“De onde eles vêm”, novo livro de Jeferson Tenório, acompanha o ingresso de primeiros estudantes cotistas nas universidades públicas brasileiras

Lançamento da Companhia das Letras, “De onde eles vêm” é romance de formação sob diferentes perspectivas, acompanhando um jovem estudante no início dos anos 2000

Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura

Aproximadamente duas décadas após as primeiras experiências de políticas de cotas em universidades públicas brasileiras. Que culmina com a Lei de Cotas, sancionada em 2012 pela presidenta Dilma Rousseff. O escritor Jeferson Tenório considera o sistema de cotas uma revolução silenciosa. Uma revolução não apenas dentro das universidades públicas, mas na sociedade brasileira. Esse momento histórico, o ingresso dos estudantes cotistas no sistema de ensino superior público, é o fio condutor de seu novo romance, “De onde eles vêm”, lançado pela Companhia das Letras.

Universidade pública

Joaquim é um jovem estudante de Letras numa universidade pública em algum ponto do início dos anos 2000. Leitor assíduo, na escolha deste curso há o desejo de, futuramente, se tornar um escritor. Construir para si a carreira daqueles que, página após página lida, contribuem não apenas para sua formação enquanto leitor, mas também enquanto cidadão.

“De algum modo, tornei-me leitor não por causa da leitura em si, mas porque eu gostava daquela imagem: alguém que lê. (…) a literatura fazia com que eu me sentisse grande diante das coisas, e aos vinte e quatro anos eu precisava dessa grandeza para não sucumbir.”

Se a política de cotas ampliou o acesso, Jeferson Tenório se aprofunda aqui numa série de barreiras que dificultam a permanência dos alunos cotistas nas universidades. São muitas as questões políticas, sociais, culturais e raciais que se impõem, criando novos impasses e adversidades. A própria sensação de não pertencimento a um ambiente, ainda, majoritariamente branco e de classe média e a ausência, naquele período e contexto onde a narrativa se desenrola, de políticas complementares de apoio. Enquanto lida com as cadeiras do curso de Letras, suas tarefas e leituras obrigatórias, Joaquim enfrenta a distância entre o bairro periférico em que vive e o campus universitário, o desemprego e a falta de perspectiva de um estágio remunerado e a doença da avó, de quem o jovem órfão cuida ao lado da tia.

“Pensei que de nada adiantava o sistema de cotas. Não daquela forma. Eu não tinha créditos suficientes nem para conseguir um estágio remunerado. Só apareciam trabalhos voluntários para fazer. Mas eu precisava escolher entre ter um emprego e ter experiência na minha área, sem ganhar nada.”

Personagens e livros acompanham trajetória do protagonista

James Baldwin, Marcel Proust, James Joyce são algumas das leituras que acompanham Joaquim no decorrer do romance. Entre aulas de literatura, conversas com colegas de universidade ou com um amigo dono de um sebo — personagem importante na formação do protagonista. Enquanto Proust e seu “Em busca do tempo perdido” faz companhia ao jovem numa madrugada no hospital cuidando da avó, Rufus, personagem de “Terra estranha”, romance de Baldwin, é uma espécie de bote salva-vidas num momento onde a desesperança parece tomar conta. “A literatura estava me mantendo vivo sem que eu soubesse”.

Espécie de livro-irmão de “O avesso da pele”, romance, arrisco dizer, alçado a clássico contemporâneo da literatura brasileira. “De onde eles vêm” reforça e avança questões já presentes no livro anterior de Jeferson Tenório. É interessante notar alguns paralelos entre as figuras centrais de cada trama: em “O avesso da pele”, o professor de literatura Henrique, um homem negro que é assassinado a tiros durante uma abordagem policial; neste novo livro, o jovem estudante de Letras, com foco em literatura, Joaquim. Duas gerações de homens negros, professor e aluno, às voltas com questões e violências, tanto físicas quanto simbólicas, que permanecem no horizonte. 

Pelo direito ao encantamento

“De onde eles vêm” é um romance de formação sob diferentes perspectivas. A formação de um leitor, a formação de um jovem cidadão, a formação de um universitário e a formação de futuro escritor. Entre aulas, idas e vindas de ônibus, leituras, relacionamentos amorosos, novas experiências, perdas e encontros, Joaquim vive um sensível despertar: de sua cidadania e de sua negritude. “A vida é bela”, nos indica a última parte do romance. Nas fissuras de uma realidade que se impõe pelas carências e pela brutalidade, a literatura de Jeferson Tenório adentra, buscando seu espaço na defesa pelo direito ao encantamento — com a vida, com o amor, com a arte, com a própria literatura — não só por seu protagonista e aqueles que o orbitam, mas por toda uma camada da sociedade brasileira que se vê em algum grau representada ali e, no fim, também, por seu leitor.

“Existe uma estrada aberta para seguir, Joaquim, e você não está só. As palavras estão contigo. As letras que carrega dentro de você estão pedindo passagem para existir, ela disse. Mas, pra isso acontecer, você precisa voltar a ter gosto pela vida.”

Encontre “De onde eles vêm” aqui.

Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel (https://www.instagram.com/tgpgabriel)

The post “De onde eles vêm”, novo livro de Jeferson Tenório, acompanha o ingresso de primeiros estudantes cotistas nas universidades públicas brasileiras appeared first on Culturadoria.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.