Toffoli levanta sigilo do grampo ilegal da PF em cela de Youssef

O Ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil, José Dias Toffoli – Foto: Reprodução

Publicado em ConJur

Para forjar provas que deram origem ao esquema “lava jato”, delegados da Polícia Federal grampearam, ilegalmente, a cela onde se encontrava o doleiro Alberto Youssef, em 2014. A trama, agora descoberta, incluiu prender outras pessoas, apenas para que tivessem suas conversas gravadas.

O HD com os áudios gravados foi ocultado de investigações durante dez anos. Delegados da PF não obedeceram a ordem dos juízes Eduardo Appio e Luiz Antônio Bonat que determinaram a entrega do HD. Mas não foram apenas os delegados e os procuradores do MPF que sonegaram as provas da ilegalidade.

Na verdade, o HD estava acautelado na própria 13ª Vara Federal de Curitiba — o que os servidores do Vara esconderam dos juízes, do CNJ e do STF. O HD, que teve 26 arquivos apagados, com 210 horas de gravações só foi liberado quando assumiu o comando da Vara o juiz Guilherme Borges.

Há indícios de que existe uma versão integral, em que se filtrou ruídos — já que os áudios originais são precários. O material que finalmente foi entregue à defesa este ano, em sua maior parte, é quase inaudível.

O senador Sergio Moro (União Brasil-PR), ex-juiz da Lava-Jato – Foto: reprodução

O então juiz Sérgio Moro foi quem arquitetou, desde o início, o plano para esconder da justiça o crime dos delegados. Ele recebeu o HD, mas, oficialmente, o devolveu à PF. Em vez de abrir inquérito (que abriria espaço para a defesa acompanhar o caso), Moro abria sindicâncias, a que só a quadrilha lavajatista teria acesso.

Reação em cadeia

Esses fatos acabam de vir à tona com a decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, de levantar o sigilo do HD que, finalmente, apareceu. O ministro deu ciência da trama e do HD ao Conselho Nacional de Justiça, à Procuradoria-Geral da República; à direção da Polícia Federal, Advocacia-Geral da União; Controladoria-Geral da União; ao Tribunal de Contas da União; Ministério da Justiça e à presidência do Senado — para providências necessárias.

A decisão também levanta o sigilo da petição (Pet 13.045) na qual a defesa de Youssef pediu a investigação da atuação do ex-juiz e hoje senador Sergio Moro (União-PR) — titular da 13ª Vara Federal de Curitiba em 2014 — na instalação do grampo. Sérgio Moro recebeu o HD logo depois das gravações, que duraram onze dias (de 17 a 28 de março de 2014). O material entrou para a história como certidão de nascimento do esquema engendrado em Curitiba.

Os autos mostram que o Ministério Público Federal simulou uma investigação sobre os cinco delegados e um agente da PF, em uma sindicância sobre a instalação do grampo. Agindo como uma organização criminosa, no entanto, o grupo “concluiu” que não houve qualquer irregularidade nem prática de crime — e pediu o arquivamento da investigação em 2018. Apenas o agente que instalou o grampo foi punido.

Dormindo com o inimigo

Os delegados Maurício Fanton e Alfredo Junqueira, esse da corregedoria da PF em Brasília, chegaram perto de desmascarar as manobras. Mas seus próprios subordinados, assim como aconteceu com os funcionários da 13ª Vara, sabotaram os trabalhos para proteger o esquema.

Foram abertos dois inquéritos (04/14 e 04/15), inconclusivos — para que os procuradores da República pudessem arquivá-los. No ano seguinte, a 13ª Vara Federal, já sob o comando do então juiz Luiz Antônio Bonat (hoje desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região), ratificou a farsa.

Os fatos acabam de vir à tona com a decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, de levantar o sigilo do HD que, finalmente, apareceu. O ministro deu ciência da trama e do HD ao Conselho Nacional de Justiça, à Procuradoria-Geral da República; à direção da Polícia Federal, Advocacia-Geral da União; Controladoria-Geral da União; ao Tribunal de Contas da União; Ministério da Justiça e à presidência do Senado — para providências necessárias.

A decisão também levanta o sigilo da petição (Pet 13.045) na qual a defesa de Youssef pediu a investigação da atuação do ex-juiz e hoje senador Sergio Moro (União-PR) — titular da 13ª Vara Federal de Curitiba em 2014 — na instalação do grampo. Sérgio Moro recebeu o HD logo depois das gravações, que duraram onze dias (de 17 a 28 de março de 2014). O material entrou para a história como certidão de nascimento do esquema engendrado em Curitiba.

Drible da Vaca

Os autos mostram que o Ministério Público Federal simulou uma investigação sobre os cinco delegados e um agente da PF, em uma sindicância sobre a instalação do grampo. Agindo como uma organização criminosa, no entanto, o grupo “concluiu” que não houve qualquer irregularidade nem prática de crime — e pediu o arquivamento da investigação em 2018. Apenas o agente que instalou o grampo foi punido.

No ano seguinte, a 13ª Vara Federal, já sob o comando do então juiz Luiz Antônio Bonat (hoje desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região), ratificou a farsa.

Segundo as apurações colacionadas aos autos na decisão de Toffoli, não há dúvidas quanto à tramoia engendrada para esconder o crime praticado na Superintendência da PF na capital paranaense em 2014, com uso de equipamentos pertencentes à União.

No ano passado, para impedir nova investigação pedida pela defesa de Alberto Youssef, determinada pelo juiz atual da 13ª, os delegados responderam que não obedeceriam a ordem. Em atitude curiosa, o delegado PF Márcio Anselmo ajuizou pedido de Habeas Corpus, representado pelo advogado Nelson Wilians.

Manobras ilegais

À época em que o grampo foi encontrado, Youssef ainda se recusava a colaborar com as investigações da “lava jato”. Na ocasião, a PF alegou que a escuta era antiga e estava desativada.

No início da autodenominada força-tarefa, o doleiro foi apontado como operador financeiro de um esquema de desvios na Petrobras. Ele foi condenado em diversas decisões, mas teve sua pena reduzida porque aceitou relatar sua participação nas irregularidades. Assim, tornou-se o delator mais importante da “lava jato”.

Advogados ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico afirmam que, após a instalação da escuta, todos os presos da “lava jato” eram encaminhados para a cela de Youssef. O objetivo era usar qualquer menção a pessoas ou empresas para justificar pedidos de busca e apreensão, quebra de sigilos ou prisões.

O criminalista Figueiredo Basto, que comanda a defesa de Alberto Youssef ao lado de Gustavo Flores e Giovana Menegolo, diz que as gravações violaram direitos dos presos.

“A escuta clandestina foi plantada pela PF na cela antes da chegada de Youssef. Obviamente, a intenção era burlar os direitos do presos, obter áudios das conversas e usá-los nas investigações contra eles. Todos os presos eram encaminhados para a mesma cela.

Na perícia da PF, está clara a captação de vozes de outros presos da ‘lava jato’. Os abusos foram muitos, desde a interceptação clandestina, ameaças de transferências para penitenciárias com piores condições, como fizeram com (o ex-diretor da Petrobras) Paulo Roberto Costa, e até a fraude de uma investigação por tráfico de drogas, usada para iludir o ministro Teori Zavascki.”

O advogado Eduardo Sanz também destaca o fato de que alvos eram presos para serem gravados a cela de Youssef (a Cela n° 5) para que os investigadores obtivessem informações. Ele também diz ser preciso apurar “a fundo” todas as ilegalidades que foram usadas para implicar, sem fundamento material, um grande número de vítimas.

Entre os presos da “lava jato” que foram gravados com a escuta na cela de Youssef estão Carlos Alberto Pereira da Costa, Carlos Alexandre de Souza Rocha, Nelma Kodama e André Catão, conforme laudo da PF.

Figueiredo Basto diz que a decisão de Toffoli é “histórica”. “Depois de dez anos de luta, conseguimos finalmente provar as ilegalidades e abusos cometidos nas entranhas da ‘lava jato’”. Segundo o advogado, a ordem do ministro do STF “demonstra a urgência de se deitar por terra toda a farsa engendrada pela relação incestuosa entre a força-tarefa e Sergio Moro”.

“A decisão é corajosa pois enfrenta uma matilha raivosa cujos uivos ecoam pelo Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal, gente egoísta com aspirações altruístas, que engendraram abusos com propósitos particulares. Esses são os verdadeiros sepulcros caídos, os tais doutores da lei, que batem no peito e gemem contra a corrupção, mas são piores do que os que acusam e condenam fora do devido processo legal. A decisão demonstra a urgência de se deitar por terra toda a farsa engendrada pela relação incestuosa entre a Força Tarefa e Sergio Moro”, afirma Figueiredo Basto.

“Durante anos manobraram a investigação, impedindo que a defesa tivesse acesso às fraudes que foram perpetradas para acobertar a escuta clandestina. A decisão do ministro Tofolli consagra as garantias individuais. E é uma advertência para o Estado, que não pode ter dentro de seus quadros pessoas que cometem abusos em nome de ideologias”, completa ele.

Histórico

Em 2023, o doleiro obteve provas do uso do grampo — incluindo os áudios do que foi ouvido ilegalmente pelos investigadores. Por isso, ele pediu a anulação de seu acordo de delação e de suas condenações.

Já em julho deste ano, o atual juiz substituto da 13ª Vara, Guilherme Roman Borges, liberou à defesa de Youssef o acesso ao conteúdo das escutas clandestinas e aos autos de sindicâncias que apuram a instalação ilegal dos grampos.

Na ocasião, o magistrado afirmou que o MPF estaria com a posse do material desde abril de 2017, quando retirou um HD externo da 13ª Vara contendo os áudios. Esse equipamento nunca teria sido devolvido e, desde então, nem a 13ª Vara teria acesso aos dados. Por isso, ele ordenou a restituição do HD.

Em seguida, o MPF alegou possuir apenas uma cópia do HD externo contendo os áudios das escutas clandestinas. De acordo com o órgão, o dispositivo original estaria na Secretaria da 13ª Vara.

A defesa de Youssef, então, descobriu que o HD estava escondido na 13ª Vara e que cerca de um terço do material foi excluído.

Os advogados do doleiro constataram que 26 dos 64 áudios gravados de forma clandestina foram apagados. A exclusão consta em perícia da própria PF. Um pen drive com informações também teve seu conteúdo totalmente excluído.

Quando era titular da 13ª Vara, o juiz Eduardo Appio também já havia oficiado a PF em Brasília por diversas vezes requisitando as gravações. Ele nunca foi informado sobre o fato de o HD estar na própria 13ª Vara, nem sobre a cópia que estava com o MPF.

Os próprios servidores mais antigos da vara afirmavam que o único HD com as informações estava com a PF, ao passo que a corporação e o MPF nunca enviaram o conteúdo das escutas. A verdade também foi omitida de outros juízes que passaram pela vara nos últimos anos.

Arquivamento

Em 2018, o MPF pediu o arquivamento de uma sindicância que apurava possíveis efeitos criminais aos delegados da PF de Curitiba com relação ao grampo instalado na cela de Youssef.

O parecer foi assinado pelos procuradores Januário Paludo e Antonio Carlos Welter. Ambos atuaram na “lava jato”.

Segundo eles, a existência dos áudios captados na cela era “extremamente duvidosa”. Para os procuradores, os áudios do doleiro poderiam ter sido feitos por celulares que Youssef teria em seu poder dentro da cela. Mais tarde, o próprio juiz Bonat descartou essa hipótese, por falta de provas.

O MPF ainda alegou que o aparelho encontrado na cela não seria funcional, pois não teria microfone externo capaz de captar áudios. O órgão pressupôs que o equipamento era antigo, já instalado antes da chegada do doleiro.

O próprio Youssef descobriu, arrancou e escondeu o equipamento sob seu colchão por quase duas semanas. Para despistar, Paludo e Welter, disseram que se ninguém percebeu que a escuta ficou inoperante durante esse período, é porque ela não foi determinada e nunca existiu — o que os áudios desmentem.

“Os delegados encarregados da operação ‘lava jato’ se mostraram extremamente competentes nas investigações. A operação foi extremamente planejada e detalhada, com interceptação telefônica, telemática e de dados antecipadamente requeridos e deferidos pelo Juízo. Não é crível que delegados experientes, de inopino, às vésperas da deflagração da prisão, decidissem implantar um sistema de captação nas celas sem autorização do Juízo”, diz o parecer, que hoje se constata ser mentiroso.

A pedido do MPF, um agente da PF, que confessou ter instalado a escuta na cela a mando da “lava jato”, foi perseguido e investigado por falsidade ideológica. Em 2017, o próprio MPF promoveu o arquivamento do inquérito policial, o que foi acolhido pela 23ª Vara Federal de Curitiba.

Na decisão que confirmou o arquivamento da sindicância quanto aos seus efeitos criminais, Bonat disse que, em 2008, outro juiz permitiu a instalação de uma escuta na carceragam da PF para acompanhar comunicações do então preso Fernandinho Beira-Mar.

Preocupação da ‘lava jato’

Como mostrou a ConJur em maio, integrantes da “lava jato” se mostraram, já em 2015, preocupados com a possibilidade de atos da autodenominada força-tarefa serem anulados após a revelação de métodos “pouco ortodoxos” adotados nas investigações.

Em conversas entre eles, os procuradores lavajatistas se referiram justamente às escutas encontradas por Youssef. Em um diálogo, eles torcem para que a perícia feita em um computador de delegados envolvidos no grampo não encontre nada.

Alberto Youssef falando em microfone, com expressão desconfiada, sem olhar para a câmera
O doleiro Alberto Youssef – Reprodução

“Sai na segunda a entrevista do Marco Aurélio (então ministro do STF, hoje aposentado) dizendo que as escutas podem anular a ‘lava jato’”, diz Deltan Dallagnol, chefe da “lava jato” de Curitiba, em um trecho do diálogo. A conversa é de 4 de julho de 2015 e é reproduzida em sua grafia original.

Em seguida, o coordenador da “lava jato” sugere se antecipar para que a tese de nulidade não ganhe corpo. A ideia era ouvir Youssef formalmente e pedir para o doleiro dizer que nunca foi confrontado com elementos obtidos nas escutas.

“O que acham de ouvir Y (Youssef) formalmente (…) preventivamente, antes que eles desenvolvam a tese de nulidade? Arriscado?”

Um procurador identificado como “Orlando”, possivelmente Orlando Martello, diz que não adiantava ouvir o doleiro, porque eventual nulidade decorreria das informações obtidas ilegalmente por meio da escuta clandestina. Em seguida, diz que o que resta é torcer para “não ter nada” no computador periciado.

“É melhor não mexer e torcer para não ter nada naquele computador. Apreenderam os computadores dos dps também!”, fala o procurador.

Deltan responde: “Ich… Tomara que não achem os vazamentos dos DPs kkkk”. Os diálogos não indicam de que tipo de vazamento os procuradores estão falando.

Na conversa, um procurador identificado apenas como “Diogo”, possivelmente Diogo Castor, afirma que eventual anulação da “lava jato” levaria a uma “revolução”.

“Quero ver ser macho para anular a ‘lava jato’. Se fizer isto vai ter revolução.”

“Quero ver ser macho pra devolver mais de R$ 500 milhões para réus confessos”, completa Deltan — referindo-se aos valores extorquidos de vítimas que tiveram de pagar por sua liberdade ou para que suas empresas não fossem à bancarrota.

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