Impulso Filmes produz documentário sobre o grupo Brasiliana, que ‘apresentou o Brasil ao mundo’

Brasiliana

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“Brasiliana: o musical negro que apresentou o Brasil ao mundo” precisou de 13 anos para ser produzido e, finalmente, estrear no Canal Curta! (Foto: Reprodução)

“A maior embaixada artística que já deixou o Brasil, volta, quatro anos depois, coberta de glórias – ‘tournée’ por 25 países, visitando 250 cidades”, escreveu o Diário da Noite, em 1955, sobre um dos maiores expoentes da cultura brasileira do século XX que você, provavelmente, nunca ouviu falar: o grupo de Teatro Folclórico Brasileiro, ou, como ficou posteriormente conhecida, a Brasiliana.

O ano é 1950: Getúlio Vargas ainda não foi eleito, a TV Tupi não foi fundada e o Maracanazo ainda não assombrava o país. Entre os dias 25 e 29 de janeiro, ali, no Teatro Ginástico, no Centro do  Rio de Janeiro, aconteceram as primeiras apresentações da companhia de teatro que, anos mais tarde, arrebataria uma plateia com Elizabeth Taylor, Richard Burton, Marlon Brando, Johnny Hallyday e os Beatles, em evento da Unicef de 1967. 

No total, durante seus quase 25 anos de atividades, foram muitos os marcos: participação na gravação do filme italiano “Ci troviamo in galleria”, estrelado por Sophia Loren; representação do Brasil na abertura na Copa do Mundo de 1947, na Alemanha; apresentações em mais de 90 países; além de ter sido casa de alguns dos maiores artistas brasileiros do período, como o ator Haroldo Costa, o maestro José Prates, a atriz Watusi, entre outros. Tudo isso valorizando o protagonismo de artistas negros para um público mais amplo.

Toda essa história, por anos relegada na historiografia, é contada no documentário “Brasiliana: o musical negro que apresentou o Brasil ao mundo”, produzido pela Impulso Filmes – produtora juiz-forana de audiovisual – para o canal Curta!, com a direção de Joel Zito Araújo. O filme é fruto de mais de 13 anos de pesquisa do jornalista e pesquisador musical Itamar Dantas, que considera “que Brasiliana ajudou a moldar um esteriótipo de Brasil no exterior”. 

Conheça a história da Brasiliana

De acordo com os pesquisadores Matthias Assunção e Juliana Pereira, foi no terreiro de Joãozinho da Goméia, em Duque de Caxias, que Haroldo Costa encontrou “um  gringo alto” e o chamou para “assistir um ensaio”. O “gringo alto” era Miécio Askanasy, empresário polonês que encontrou refúgio no Brasil durante o Holocausto. Já Haroldo, futuramente um dos maiores atores do país, naquele momento era um dissidente do Teatro do Negro, que buscava novas formas de representar manifestações populares afro-brasileiras nos palcos.  

Desse encontro, surgiu o Teatro Folclórico Brasileiro. Seus ensaios já chamavam atenção de figuras como do ator, diplomata e escritor, Paschoal Carlos Magno, que disse na época: “É uma iniciativa que se deve a um grupo de entusiastas das coisas brasileiras e que entende ser urgentemente necessário salvar do esquecimento o nosso patrimônio popular de música, festa e danças”.

Após a estreia do espetáculo, em janeiro de 1950, o grupo foi convidado para realizar apresentações em São Paulo, no fim do mesmo ano. “Ali conseguimos a nossa maioridade artística”, comenta em sua biografia Miécio. De lá, foi um pulo para decolar voo e viajar pelo mundo.  

Durante seus 23 anos de atividade (entre 1950 e 1973), a Brasiliana, mesmo com diferentes fases e composições, buscou mesclar manifestações culturais tais como o candomblé, a macumba, o maracatu e a capoeira. Sonoramente, ritmos afro-brasileiros – como o samba – uniam-se aos sintetizadores; e na dança, a energia do carnaval transbordava até a ponta do pé do balé russo, desenvolvendo cada vez mais o “balé brasileiro” e o “espetáculo folclórico”. 

Brasiliana
(Foto: Reprodução)

Importância histórica

Com imagens de arquivo inéditas e outras recuperadas em acervos de diversos países europeus, o documentário resgata a trajetória da Brasiliana. Antes da Bossa Nova e do Cinema Novo, o grupo de dançarinos e dançarinas negras foi um dos principais expoentes na construção “de um certo imaginário sobre os brasileiros, sobre nossa alegria contagiante, nossa afetividade, nossa sensualidade e o ritmo empolgante de nossa música popular”, enquanto contava “a história do negro no Brasil, desde os navios negreiros até a força do carnaval”, como conta o diretor do filme, Joel Zito. 

O sócio da Impulso Filmes e montador do documentário, Daniel Couto, explica que no Brasil são poucos os registros sobre a Brasiliana, sendo a sua maioria notícias de jornais esparsas sobre algumas apresentações. Este “apagamento da história da companhia”, como define, é um dos pontos levantados pelo documentário. 

“Foi uma surpresa ver que o material lá fora está melhor preservado que aqui. O espetáculo aconteceu durante o período da ditadura militar, feito, majoritariamente, por pessoas negras. Isso contribuiu para um certo apagamento ao longo dos anos. (O espetáculo) foi julgado como uma cultura menor, também por ser teatro folclórico, que levava as manifestações afro-brasileiras para o palco. Houve uma falta de apoio estatal durante este período. Vários relatos vão nesse sentido”, afirma. 

O diretor do filme, Joel Zito, acrescenta: “A elite brasileira, mesmo antes da ditadura militar, já buscava esconder a população negra brasileira, em suas tentativas de ‘vender’ o Brasil culturalmente no exterior. Eles sempre tiveram vergonha do Brasil real, de nossa verdadeira composição racial em que, na maioria, somos negros e indígenas”. 

Traça ainda um paralelo entre com o que ocorreu com o filme “Orfeu negro”, co-produção brasileira, italiana e francesa, que quase não entrou no Festival de Cannes em 1959, devido a Embaixada Brasileira. “A Embaixada negou-se a fazer isso porque dizia que o Orfeu Negro apresentava um país irreal, composto em sua maioria por negros, conforme denunciou Vinícius de Moraes no Pasquim, anos depois. Portanto, fatos relevantes como esse e outros, como a falta de repercussão nas carreiras das grandes atrizes negras Ruth de Souza e Léa Garcia, por serem as primeiras brasileiras a disputar os prêmios de melhor atriz nos mais importantes festivais do período (Ruth em Veneza, 1954, e Léa em Cannes no ano de 1959), são também sintomas dessa doença de nossa elites repetidas depois pela ditadura militar. Não me surpreende que o sucesso de Brasiliana tenha sido praticamente ignorado no período”.

Entre essas retas que não se cruzam, Daniel comenta que algo que foi levado em conta em respeito a própria história da Brasiliana, na hora de fazer o documentário: foi a de “montar uma equipe plural, convidando o Joel Zito para dirigir (que é o maior especialista em cultura negra do nosso cinema) e tentamos refletir isso na equipe de produção, trabalhando com profissionais de diferentes gêneros e raças”.

Dificuldades de realização filme

Se é possível traçar paralelos entre “Orfeu negro” e a companhia para o diretor do filme, o sócio da Impulso Filmes enxerga correlações entre os momentos históricos em que o documentário e os espetáculos foram produzidos. 

De acordo com Daniel, o projeto ficou mesmo estando aprovado em um edital da Agência Nacional de Cinema (Ancine) que garantiria recursos para sua realização. “O governo federal anterior odiava cultura. Via como sendo coisa de ‘vagabundo’. Isso também aconteceu com a Brasiliana, claro, nas devidas proporções de cada período. A companhia teve seu auge em um momento em que o Brasil estava se encaminhando para um regime de exceção, em que não era uma política de estado divulgar a cultura afro-brasileira”. 

Quando finalmente receberam a verba para o documentário (ao final de 2022), não havia orçamento suficiente para compra de imagens de arquivo das emissoras europeias, devido à flutuação cambial. A burocracia (e a aflição da equipe) seguiu até que Joel, juntamente aos produtores executivos, Érida Santos Ferreira e Nuno Godolphim, recorreram ao Itaú Cultural para patrocinar o filme por meio da Lei do Audiovisual (que possibilita que empresas deduzam até 1% dos impostos para financiar projetos audiovisuais).  

Devido a essa e outras várias histórias, Daniel acredita que fazer cinema no Brasil é “a arte da paciência”. A ausência de cabelos na cabeça, ao melhor estilo monge budista, pode ser um sinal de que a filosofia para fazer um filme se assemelhe a de vida, pois, em seguida, Daniel, meditativo, acrescenta: “Torcemos para que o município possa avançar no sentido de enxergar as produções audiovisuais realizadas na cidade, para além da simples promoção à cultura. É preciso, também, entender o audiovisual como uma cadeia produtiva que faz parte da economia criativa. A partir do momento em que se cria políticas com esse foco, os setores envolvidos direta e indiretamente com o fazer cinematográfico se aquece e as produções da cidade ganham mais relevância. Acreditar em produções de maior orçamento é pensar o cinema para além do produto filme. É pensar na remuneração adequada de toda classe, é acreditar que a cidade pode contribuir no desenvolvimento de projetos sólidos e aptos a buscar mais recursos para a cidade. A criação de uma comissão de cinema, que incentive produções de outras cidades e estados a filmarem em Juiz de Fora,(semelhante ao que aconteceu em Cataguases, por exemplo) também pode ser um caminho”.

O filme

“Brasiliana: o musical negro que apresentou o Brasil ao mundo” estreiou no festival 34ª edição do Cine Ceará, onde foi premiado com a melhor trilha sonora. Além disso, o filme foi exibido no Festival de Cinema de Brasília. No ano que vem seguirá no circuito de festivais e chegará no segundo semestre de 2025 no canal Curta!. Conheça o Instagram do filme clicando aqui

*Estagiário sob supervisão da editora Cecília Itaborahy

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