Por que Marilena Chauí classifica celular com objeto de servidão

Marilene Chauí em entrevista para a TV Brasil. Foto: Reprodução

No último sábado, 9 de novembro, a filósofa Marilena Chauí participou do programa Dando a Real, da TV Brasil, apresentado pelo jornalista Leandro Demori. Na entrevista, Chauí discutiu os impactos da hiperconectividade na sociedade, abordando a formação de uma nova subjetividade e os mecanismos de controle que surgem disfarçados de liberdade.

“Esse objeto aqui [celular] faz com que eu acredite que sou livre quando o utilizo, mas, na verdade, é um objeto de servidão”, afirmou a filósofa.

Durante a conversa, Chauí explicou como a digitalização rompe a relação física do indivíduo com o espaço e o tempo. Segundo ela, essa desconexão afeta profundamente a percepção e o sentimento do corpo, que perde seu papel ativo e sensorial no mundo. “Vivemos uma experiência limitada do corpo, que perde seu papel de participante no mundo de percepções e sentimentos”, refletiu a filósofa, destacando a “descorporificação” resultante, que reforça a falsa sensação de autonomia.

A filósofa também comentou sobre a formação de uma nova subjetividade na era digital, marcada por traços “narcisistas e depressivos”.

Chauí argumenta que, na atualidade, “existir hoje é ser visto. Se você não é visto, você não existe”. Para ela, a dependência do reconhecimento externo, agravada pela impossibilidade de controlar a percepção dos outros, alimenta um ciclo de insegurança e depressão. Como resultado, as taxas de suicídio entre jovens têm aumentado, o que Chauí relaciona diretamente com a hiperconectividade e o uso excessivo das redes sociais.

Outro ponto abordado na entrevista foi o papel das fake news no cenário digital. Chauí ressaltou que as notícias falsas vão além da desinformação, atuando como um mecanismo de controle externo das percepções e sentimentos dos indivíduos.

“A fake news é uma forma de dominação que exerce controle sobre nossas percepções e pensamentos, promovendo o discurso de ódio e sustentando guerras indiretas”, explicou, refletindo sobre o poder de manipulação e a intencionalidade das fake news em moldar a opinião pública.

Chauí mencionou ainda o conceito do “empresário de si mesmo”, um reflexo da economia digital que ela associa à classe do “precariado”, marcada pela insegurança e pela falsa sensação de independência. “A ideia de que somos donos de nós mesmos é uma ilusão”, destacou. Para Chauí, a figura do trabalhador autônomo disfarça uma estrutura de servidão a grandes corporações, dissolvendo a coesão social antes construída pelas relações concretas da classe trabalhadora com o mundo.

Em sua análise, Chauí concluiu que a economia digital representa uma mutação civilizacional que poucos conseguem identificar e enfrentar. Para a filósofa, a liberdade prometida pela era digital é ilusória e sustentada por um sistema que molda sentimentos, pensamentos e ações de maneira sutil e imperceptível. “A classe trabalhadora, que se relacionava com o mundo por meio do trabalho concreto, foi substituída por uma dispersão, onde cada indivíduo acredita ser autônomo, mas está, na verdade, em um estado de dependência total”.

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