O prazo de validade da escolha do governo em relação aos militares. Por Jeferson Miola

Presidente Lula e militares (Foto: Ricardo Stuckert/Pr)

As cúpulas das Forças Armadas só abortaram o empreendimento golpista porque, à diferença de 1964, nas tentativas de golpe de 2022/2023 não contaram com a adesão de frações das classes dominantes, da mídia hegemônica, do STF e, principalmente, dos Estados Unidos.

Durante os anos de 2021 e 2022 o governo estadunidense enviou importantes autoridades a Brasília com o objetivo de demover os militares do plano golpista.

O efeito concreto das incursões de emissários de Biden não significou, entretanto, o abandono total e definitivo, pelos militares, do projeto de poder estamental, mas parece ter causado uma divisão –ou quebra da unidade golpista– no interior das cúpulas fardadas, fator que comprometeu a continuidade da conspiração.

Prova disso é que, faltando apenas quatro dias para o término do mandato do Bolsonaro, no dia 27/12/2022 o general e candidato a vice da chapa militar, Braga Netto, ainda tratava da distribuição de cargos no governo, pois considerava a hipótese de “continuarmos” no poder, como ele disse a um colega fardado, o que obviamente só poderia acontecer num contexto de ruptura institucional.

Outra evidência de que o plano golpista era considerado até o último instante foi a decisão do general Freire Gomes de impedir a desmontagem do acampamento no QG do Exército no penúltimo dia como comandante do Exército, cargo que ele abandonou para não se ver obrigado a bater continência para o presidente Lula, escolhido pela soberania popular para ser o comandante supremo das Forças Armadas.

É evidente, portanto, que os militares não fizeram uma súbita conversão à legalidade e ao profissionalismo, como se esforçam em dissimular, mas apenas se viram obrigados a abortar o plano golpista diante de circunstâncias internas e internacionais desfavoráveis.

Caso, contudo, não tivessem se deparado com obstáculos relevantes, o desfecho teria sido outro, e o Brasil estaria hoje sob a vigência de um regime fascista-autoritário. Se durante a trama militar o presidente dos EUA fosse Donald Trump, e não o Joe Biden, teria sido enorme a possibilidade disso acontecer.

Donald Trump ao lado de Jair Bolsonaro. Foto: Divulgação

As chances de vitória do Trump na eleição presidencial dos EUA, em novembro próximo, são muito reais. A eleição de Trump será uma péssima notícia para o Brasil. Isso trará amplas dificuldades para a segunda metade do mandato do presidente Lula, e deverá adicionar complicações ainda mais sérias em relação aos militares e à extrema-direita, se refletindo em riscos consideráveis à nossa já frágil democracia.

A eleição de Trump colocará à prova a escolha do governo Lula na questão militar. E também poderá significar o fim do prazo de validade dessa fórmula adotada, de não transferir para a reserva os altos oficiais envolvidos na conspiração, e não realizar a tão essencial reforma militar.

Diferentemente das sociedades vizinhas da América do Sul, que relembram os golpes e ditaduras dos seus países como parte do processo permanente de memória, verdade e justiça, no Brasil a rememoração dos 60 anos do golpe militar tem uma importância ainda mais crucial, devido à ameaça real que os militares continuam representando para a democracia.

Num futuro que inclusive poderá ser em breve, de conjunturas difíceis, com crises políticas, instabilidades e impasses institucionais, os militares não hesitarão em reivindicar o papel de “poder moderador”, tutores do sistema e garantidores da lei e da ordem.

É equivocado, além de inconstitucional, um governo eleito soberanamente se abster de exercer o comando civil das Forças Armadas, principalmente numa realidade anacrônica como a brasileira, em que os militares acalentam um projeto próprio de poder.

Com a renúncia do poder civil estabelecido na Constituição, o governo não recebe nenhuma garantia de “bom comportamento” militar; mas, em contrapartida, alimenta a certeza de futuros atentados golpistas dos militares.

Originalmente publicado no Blog do Jeferson Miola
Siga nossa nova conta no X, clique neste link
Participe de nosso canal no WhatsApp, clique neste link

Entre em nosso canal no Telegram, clique neste link

Adicionar aos favoritos o Link permanente.