Com Brasil rumo à “dominância fiscal”, ainda há alternativas no mercado de ações?

Bandeira do Brasil

Ainda que com alguns pregões de alívio, o ano caminha para o seu encerramento de forma melancólica para o Ibovespa, com queda de cerca de 8%, o dólar chegou a bater os R$ 6,20, enquanto há sinais de pressão e maior pessimismo para 2025.

O Morgan Stanley, que recentemente reduziu a exposição do Brasil dentro de América Latina para underweight (exposição abaixo da média, equivalente à venda), destacou que as ações estão sob pressão com o aumento do risco de dominância fiscal e com expectativa mais negativa para os lucros, levando os estrategistas a passarem um novo pente fino sobre os impactos para a alavancagem financeira e operacional no Brasil. Por sinal, o tema “dominância fiscal” tem ganhado cada vez mais destaque entre os investidores.

A dominância fiscal é caracterizada por uma perda de eficácia da política monetária em cenário de desarranjo das contas públicas. Em ambiente desse tipo, uma alta nos juros básicos pelo BC para domar os preços eleva o gasto do governo com pagamento de juros da dívida pública e aumenta o problema fiscal a ponto de deteriorar expectativas de mercado, afetando condições financeiras, o que acaba por pressionar ainda mais a inflação.

As taxas mais altas podem levar a um aumento de risco do ciclo financeiro e expulsar capitais. Elas também aumentam os riscos do ciclo operacional das companhias, aponta.

A curva de juros agora precifica a Selic a 16,7% e o real continua se enfraquecendo. Neste cenário, no mercado de ações, o Morgan vê que os setores de transporte, educação, empresas do setor de saúde e cíclicos de consumo selecionados lideram a lista de empresas com alta alavancagem operacional e financeira.

O setor de serviços públicos tem um alto nível de dívida, mas também um modelo de negócios operacional mais estável.

O Morgan recomenda que os investidores fiquem de olho na alavancagem no Brasil e explorem modelos operacionais e alavancagem financeira, pois o risco está aumentando.

“Os formuladores de políticas brasileiros estão presos em um desafio de [des]confiança fiscal que pode levar o Brasil a caminhar sonâmbulo em direção ao cenário de dominância fiscal. As eleições estão a dois anos de distância e os pagamentos de altos juros como proporção do PIB podem continuar a aumentar, exigindo um ajuste fiscal maior para reequilibrar. Isso pode testar a estrutura política do país em 2025, incluindo o banco central independente do Brasil”, avaliam os estrategistas.

Para se proteger neste cenário, o Morgan Stanley ressalta a aposta no “Texas Trade”, que une petróleo, agricultura e tecnologia. “Favorecemos a agricultura e a energia no Brasil. A história das exportações brasileiras é forte, enquanto vemos riscos para o consumidor e ações cíclicas domésticas devido a problemas fiscais. Exportadores são menos sensíveis a taxas locais, mais sensíveis a taxas globais e vemos menos pontos de interrogação relativos ao ciclo de crescimento dada a demanda externa”, apontam os estrategistas.

Selic a 15%? Há alternativas no mercado de ações?

Na última reunião do ano, o Copom (Comitê de Política Monetária) acelerou o ritmo do aperto da política monetária na quarta-feira, subindo a Selic de 11,25 para 12,25% e indicando que a taxa básica de juros deve chegar a 14,25% no segundo encontro do próximo ano, em março, o que seria o maior patamar desde outubro de 2016. Analistas viram essa decisão como uma materialização da mensagem recente das autoridades de que realmente estão perseguindo o centro da meta de inflação de 3% e uma resposta à piora nas projeções do mercado para a inflação e à desvalorização acentuada do real.

Neste cenário, o Itaú passou a ver uma taxa Selic ao fim do ciclo de alta a 15%. “Esperamos que a Selic termine o ciclo em 15,00% ao ano, com dois aumentos adicionais de 100 pontos-base (p.b.) e um final de 75 p.b., na reunião de maio de 2025”, apontaram os economistas em relatório recente.

Já em relatório de estratégia, os analistas do Itaú BBA veem diversos impactos com a Selic neste patamar.

O banco vê que a Selic mais alta possa ter um impacto negativo nas empresas de sua cobertura 3,1% nos lucros de 2025. Os setores com maior impacto nos lucros em 2025 seriam Transporte, Educação, Consumo e Serviços Públicos. Os setores com menor impacto nos lucros em 2025 seriam o Financeiro (Seguros principalmente), Construtoras, Aço e Mineração, Celulose e Papel, Bens de Capital e Petróleo e Gás, setores que concentram a maioria dos exportadores.

O banco também destaca as 5 ações recomendadas para o cenário que vem se desenhando. São elas: Caixa Seguridade (CXSE3, com potencial de alta dos lucros com a Selic mais alta, dividend yield, ou dividendo em relação ao preço, de dois dígitos e negócios resilientes); Grupo Mateus (GMAT3, benefícios de inflação de alimentos mais alta, história de crescimento resiliente com baixa alavancagem); WEG (WEGE3, forte momentum de lucros, alta qualidade, empresa de caixa líquido); JBS (JBSS3, que ganha com a alta do dólar, tendo fluxo de caixa livre frente sua capitalização de mercado de dois dígitos); e CPFL (CPFE3, receitas vinculadas à inflação, dividend yield de dois dígitos e TIR, ou Taxa Interna de Retorno, real acima de 10%).

Na visão do BTG Pactual, ao analisar a situação do Brasil para o ano que vem, os investidores devem adotar para sobreviver ao cenário desfavorável. O aumento da dívida pública deve continuar pressionando juros e inflação para cima, o que tira do horizonte uma recuperação da Bolsa.

Para a instituição financeira, a única forma de os preços dos ativos estabilizarem ou melhorarem seria o Governo implementar mudanças estruturais no Orçamento, o que “parece altamente improvável”. Segundo o banco, “o ritmo insustentável de deterioração da dívida é evidente para todos”.

As medidas fiscais anunciadas no final de novembro para reduzir o ritmo de crescimento dos gastos foram, de acordo com os analistas, “decepcionantes e indicam que o governo fará o mínimo necessário para cumprir o quadro fiscal em 2025 e 2026.” No ano que vem, o banco projeta que a taxa básica de juros Selic deve chegar a 14,75% ao ano, o maior nível desde 2006. A inflação também deve ficar em 5,5%, acima da meta de 3%.

O banco também ressalta que esse combo de perspectivas ruins trará efeitos negativos sobre as empresas da Bolsa, principalmente aquelas muito ligadas à economia doméstica. Para sobreviver a essa conjuntura, a recomendação é apostar em um portfólio mais defensivo. 

Isto é, com companhias com receitas em dólar e menos relacionadas ao mercado interno, como exportadoras, e também aquelas que são historicamente boas pagadoras de dividendos. Na outra ponta, é recomendado que os investidores reduzam posições em players cíclicos e mais alavancados. Recentemente, por exemplo, o banco aumentou a exposição ao dólar por meio de companhias como as produtoras de celulose e papel Suzano (SUZB3) e Klabin (KLBN11), além de exportadoras como WEG (WEGE3) e a fabricante de aviões Embraer (EMBR3). Grande pagadora de dividendos e com preços baseados no mercado internacional, a Petrobras (PETR4) também está no portfólio do BTG como uma das principais ações para enfrentar 2025.

Pessimismo local

Neste cenário, o investidor local tem mostrado pessimismo. Em meio a preocupações com política fiscal no Brasil, deterioração do cenário doméstico interno e queda do Ibovespa, o apetite dos investidores por produtos de renda variável caiu para o menor nível do ano, mostra pesquisa com assessores da XP, divulgada nesta semana. Por outro lado, o interesse por ativos locais de renda fixa aumentou na comparação com novembro, bem como o desejo por investimentos internacionais e criptomoedas

Na visão do Bradesco BBI, a visão recente dos locais tem sido bem mais pessimista do que da última vez que tiveram encontros com esses investidores. Os estrategistas também veem que uma onda de rebaixamento de lucros está chegando à medida que os analistas veem um real mais fraco e da taxa de juros mais alta, enquanto o debate de (sub)avaliação está longe de ser claro.

Apesar de verem uma tese notavelmente doméstica para os ativos brasileiros, o banco vê perspectiva de que o cenário possa melhorar com o auxílio do exterior, com estímulo da China e um real mais fraco tornando as exportadoras mais atrativas – caso de Suzano e JBS.

O Bradesco BBI está neutro em ações brasileiras, focando em exportadoras (dado o real fraco), bancos (com taxas de juros mais altas por mais tempo) e ações selecionadas focadas no consumidor doméstico (dada a relativa resiliência do consumidor). Os estrategistas veem como principais catalisadores positivos do mercado potenciais cortes nas taxas de juros e um início antecipado do ciclo eleitoral de 2026, mas não veem esses fatores como prováveis ​​até a segunda metade de 2025. Ou seja, até lá, os estrategistas veem um cenário cauteloso para o Brasil, mas ainda veem boas opções na Bolsa.

(com Reuters e Estadão Conteúdo)

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