“Casa de folhas” chega ao Brasil celebrado clássico da literatura de horror contemporânea

Verdadeiro desafio editorial, “Casa de folhas” de Mark Z. Danielewski, que exigiu um intrincado trabalho de tradução e edição, é lançado pela Darkside Books

Por Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura

O funcionário de um estúdio de tatuagem Johnny Truant se vê diante dos manuscritos de Zampanò, um idoso cego e recluso encontrado sem vida. No longo texto de Zampanò, um trabalho de estrutura acadêmica, o autor discute os estranhos acontecimentos experienciados por um casal, Will Navidson e Karen Green, em sua nova casa em Ash Tree Lane, na Virgínia, Estados Unidos. Essa residência aparentemente comum ignora as leis da arquitetura, da física e daquilo que identificamos como a realidade. E essa diferença, dia após dia, parece aumentar, levando os seus moradores a mergulharem numa espécie de labirinto físico e mental de resultados devastadores.

Redefinindo a literatura de horror 

Primeiro romance de Mark Z. Danielewski,Casa de folhas” é um trabalho que redefiniu a literatura de horror no início deste século. Lançado em 2000, o projeto de Danielewski explorou os limites tanto do romance, quanto do próprio livro enquanto objeto. Se os seus personagens se veem mergulhados num verdadeiro labirinto de dimensões impossíveis, assim o seu leitor também se encontra, página após página, num livro onde a linearidade – não apenas narrativa, mas também em termos de estrutura e diagramação – não é a regra, mas uma rara exceção.

Mark Z. Danielewski constrói um texto a partir de múltiplas vozes, que se alternam a partir de diferentes fontes tipográficas numa mesma página. Essas vozes trabalham num processo de acúmulo, onde uma comenta e discute a outra, ampliando, assim, as discussões e apontamentos iniciados em seu texto base, essa espécie de monografia que analisa a experiência do casal Navidson nesta casa e todos os mistérios que a cercam.

Não defino o texto escrito por Zampanò como uma monografia à toa. Como num trabalho acadêmico exaustivamente revisado, o personagem inunda a sua investigação com uma série de referências e notas de rodapé, apontado cada reportagem, matérias de revistas e jornais, artigos acadêmicos e demais textos e elementos que serviram de pesquisa para a construção deste texto. Num jogo interessantíssimo entre a realidade e a ficção, Mark Z. Danielewski nos leva, por diversos momentos, a questionar se tais notas não se referem a publicações reais. Será?

Literatura ergódica

Se na casa de Ash Tree Lane, paredes, portas e corredores escuros levam seus moradores a adentrar um limiar inexplicável, Mark Z. Danielewski busca trazer esse experimento para a própria leitura. “Casa de folhas” é um livro que te convida a romper as normas do texto, das linhas e das margens. O virar de uma página nos leva a mergulhar numa nova experiência, que se reflete tanto internamente em nós leitores, quanto na maneira como manuseamos este livro enquanto objeto. Notas de rodapé, nos levam a mais notas de rodapé, que, por vezes, ocupam páginas e mais páginas em sequência – uma das linhas narrativas do texto é escrita exclusivamente por este meio. 

O inventivo e fora do comum trabalho de diagramação encontra ecos na poesia concreta: do vazio de uma página (quase) em branco partimos para a cacofonia de uma página que beira o ilegível, quando uma palavra se sobrepõe a outra que se sobrepõe a outra e assim por diante.Casa de folhas” exige uma postura ativa do leitor na relação com o texto e todos aqueles desafios que se apresentam ao longo da experiência de leitura. A obra de Mark Z. Danielewski é um dos mais celebrados exemplos da chamada literatura ergódica (do grego, ergon é trabalho, e hodos, caminho), um estilo literário que demanda um esforço não convencional do leitor, apostando em um formato não linear e experimental.

Mais de duas décadas de espera

Aliás, poucas obras, talvez, mereçam a alcunha de “romance experimental” como este romance de estreia de Mark Z. Danielewski. Absolutamente brilhante, digo sem medo de parecer exagerado. Um acerto editorial impecável da Darkside Books, num trabalho monumental de edição, tradução e diagramação que, enfim, chega ao Brasil, após mais de duas décadas de espera. Casa de folhas” é uma experiência única. Impossível sair de suas páginas – e de seus corredores impossíveis, suas portas que se abrem para o nada – o mesmo que entrou. Abrir a porta destaCasa de folhas” nos leva a encarar de frente o vazio. O perigo é que, neste gesto, o vazio nos encara de volta. Para se perder ali, basta um passo em falso.

Casa de Folhas (Darkside)
Casa de Folhas (Darkside)

Encontre “Casa de folhas” aqui

Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel (https://www.instagram.com/tgpgabriel)

The post “Casa de folhas” chega ao Brasil celebrado clássico da literatura de horror contemporânea appeared first on Culturadoria.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.