Tarcísio perde o controle: alta na violência policial em São Paulo reflete autonomia ideológica da PM

Violência policial em São Paulo. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

O aumento da violência policial em São Paulo durante a gestão de Tarcísio de Freitas expõe a autonomia ideológica da Polícia Militar (PM) e a falta de controle por parte do governo estadual. A análise é de Joselicio Junior, cientista político e doutorando em mudanças sociais pela Universidade de São Paulo (USP). O podcast Três por Quatro, do Brasil de Fato, dedicou seu último episódio do ano para discutir os desdobramentos dessa escalada de violência e como ela reflete sobre a segurança no estado paulista.

Para Joselicio Jr., a violência policial não é um fenômeno isolado, mas um reflexo de processos históricos e sociais que moldaram a atuação da PM no país. “É difícil falar sobre a formação social brasileira sem falar da violência e sem falar, inclusive, do papel que as forças de repressão sempre tiveram, principalmente, a serviço dos interesses das elites. De alguma maneira, o que a gente está assistindo hoje, é reflexo de um processo histórico. A Polícia Militar do Estado de São Paulo existe há quase 200 anos”, comenta.

Dados do Ministério Público revelam que, em 2024, as mortes causadas por policiais aumentaram 74% em comparação com o ano anterior. Foram 712 pessoas assassinadas, o que representa uma média de duas por dia. Joselicio Jr. observa que essa violência é legitimada por um tecido social ideológico que tolera práticas violentas, especialmente contra a juventude negra e periférica. “Há uma aceitação por parte da classe média paulista, que valida a brutalidade nas periferias enquanto se sente protegida nos bairros nobres”, destaca.

Casos como o do menino Ryan Santos, de apenas 4 anos, morto durante uma operação policial na Baixada Santista, no Litoral Sul do estado, ou do jovem negro, Gabriel Renan da Silva Soares, de 26 anos, executado pelas costas por um policial de folga após furtar sabão líquido em uma loja, são exemplos que revelam um padrão de violência exacerbada.

Em referência aos números alarmantes da letalidade policial no estado nos últimos anos, o cientista político destaca a influência da ideologia bolsonarista na gestão de Tarcísio de Freitas, algo que muito é criticado por analistas e movimentos populares. “Você tem uma ideologia que começa a se transformar numa força política, que, inclusive, vai ter expressão eleitoral. Isso combinado com um cenário nacional, onde ela também se coloca como uma força política que dá no bolsonarismo”, afirma.

Inclusive, o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro é o responsável pela indicação de Guilherme Derrite para a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.

Neste contexto, a gestão de Derrite, policial militar da reserva e deputado federal pelo PL, é vista como permissividade em relação às ações brutais da corporação. Joselicio Jr. afirma: “Ter o Derrite como secretário é uma síntese desse processo, onde essa ideologia e esse projeto político ganham uma certa autonomia, a ponto do próprio governador sentir que perdeu o controle”.

Derrite ingressou no Batalhão Rota aos 24 anos. Quatro anos depois, foi afastado da tropa devido ao número excessivo de mortes em serviço, conforme relatado por ele em um canal no YouTube.

A economista e comentarista-fixa do podcast, Juliane Furno, aponta para a falta de controle da gestão de Tarcísio de Freitas sobre a corporação. Além disso, falas permissivas por parte de autoridades governamentais em relação à violência cometida por agentes de segurança alimentariam a “vocação” da PM de garantir os interesses das elites por meio do uso da força.

Ela argumenta que a presença de Derrite, um secretário de segurança com histórico de afastamento por excesso de letalidade, sinaliza uma permissão ainda maior para que a polícia aja de acordo com uma orientação de extrema direita, desvendando os interesses por trás da criminalização da pobreza e da manutenção do racismo.

Juliane é enfática ao afirmar que Tarcísio, como figura maior do estado de São Paulo, não poderia apoiar atitudes violentas da Polícia Militar. “Quando ele fala: ‘pode reclamar na ONU [Organização das Nações Unidas], pode reclamar para os Direitos Humanos, quer dizer, ele tá dando uma sinalização de que ele concorda, impulsiona e se transforma numa retaguarda de sustentação e legitimação ideológica e política dessas ações de brutalidade policial”.

Já o cientista político Joselicio Jr., aponta para o recente recuo do atual governador, quando afirmou estar “completamente errado” sobre as críticas feitas ao uso de câmeras corporais em policiais militares do estado. Tarcísio disse ainda que estava “convencido” de que é necessário ampliar o uso das câmeras corporais, diferente de suas declarações, em maio deste ano, de que os equipamentos usados pela PM paulista não ajudam na segurança do cidadão e que sua gestão não iria aumentar os investimentos.

“Quando o Tarcísio tem uma inflexão sobre a questão das câmeras corporais, para mim, é uma sinalização de um certo descontrole, né? É onde a polícia está ganhando uma certa autonomia e qual é a consequência dessa autonomia? É uma ‘milicialização’ da polícia aqui no Estado de São Paulo”, aponta o cientista político.

Câmeras corporais não bastam: controle social é essencial

No podcast, o pesquisador sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Leonardo Carvalho, afirma que o Estado precisa ter uma estrutura de investigação de controle externo da atividade policial.

Carvalho afirma que é essencial que o estado tenha uma estrutura sólida para a produção de provas técnicas e materiais que atendam às necessidades específicas do contexto paulista. Não só: é preciso também, segundo ele, uma estrutura de investigação e controle externo, com “uma Polícia Civil forte, estruturada, equipada, para que ela possa conduzir as investigações de maneira célere e completa”

Neste cenário, outro ator importante é o Ministério Público: “A gente está vendo, na verdade, uma onda de episódios de violência, de uso abusivo da força por parte da polícia e o que a gente precisa é que o Ministério Público se posicione investigando, apurando e responsabilizando os policiais que agiram fora dos protocolos”.

Segundo ele, o uso das câmeras é um dos mecanismos fundamentais para mitigar esse cenário de brutalidade policial, mas não é o único. “Uma ouvidoria fortalecida e independente, é um passo importante. E também tem o papel da Justiça, do Ministério Público, que têm que cumprir o seu papel e, obviamente, a própria secretaria tem como princípio a transparência nos dados, e a pressão popular”, conclui Carvalho.

Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país.

Publicado originalmente no “Brasil de Fato”

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