Entenda o que é ‘jeitinho mineiro’ de fazer Queijo Minas Artesanal e os sabores agregados em cada região

queijo minas artesanal

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Feito apenas com leite cru, coalho, pingo e sal, Queijo Minas Artesanal tem mudança de sabor dependendo de características geográficas (Foto: Nelson de Almeida)

O “jeitinho mineiro” de fazer o Queijo Minas Artesanal (QMA) foi reconhecido recentemente como patrimônio imaterial da Unesco: uma conquista que vai mudar bastante a venda desse produto e até as possibilidades de turismo em Minas Gerais. Mas, por trás dessa conquista inédita para os produtores, há uma história de décadas que se manteve passando de geração em geração e depois acompanhando as mais recentes inovações tecnológicas no setor de laticínios, mesmo quando o queijo não podia ser comercializado para fora do estado e até chegou a ser proibido por lei, inclusive correndo o risco de desaparecer. Com base em apenas quatro ingredientes – o leite cru, coalho, pingo e sal – esse produto resistiu às proibições e conseguiu se manter fiel a técnica tricentenária. Do Queijo Minas Artesanal da Serra da Canastra ao da Serra do Ibitipoca, é sempre o mesmo modo de preparo que conquista gente do mundo inteiro – e que é tão importante para os mineiros.

O Queijo Minas Artesanal junta passado e presente em uma tradição que faz parte do dia a dia do mineiro e exige dos produtores cuidados durante 365 dias do ano. Para que esse produto chegue à mesa, acompanhado tradicionalmente por um cafezinho e até servido junto a doces, como goiabada, existe um processo de produção que segue sempre as mesmas etapas: obtenção do leite cru, adição do coalho e do pingo, coagulação do leite, corte da massa e mexedura, dessoragem e colocação da massa em formas, prensagem manual, salga e viragem do queijo, recolhimento do pingo, retirada da forma e acabamento e maturação ou cura. Vale lembrar que, atualmente, a garantia de qualidade é tanta que quem produz Queijo Minas Artesanal não pode produzir nenhum outro produto dentro da queijaria. 

Muita gente nem sabe o que é, mas é o pingo a parte mais importante dessa produção. O nome já vem do verbo pingar, porque o surge do soro do leite que se desprende do queijo e pinga em outro recipiente, durante o processo de produção. Conforme Ana Helena Machado explica, como consultora técnica de queijos, o pingo é um fermento lácteo natural desenvolvido ao longo do tempo e que traz ao queijo características microbiológicas específicas, condicionadas ao tipo de solo, clima e vegetação de cada lugar, responsável também pelo padrão de consistência, cor e sabor específico do produto. “O pingo é o que leva a história de cada fazenda. É a alma do queijo. É também por causa dele que, se você pegar um queijo feito da mesma forma e com os mesmos ingredientes de fazendas vizinhas, eles terão sabores diferentes”, explica. 

Outro processo importantíssimo nessa etapa é a cura do queijo. Ela acontece no sentido de fazer com que o produto vá atingindo sua forma mais saborosa. Ao mesmo tempo, tem o papel de curar o queijo das bactérias que poderiam ser transmitidas por conta do leite cru. “A maturação garante a segurança alimentar do produto. Durante esse processo, as bactérias que estão no pingo combatem as bactérias patogênicas que podem estar no queijo, já que elas têm o poder maior de proliferação”, explica Ana Helena. O tempo mínimo de cura de cada queijo depende inclusive da região, e pode variar de 12 até 30 dias.

O queijo e a história de Minas Gerais

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O Queijo Minas Artesanal feito por Vanderlino Moreira é exemplo dessa tradição (Foto: Nelson de Almeida)

A produção do queijo Minas artesanal está totalmente ligada à história de Minas Gerais. O produto começou a ser feito nas fazendas na busca por um alimento que resistisse ao dia todo e que pudesse ser transportado. Naquela época – e ainda hoje – a produção de laticínios no estado era muito grande, e fazer o queijo seria uma solução para aproveitar bem a produção leiteira. Mas em 1950, quando ocorreu um caso de intoxicação, o produto chegou a ser totalmente proibido, já que os laticínios não-pasteurizados não podiam mais ser comercializados. O objetivo era garantir uma produção com padrões sanitários muito exigentes, que não correspondiam com o modo de fazer até então da maioria das fazendas, que eram de pequenos produtores. Com isso, a legislação acabou fazendo com que a produção industrial fosse beneficiada.

Muitos anos depois, no entanto, essa legislação foi avançando e passou a reconhecer a importância desse modo de fazer, entendendo também quais características fazem com que o QMA possa ser consumido sem qualquer tipo de risco. Apenas em 2018 a comercialização foi totalmente regulamentada e atualmente os produtores podem transportar o queijo sem problemas – e inclusive ganham prêmios fora do Brasil pelo gosto que carregam.

São dez regiões identificadas pelo Instituto Mineiro de Agropecuária como Produtoras do Queijo Minas Artesanal e que são diferenciadas de acordo com as características que fazem com que o produto tenha os sabores e texturas que carrega. Embora o modo de fazer tenha permanecido o mesmo, o gosto vai se alterando de acordo com cada local em que o queijo é feito.

A Tribuna foi convidada pela Secretaria de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult-MG) para um tour pelas microrregiões do Cerrado, Serra do Salitre e Araxá, podendo conferir de perto fazendas produtoras do queijo e entender esse processo de produção, comercialização e a própria importância dessa forma de produção artesanal para as cidades de Minas Gerais. Essa é a primeira matéria de uma série que se volta para esse assunto e que conta as histórias dos indivíduos que se dedicam a essa atividade.

Queijo Minas Artesanal do Cerrado

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Pingo é o principal responsável por diferença entre os sabores de Queijo Minas Artesanal (Foto: Nelson de Almeida)

A microrregião do Cerrado abarca municípios como Patrocínio, Carmo do Paranaíba e Patos de Minas. Nesses locais, os queijos artesanais tendem a apresentar como característica uma massa mais firme, com casca pouco untuosa e baixa acidez. Por lá, o tempo mínimo de maturação é de 22 dias, prazo que pode se estender para que o queijo tenha o sabor mais acentuado. Uma das queijarias visitadas foi a Eudes Braga que, com 9 hectares, consegue obter quase 13 mil litros de leite cru por dia. Por lá, o processo é bastante tecnológico, fazendo com que a produção também seja otimizada: são 200 vacas holandesas capazes de produzir essa quantidade de leite que mais tarde vira o queijo. 

A história dessa queijaria começou em 2004, quando Eudes Braga, que já era vendedor de queijo de outros produtores, inclusive em Belo Horizonte, resolveu empreender para fazer um produto cuja qualidade ele conseguisse garantir. A sua fazenda, em Carmo do Paranaíba, atualmente também exporta a genética das vacas, que conseguem altas quantidades de leite e já são de confiabilidade. “Ele sempre foi um empreendedor visionário. Conseguimos otimizar o espaço, mantendo o bem-estar das vacas e garantindo a saúde delas”, explica Iago Silva, atual gestor de produção da fazenda. Entre os produtos, há o queijo minas artesanal fresco (com coloração mais clara e sabor suave), o maturado (amarelado) e o “black”, maturado a partir de uma película preta, para que o queijo tenha menos umidade.

Queijo Minas Artesanal da Serra do Salitre

Já na Serra do Salitre, os queijos costumam ter a característica de massa compacta, baixa acidez e aromas frutados quando bem maturados. Por lá, o tempo mínimo de maturação é de 17 dias. A queijaria Reis Moreira é um dos exemplos mais antigos do local, já que o queijo é um negócio familiar há pelo menos seis gerações. Vanderlino Moreira aprendeu a fazer queijo com o pai e foi ensinando para a toda família, que produz agora peças frescas, maturadas (uma delas com vinho, e que vende especialmente bem no Natal), resinadas, temperadas e ainda o queijo bolinha, invenção de sua mulher, Geralda Moreira, que usa do produto artesanal para criar uma espécie do salgado bolinha de queijo – no entanto, com bem menos farinha e que é praticamente apenas o recheio.

Vanderlino é um dos exemplos de quem, com o tempo, foi se adequando às normas de segurança, enquanto mantinha a tradição já antiga em sua família, e que continua sendo a fonte de renda para as próximas gerações – que também já vão se interessando pelo queijo. Com essa variedade, ele entende que a fazenda dele produz um queijo que também tem as características próprias, ainda mais pelas vacas “girolanda” ficarem soltas. “A nossa produção é pequena, temos que adaptar. Tem hora que a gente consegue tratar melhor do gado, tem hora que não. Também tivemos uma seca muito brava na região, com seis meses sem um pingo de água. O trem ficou feio, caiu muito a produção. Mas hoje produzimos mais ou menos 120 litros por dia”, diz.

Queijo Minas Artesanal de Araxá

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“O pingo é o que leva a história de cada fazenda, é a alma do queijo. É também por causa dele que, se você pegar um queijo feito da mesma forma e com os mesmos ingredientes de fazendas vizinhas, eles terão sabores diferentes”, explica Ana Helena Machado (Foto: Nelson de Almeida)

Já em Araxá, o queijo tem no mínimo 14 dias de maturação e conta com uma massa compacta, casca firme e untuosidade leve. A acidez é baixa, mas sempre pode ser notada no paladar. É o caso por exemplo, do Queijos Fazenda Taquaral, feito em Sacramento e já premiado com o International Cheese Awards. O local era produtor de gado de corte, mas em 2020, com a pandemia, José Artur (conhecido como Kiko), José Américo e Maria Flávia (Tata) resolveram investir nesse sonho antigo, e então passaram a produzir queijo.

Atualmente, a fazenda tem 350 vacas que produzem leite todos os dias, e conta com um processo todo que visa a sustentabilidade. Lá os proprietários chegam a vender queijos maturados por mais de um ano, e continuam investindo em maquinário para produzir suas peças. “A família já era apaixonada por queijo. Fomos criando a estrutura e nos profissionalizando. A fazenda foi criando corpo também”, conta Kiko.

QMA de outras regiões

Além das regiões visitadas pela Tribuna, também é possível perceber características marcantes nos queijos produzidos nos outros municípios reunidos, conforme pode ser visto abaixo. O breve resumo tem como base informações do próprio Governo de Minas Gerais.

  • Canastra: Talvez o mais famoso queijo entre os de todas as microrregiões e também o mais premiado, esse queijo só é feito na Serra do Canastra. Não é possível, por exemplo, falar em “Queijo Canastra de Araxá”. Sua característica é a massa compacta, com baixa acidez e bastante untuosidade. Ele tem sabor forte e pode ser adocicado, quando apresenta olhaduras por bactérias.
  • Serro: A acidez é uma característica forte dessa microrregião. As peças costumam ter  interior macio, mas a casca é firme – ainda mais conforme o tempo de maturação. É comum apresentar olhaduras internas e ter um aroma floral.
  • Triângulo Mineiro: Esse queijo é produzido em municípios como Uberlândia, Araguari e Indianópolis, entre outros, e tem como característica uma massa compacta e que, quando maturada, possui casca firme. Também tem moderada acidez, no paladar e no aroma. 
  • Serras do Ibitipoca: O mais próximo de Juiz de Fora e que inclusive traz um distrito da cidade entre os produtores, a característica desse queijo é a menor expressão aromática, com massa firme e presença de olhaduras. A baixa untuosidade é quase sempre presente. 
  • Diamantina: Os queijos possuem média acidez e massa que se desmancha com facilidade, apesar de casca firme. O sabor costuma ser suave e pode apresentar aroma floral distante quando maturado. 
  • Entre Serras da Piedade ao Caraça: quase sempre com bastante olhaduras, apresenta acidez bem expressiva, casca pouco untuosa. O aroma às vezes é bastante vegetal, tendendo para um floral quando a maturação é completa.
  • Campo das Vertentes: No Campo das Vertentes, o queijo é de massa compacta e pode apresentar olhaduras diversas. Tem acidez média e quase sempre apresenta aroma vegetal.

*A repórter viajou a convite da Secult-MG

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