Folha lança “enquete” sobre anistia a golpistas no dia da revelação de plano para matar Lula e Moraes

Enquete da Folha sobre anistia a golpistas: advogando em causa própria

É difícil saber o que mais indigna: a publicação recente de um artigo do ex-presidente Jair Bolsonaro, intitulado “Aceitem a democracia”, ou a enquete promovida pela Folha de S. Paulo, que questiona seus leitores sobre serem “a favor ou contra a anistia a envolvidos nos ataques de 8/1”.

Ambas as ações, por si só, já seriam um soco no estômago de qualquer pessoa preocupada com os valores democráticos, mas a coincidência de tempos e contextos torna a situação ainda mais alarmante.

No mesmo dia em que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes tornou pública a decisão que resultou na prisão de quatro militares do Exército e um agente da Polícia Federal por planejarem golpe e homocídio, a Folha resolve lançar uma enquete sobre anistiar golpistas. Não é só inoportuno; é um acinte à inteligência e à memória do povo brasileiro. É o tipo de iniciativa que transforma a violência institucional e as ameaças à ordem democrática em um espetáculo midiático, tratadas como meras questões de opinião.

Segundo os documentos divulgados por Moraes, os suspeitos começaram a monitorar autoridades como Luiz Inácio Lula da Silva, Geraldo Alckmin e o próprio ministro ainda em novembro de 2022. Isso significa que, enquanto a sociedade tentava se recuperar do clima de tensão que marcou as eleições, golpistas já se organizavam para prender e assassinar figuras-chave da República.

E onde estava a Folha? Não só não denunciando com o devido vigor essas ameaças, mas, meses depois, dando espaço para que Bolsonaro — cuja campanha e aliados estão entre os investigados — pregasse a “aceitação” de uma democracia que ele nunca respeitou num artigo cínico e canalha.

O jornalismo não é neutro, nem deveria ser. Oferecer uma plataforma para alguém como Jair Bolsonaro se passar por um defensor da democracia é ser conivente com a manipulação da verdade. É apagar os ataques sistemáticos que ele e seus apoiadores fizeram às instituições, incluindo a apologia ao golpe. Publicar uma enquete sobre a anistia aos terroristas do 8 de janeiro vai além de irresponsabilidade editorial. É flertar com a banalização do autoritarismo.

Durante a ditadura militar, a Folha chegou a emprestar carros para os órgãos de repressão. Mais recentemente, enquanto Bolsonaro se consolidava como uma figura antidemocrática, o jornal oscilava entre críticas pontuais, a recusa em classificá-lo como de “extrema-direita” e uma busca incessante por equivalências morais com a esquerda. Essa abordagem, que finge equilíbrio, na verdade normaliza o fascismo.

Promover enquetes que reduzem a anistia a golpistas a um tema de “opinião” faz parte de um padrão. Trata-se de minimizar os ataques de 8 de janeiro como se fossem manifestações isoladas, quando, na verdade, estavam enraizados em uma tentativa organizada de destruir o Estado democrático de direito.

Ao tratar questões graves como anistia e golpismo como temas de debate superficial, a Folha reforça uma visão mercadológica da democracia: algo negociável, relativo, uma questão de gosto. O resultado não é a pluralidade de ideias, mas a confusão sobre princípios básicos. Em vez de um jornalismo comprometido com a verdade e os valores democráticos, temos um veículo que flerta com o sensacionalismo e a relativização do que deveria ser inegociável — a não ser para a família Frias.

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