Estudante com diabetes recorre à Justiça para prestar vestibulares com equipamento próprio

Estudante com diabetes recorre à Justiça para prestar vestibulares

Estudante com diabetes recorre à Justiça para prestar vestibulares
(Foto: Arquivo pessoal)

Um adolescente de 16 anos, que preferiu não ter a identidade divulgada, passou por dificuldades para prestar vestibulares este ano. Por conta de condições que envolvem o diagnóstico de diabetes, sua família precisou recorrer à Justiça para que ele conseguisse fazer as provas, em condições normais, do Programa de Avaliação Seriada (Pases), da Universidade Federal de Viçosa (UFV), e do Programa de Ingresso Seletivo Misto (Pism), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

O jovem utiliza um sensor acoplado ao braço e, por meio do celular, um aplicativo envia gráficos e setas que informam a tendência da glicemia – de subida ou descida. Entretanto, à Tribuna, a mãe do estudante conta que o equipamento não precisa de internet: pode ser ligado no modo avião, já que funciona via Bluetooth.

Mesmo assim, a utilização do celular foi negada pela UFV, que, segundo a mãe, teria alegado que o candidato poderia colar durante a realização da prova. A família entrou com liminar, que foi deferida dias antes da prova. Já na UFJF, a argumentação, ainda de acordo com a mãe, teria sido que o apito sonoro emitido pelo alarme iria incomodar os demais. A liminar que derrubou a recusa saiu no fim da tarde do dia anterior à prova – menos de 24 horas antes da realização.

“É um sofrimento. Parece simples, mas não é. Foram dois mandados de segurança impetrados em menos de dez dias, as liminares foram deferidas na véspera da prova. Até então, não tínhamos certeza de que ele poderia utilizar o sensor de monitoramento – o que gera uma angústia. O sensor previne crises de hipoglicemia e de hiperglicemia, e, no primeiro caso, por exemplo, a capacidade cognitiva dele é afetada: fica com sono, desatenção e pode ter até convulsão e óbito. Como você vai deixar a capacidade cognitiva de um ser humano afetada justamente durante uma prova, ainda mais uma que requer tanta preparação, como o vestibular, e com tanta concorrência?”, questiona a mãe, que também é advogada.

Além disso, a mãe acrescenta um ponto: no caso de utilizar o celular para cola, foi explicado que o aparelho não precisaria ficar com o adolescente, poderia ficar com o examinador, em um envelope fechado. O sistema apita com variações, para avisar e possibilitar que a pessoa tome as providências antes que a capacidade cognitiva seja afetada, prevenindo crises.

“O alarme é muito menor do que uma buzina de carros, que passam fora da sala de prova com frequência. Que inclusão social é essa? Então meu filho pode passar mal para que os outros não escutem um ‘bip’? Coloquem ele em sala sozinho, pensem em uma estratégia. Mas excluir? A pessoa já sofre com uma deficiência e apenas quer o direito de disputar com igualdade de oportunidades com os demais candidatos. Aquilo é o pâncreas artificial dele, já que o do corpo não funciona. Para cumprir sua função, precisa da tecnologia. Muitos no país não possuem, infelizmente. Ele tem condições de ter, mas deveria ser para todos que precisam. É injusto.”

Monitoramento contínuo

O monitoramento da glicemia é contínuo, durante todos os dias. Segundo a mãe, “sem folga, sem férias e sem recesso”. “Ele toma 180 decisões por dia: faz um cálculo matemático com a quantidade de carboidrato nos pratos de comida e aplica insulina necessária, com base na contagem antes de todas as refeições. Negar o uso do sensor é muito retrógrado. Ele pode furar a ponta do dedo e calcular a glicemia, mas isso reflete só a situação momentânea. O sensor monitora continuamente, mostrando tendências, gráficos.”

Ainda em tom crítico, ela questiona se, a cada concurso que seu filho se inscrever, vai ser necessário entrar com mandado de segurança. “O Pism e o Pases possuem três etapas, tem o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) posteriormente, além de outros na vida. Conhecemos pessoas que passaram por isso, ficaram em silêncio, fizeram uma péssima prova e perderam oportunidades. Pessoas inteligentes e qualificadas, que podem ter perdido uma vaga por não questionarem seus direitos”, lamenta.

Após o caso de um adolescente expulso pelo alarme que tocou, em um momento em que tanto a UFV como a UFJF já tinham confirmado atendimento especial ao filho como PcD, a mãe afirma que se deu conta da questão do alarme do sensor. “Entrei em contato com as universidades e indeferiram o uso do sensor. Ou seja, meu filho poderia ter entrado para a prova, o alarme tocaria e ele seria expulso.”

“Há uma ignorância da sociedade com as deficiências. As pessoas não querem incluir, porque esse discurso dá trabalho. Preferem excluir. Se a ideia fosse incluir, existem várias possibilidades: colocar em uma sala sozinho, em um local menor. Incluir requer que a cabeça pense em alternativas e possibilidades”, destaca.

Universidades se posicionam

A Tribuna procurou as duas universidades citadas. A UFV informou que “sempre segue o que determina a lei, buscando sempre atender às necessidades dos candidatos, dentro das possibilidades, sem infringir nenhuma lei, inclusive no que diz respeito ao atendimento aos candidatos com necessidades especiais” em todos os seus processos seletivos.

Em nota, informou que a realização do Pases na UFV é feita pelo Cebraspe e que, portanto, “o pedido foi enviado para o Cebraspe que, conforme a legislação, orientou que o candidato poderia, sim, usar o aparelho medidor da glicose, mas não o celular utilizado para dar o alerta, uma vez que existem outros dispositivos de alerta disponíveis. A família, então, entrou novamente com recurso judicial, e o Cebraspe atendeu toda a demanda, inclusive com uso do celular e dilação do prazo da prova”. Segundo a instituição, a demanda da família “foi totalmente atendida, e o estudante fez a prova, inclusive, com dilação de prazo”.

Também demandada, a UFJF, por meio de sua assessoria, destacou que “foram rigorosamente observados os laudos e documentos apresentados, com o objetivo de garantir a acessibilidade e a isonomia durante todo o processo”. No caso do jovem, a instituição alega que o uso do sensor foi permitido e apenas o uso do celular para a obtenção dos dados foi vetado, conforme o edital do processo seletivo determina. A UFJF afirma que, após a decisão judicial, “foram acatadas as medidas para que o candidato mencionado fosse devidamente atendido, realizando a prova”. A entidade também reafirma o “seu compromisso com a inclusão e assegura que estará permanentemente atenta às necessidades apresentadas pelos candidatos, sem desfocar as normas que regem o processo seletivo”.

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Diabetes tipo 1

O candidato tem a diabetes, mas não do tipo mais conhecido popularmente. A condição do jovem é a Mellitus do tipo 1: uma doença autoimune em que o paciente tem anticorpos contra as células beta-pancreáticas – que produzem insulina. Geralmente ocorre em pacientes jovens, com menos de 35 anos, segundo Christianne Leal, endocrinologista e professora do Departamento de Clínica Médica da UFJF.

“Há a necessidade do uso de insulina desde o diagnóstico. A diabetes mellitus do tipo 2 é uma doença prevalente – cerca de 10% da população brasileira – e multifatorial: poligênica e o fator ambiental é muito importante. Os grandes fatores de risco são obesidade, sedentarismo, ingesta de álcool, tabagismo e alimentação rica em ultraprocessados, causando a resistência à ação da insulina.”

No caso do adolescente, o diabético pode oscilar as glicemias durante o dia tanto para baixo (hipoglicemia) quanto para cima (hiperglicemia), o que pode provocar sintomas como mal estar, dor de cabeça e diminuição da capacidade de concentração. “Tem paciente que vive com diabetes e perde a capacidade de sentir os sintomas da hipoglicemia, o que pode ser perigoso, pois quando o paciente tem sintomas já pode ser uma hipoglicemia grave, inclusive com crise convulsiva”, explica a médica.

Levando em conta a situação envolvida, de uma prova longa de vestibular, a alimentação comprometida pode contribuir, de acordo com Christianne. “O estresse e a ansiedade podem contribuir para uma hiperglicemia. O monitor contínuo de glicose que ele usa tem alarme para mostrar quando a glicemia está subindo ou descendo, mas é necessário que o celular esteja a até três metros do paciente.”

*sob supervisão da editora Fabíola Costa

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