Centro de Treinamento Artístico: a usina criativa do Hasta

Conheça o CTA, espaço cultural localizado no Barreiro, que tem à frente o agitador cultural Haylander Lana, o Hasta

Patrícia Cassese | Editora Assistente

Ao batermos a campainha da casa situada na Rua Flávio Marques Lisboa, no Barreiro, o simpático e sorridente Haylander Lana abre a porta e, de pronto, já convoca a equipe do Culturadoria para conhecer o que ele próprio chama de o “jardim mágico” do espaço. “Hasta”, como é carinhosamente conhecido, refere-se ao pulmão do Centro de Treinamento Artístico – o CTA, associação civil sem fins lucrativos fundada por ele há pouco mais de três anos. Animado, ele mostra, por exemplo, um exemplar da árvore Akoko, que, vale dizer, não é nativa do Brasil. “É uma árvore africana, usada no candomblé. Uma planta de Ogum. É a mais rara que a gente tem aqui, no jardim, e também simboliza o trabalho”, conta, todo orgulhoso.

O Akoko reina belo e poderoso, mas de modo algum está sozinho ali, naquele recanto verde. Há, ainda, um pé de murta, acará, um pé de jabuticaba, outro de limão taiti e um outro de limão capeta, para citar alguns exemplos. “Assim, aqui fica o bar Tupinambá, onde a gente faz o social. E quando colocamos as mesinhas por aqui, a galera que frequenta já chega, tira uma jabuticaba do pé e prova. Quer fazer uma caipirinha? É só escolher o limão! Aliás, vocês já tinham visto um pé de louro? É gostoso demais! (ter tantas plantas ao alcance). Ou seja, a gente tira do pé e já faz o rango. Sabe aquela coisa de gastronomia afetiva, de vó?”, argumenta Hasta.

Sim, o jardim é de fato um ponto mágico do espaço, mas a função principal de Hasta – e do CTA – é promover e disseminar arte e cultura. Ou seja, num sentido mais amplo, espraiar conhecimento.

Múltiplo

Assim, o espaço do CTA serve a diversas finalidades. Pode, por exemplo, sediar eventos corporativos (neste caso, o espaço fica fechado ao público para receber a iniciativa). Ou, ainda, acolher quem quer trabalhar em um lugar sossegado e aprazível, no sistema coworking. Também oferece uma programação diversificada de oficinas, cursos…. À noite, pequenos shows são um dos atrativos. “Por exemplo, toda segunda-feira, o que é que a gente faz?”, lança.

E, na sequência, destrincha: “Veja, nós, artistas, atuamos mais aos finais de semana. Então, nas segundas-feiras, a gente realiza, aqui, um encontro. Um palco aberto, com ensaio para a galera, um forrozinho pé de serra”, diz Hasta, todo feliz.

Passado e presente

Necessário destacar que, antes de chegar ao jardim, passamos por um espaço no qual chega a ser até difícil fixar a atenção em um único ponto. De imediato, há uma Kombi (foto abaixo), na qual há a inscrição “Hasta”. Atrás da Kombi, há uma arte representando Roseli, a galinha de estimação do espaço: a ave apareceu no quintal certo dia e fez de lá a sua morada. Durante a visita do Culturadoria, permaneceu, altiva, em um dos galhos do pé de jabuticaba.

Em frente onde está estacionada a Kombi, há um espaço com palco e, nos cantos deste, pilhas de livros disponíveis para leitura ou mesmo para troca. Não só. O nosso olhar é de pronto cooptado por um espaço-relicário no qual há aparelhos de som de diferentes época, televisões antiguinhas e outras aparelhagens que, mesmo tendo sidas substituídas pelos avanços tecnológicos, deixaram lembranças no território das memórias. “Sou saudosista”, admite Hasta. Essas peças old fashion convivem harmonicamente com stickers e artes urbanas, como aquela menina com a cabeça apoiada sobre os braços cruzados, que a gente vê aí, espalhada também por BH. Uma obra fofa da artista Lacar.

Guinada

Hasta conta que se reconhece como um artista desde os 13 anos de idade. No entanto, ao completar 21, achou que deveria, como ele mesmo diz, “virar um CLT”, fazendo menção à sigla para Consolidação das Leis do Trabalho. Trocando em miúdos, ter um trabalho dito convencional, com carteira assinada. “Assim, me formei e durante anos atuei como gestor de vendas… Dava palestras, treinamentos… Desenvolvia, orientava e multiplicava esse conhecimento de vendas que eu tinha para a galera”, especifica. Assim, em 2017, alcançou o cargo que almejava. E foi transferido para São Paulo.

“Na verdade, fiquei dois anos em São Paulo, aquela terra do caos (referindo-se ao lado frenético da metrópole). No entanto, acabei voltando, já que veio a necessidade de preencher uma vaga na capital mineira e, na empresa, naquele momento, eu era o único com o conhecimento para trabalhar com a galera de Belo Horizonte”. Certo dia, já de volta a Minas, Hasta foi se divertir em um espaço de shows comandado por um amigo, o In Vegas. Só que, naquele dia, o músico escalado para tocar teve um imprevisto e não pode ir. Assim, foi convidado pelo dono da casa a assumir o microfone. Na hora, ofereceu certa resistência. “Mas, enfim, acabei aceitando e mandei uma hora e meia… Me diverti bastante, foi sensacional”.

Recomeço

Quando entrou na fila para pagar o que havia consumido, em vez de ter a conta em mãos, Hasta recebeu um pagamento: o valor de R$ 100. “Era o cachê de músico! Na hora, fiquei que nem aquele meme da Nazaré Tedesco (a célebre personagem de Renata Sorrah na novela “Senhora do Destino”, de Aguinaldo Silva, veiculada em 2004) fazendo cálculos, sabe?”. Hasta se refere ao fato de ter feito um comparativo entre o que ganhava por dia no trabalho “tradicional”, como gestor, e o que havia faturado ali, em uma atividade que lhe era aprazível. “Daí, decidi: ‘Vou voltar para a música”. Assim, em uma reunião em São Paulo, quando a empresa lhe solicitou um feedback sobre a praça Belo Horizonte, Hasta, na verdade, acabou pedindo para ser desligado.

E, assim, a história da arte e da cultura não só do Barreiro, mas de toda BH, ganhou um novo legionário. Com o tempo, Hasta conseguiu inclusive entrar no seleto circuito profissional de músicos de barzinhos da capital mineira. “Que, aliás, é algo bem difícil, viu?”. Em 2019, Hasta realizou uma pequena turnê por cidades mineiras – tal qual, passou por outras do litoral dos estados do Rio e São Paulo.

Todavia, ao voltar a Minas, o novo coronavírus já era uma realidade no Brasil – e, assim, veio a imposição da quarentena. “Ao contrário de quem falou que era só ‘uma gripezinha’ (diz ele, em tom irônico, repleto de significados), não passou. E assim fomos vivendo, reclusos, até que um dia, abri o celular e vi um músico fazendo a tal da live. Até então, eu não sabia bem o que era (esse formato), mas logo me dei conta: ‘Cara, então o caminho é esse’”.

A pandemia

Hasta se debruçou sobre as técnicas necessárias para realizar a dele e, pouco depois, já começou a entrar ao vivo. “Ou seja, começamos a produzir as nossas próprias lives dentro de casa. Assim, fiz campanhas de agasalho, de arrecadação de alimentos não perecíveis, para conseguir cestas básicas, comprar barracas para a galera que estava em situação de rua naquele período pandêmico…”. Foi quando se acendeu uma nova centelha: a importância da arte e da cultura na vida das pessoas. “Ou seja, entendi que precisava realizar algo nesse sentido. E daí, nasceu o CTA, Centro de Treinamento Artístico”, orgulha-se.

Fato é que, no período pandêmico, as lives de Hasta chegaram a atingir o marco de 14 mil views. “E, veja só, isso de forma independente, esquema fundo de garagem, como a gente tinha o costume de dizer na época das bandas. Ali, vi proporções”. O passo seguinte foi pensar em como contemplar ainda mais não só os artistas, mas também o público. “Porque, no período de pandemia, claro, não havia como receber a comunidade (presencialmente). Ainda que internamente a gente estivesse trabalhando – claro, com todo o processo de cautela e higienização. Tanto que deu tudo certo. Graças a Deus, nenhuma infecção”.

Parte de um circuito

Passado o período da pandemia, aí sim, o CTA passou a atuar a todo vapor. “A gente começou a realizar eventos de lançamento de artistas (inclusive de outras praças), oficinas de dublagem, elaboração de projetos, engenharia de áudio…”, lista Hasta. Com tanto gás, o imóvel que a empreitada ocupava até ali ficou pequeno. Assim, o empreendendor foi a campo. Ou seja, à cata de um novo endereço. Um belo dia, topou com o imóvel que ocupa atualmente. Uma casa dos anos 1970, localizado no centro do Barreiro. “Um endereço com cara de ‘casinha de vó’, do jeito que eu queria, com área verde”, regozija-se.

Hoje, o Centro de Treinamento Artístico compõe o Circuito Cultural do Barreiro, junto a outras iniciativas, como o Viaduto das Artes, o Akasulo, o Quinta Arte, o Tertúlia e a Casa Sabiá. “Cada qual com uma característica”.

Saudosismo

Na área verde da casa que abriga o CTA, além dos chamarizes já citados, há, ainda, uma mesa de sinuca, “para a galera se divertir”. “E, como saudosistas que somos, moleques dos anos 1990, a gente coloca o Super Nintendo original na televisão de tubo, com manete, cartuchinhos, para a galera soprar e se divertir à vontade. E também o War, xadrez e tudo o mais de entretenimento e multiplicação do conhecimento. Bom demais!”, afiança Hasta.

A proposta do espaço, é pois, abraçar a cultura. “Acredito firmemente que a nossa estrutura aqui, nesse imóvel, proporciona isso. Não só física, mas energeticamente também, o que é super importante. Ou seja, quem entra aqui, sente a energia. Assim, quem estiver com rancor no coração, é curado (ri). Já aquele que sente inveja, que tem olho gordo, já começa a se coçar e não consegue ficar, porque a energia boa sempre permanece”.

Desse modo, o convite é para que as pessoas visitem o local, para conhecer in loco a estrutura e, assim, “fazer parte desse processo”. “Mesmo porque, precisamos do apoio de cada um”, afiança. Acima, foto da galinha Roseli, que chegou no quintal, do nada, e decidiu permanecer na casa.

Projetos

São muitos, os planos de Hasta para um futuro próximo. Há, por exemplo, o projeto de um telhado orgânico. Tal qual, de adaptar um dos quartos para hospedagem. “Assim, destinado a quem vai vir aqui, na nossa sede, para gravar, produzir, mas para quem não seria viável voltar para casa no mesmo dia, por morar longe, por exemplo. Então, assim, a pessoa vai poder dormir aqui, com acesso a banheiro, geladeira, e, no dia seguinte, dar continuidade à produção”. Ele também pensa em montar camarim, sala de recepção. Mas a menina dos olhos é o estúdio, para gravar podcasts e afins. (Abaixo, foto do estúdio, que está em obras)

“Já conseguimos, por exemplo, dois ar condicionados, também já fizemos o isolamento acústico e os painéis estão aqui, para fazermos o tratamento. Porque, né, são vários estágios. Assim, vamos colocar carpete, aquário com três camadas, definição de imagem bem bacana, estética mais bonita… Veja só, como vocês viram (na entrada), eu amo vinil, CD, fita cassete… Mas, no caso do estúdio, quero ter o o que há de mais atualizado do mercado, oferecer a maior qualidade digital”, diz Hasta. Ele acredita que o novo estúdio deve ficar pronto no final deste mês, início do próximo.

Por último (mas não menos importante)

Hasta costuma dizer que estou gestão, mas nasceu artista. “Ou seja, não nasci gestor. Aprendi a desenvolver”. E o ser artístico dele tem muito a ver com a influência paterna. “Meu pai, Ronaldo Lana, era DJ, então, cresci com James Brown, KC And the Sunshine Band, Michael Jackson, Whitney Houston, Kool & The Kang…”, lista.

E, bem, o lado artista dele convive super bem com o lado gestor do CTA. Tanto que ele tem três formatos de show para oferecer, do formato Voz & Violão ao forró pé de serra, passando pela discotecagem com viés nostálgico (os célebres flashbacks). Detalhe: no palco, ele sempre se apresenta descalço. Aliás, desde que se deu conta de que Maria Bethânia só cantava assim, ficou instigado, quis saber mais e, inspirado, virou discípulo. “Outras cantoras, como a Maria Rita, também só se apresentam assim”, lembra.

Serviço

Centro de Treinamento Artístico – o CTA

Onde. Rua Flávio Marques Lisboa, 340 – Barreiro
Informações sobre as atividades em curso podem ser obtidas no perfil do Instagram do espaço

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