir, conforme já citei anteriormente, que se transformou na casa do Grupo teatral Acontecendo Por Aí e foi o “locus nascendi” dos Grupos de Teatro Sentir(2000) e TramandoArte(2011). Participei ativamente, junto com vários artistas e militantes da cultura, da luta pela Fundação Cultural de Balneário Camboriú que se efetivou em 2004. E com ela tivemos formação do Conselho Municipal de Cultura, onde o Instituto Sentir participou das primeiras gestões. Tive a oportunidade de auxiliar na organização de duas conferências municipais de cultura (2009 e 2012), cuja mobilização foi maravilhosa com grande envolvimento da classe artística e da comunidade. Também tive a possibilidade de participar de duas Conferências Nacionais de Cultura (2010 e 2013), onde pude aprender muito sobre todo o Movimento Cultural do país e do Município. Com isso pude contribuir, ativamente, para a criação do Sistema Municipal de Cultura que efetivou no Município o CPF(Conselho, Plano e Fundo) da Cultura e desde então estamos aptos a ampliar e receber recursos federais e estaduais para a Cultura. 

Desde então atuo no Conselho Municipal de Política Cultural e na Câmara Setorial de teatro, contribuindo com as deliberações culturais da cidade. 

Outra grande contribuição foi na participação do grupo de artistas que começou a pensar a nossa LIC( Lei de Incentivo a Cultura). O grupo trabalhou arduamente todo o ano de 2011 e a lei foi aprovada em 26 de dezembro de 2011. 

Também contribui na luta para o término da obra do Teatro Municipal que agora completa 10 anos da sua inauguração. E estou aí na luta contínua por melhores condições e ampliação das politicas culturais da cidade.

JP3 – Quais são os principais nomes do teatro hoje em BC?

Luciano – Muitos são os nomes e citá-los poderia cair no esquecimento de alguém, mas mesmo assim vou arriscar: A Cia Ensamble, por meio da pessoa do Eduardo Hora continua sendo um grande nome do Movimento teatral da cidade; A Cia Primo Atto com Monique Neves e Bruna Pierami são grandes nomes na formação de novos artistas; A Nova Cia de teatro da Potyra Najara e Yoshabel; A CIA Ler e Viver do Fabio Castilho, Deyvid e Rejane; Cia Célula de Arte, do Gilberto Antunes; A Trupe de Tróia, do Wlad Correa; O Grupo de Teatro TramandoArte liderado pelo Caio, Marjorie, Val; Grupo de Teatro Sentir liderado pela Lenita Novaes; Grupo de teatro Acontecendo por Aí liderado por Luciano Estevão, além de Melize Zanoni, Guilherme T, Ricardo Bonfá, Gustavo Valente e Rita Duarte. Provavelmente esqueci de alguém, mas com certeza os citados representam grandemente o Movimento teatral de Balneário Camboriú.

JP3 – O que precisa melhorar nesse aspecto?

Luciano – Muito ainda precisa melhorar. Precisamos de políticas públicas para a área teatral, entre elas: Festival nacional de teatro; Editais e circulação de espetáculos no Município, pelo estado e país; ampliação do Teatro Municipal; Efetivação do Centro Integrado de Cultura Julio Batschauer; aulas de teatro gratuitas no teatro municipal, entre outras melhoras.

Luciano em cena (Arquivo Pessoal)

JP3 – Espaço aberto…

Luciano –  Destacar  o descerramento da placa do Centro Integrado de Cultura Júlio Batschauer, na noite do dia 27. Na oportunidade o Movimento Teatral em conjunto com a Câmara Setorial de Teatro fez o lançamento do Troféu Julio Batschauer, que pretende premiar anualmente os grandes fazedores de arte e teatro da cidade. Também quero agradecer imensamente toda equipe da Fundação Cultural, a Lei de Incentivo a cultura que patrocinou a pesquisa, ao Arquivo Histórico e ao Jornal Página 3 pela memória da Cultura da cidade e todos os fazedores de teatro e cultura que contribuíram com o trabalho. Também meus sinceros agradecimentos à equipe do projeto: Pesquisadoras: Rita Duarte e Lenita Novaes.  Assessora de imprensa e designer: Daniela Novaes e toda equipe da Editora Traços&capturas.

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