Pai de estudante morto pela PM desabafa em carta aberta a Lula: “Não tenho mais alma”

O médico Julio Cesar Acosta Navarro, pai do estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, que foi assassinado pela PM. Foto: reprodução

O médico Julio Cesar Acosta Navarro, pai do estudante de Medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, morto por um policial militar durante abordagem na Vila Mariana, Zona Sul de São Paulo, publicou uma carta aberta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No texto, ele denuncia a violência policial e cobra mudanças urgentes.

Marco Aurélio, de 22 anos, cursava Medicina na Anhembi Morumbi. Segundo o boletim de ocorrência, na madrugada de 20 de novembro, ele teria golpeado uma viatura policial e, em seguida, fugido para um hotel na Rua Cubatão, onde foi baleado pelos agentes. Julio Cesar descreveu o momento como “dilacerante” e relembrou os últimos instantes de vida do filho: “Ele me sussurrava: ‘Pai, me ajuda’. Hoje sou um vazio, sem alma”.

Na carta, o médico e professor da USP critica a conduta dos policiais, afirmando que eles se recusaram a dar informações que poderiam ajudar a salvar Marco Aurélio. Ele também relatou que os agentes mantinham as mãos nas armas, como se ele fosse uma ameaça. “Essa postura reflete um padrão de violência que deve acabar”, escreveu.

O jovem, que se apresentava nas redes sociais como mestre de cerimônia e compositor, foi morto durante uma abordagem policial no hotel Flor da Vila Mariana, na rua Cubatão. O nome artístico que o rapaz utilizava era MC Boy da VM.

Apelidado como “Bilau”, Acosta era estudante da Universidade Anhembi Morumbi e jogava futebol pela atlética da instituição. Nas redes sociais, o jovem publicava fotos de viagens internacionais e demonstrava sua paixão pelo funk.

Leia a carta na íntegra a seguir:

Sr. Luiz Inácio Lula da Silva

Excelentíssimo Presidente da República Federativa do Brasil

Com o maior respeito e admiração que sempre tive pela sua trajetória de vida, gostaria que você ouvisse as minhas palavras.

Hoje cumpre-se 30 dias após a pior tragédia que destruiu minha vida e de toda a minha pequena família. O assassinato do meu filho Marco Aurélio, estudante de quinto ano da faculdade de medicina, cheio de saúde e alegria, da maneira mais cruel e covarde, pelo Estado de São Paulo, às mãos de membros da PM e com a cumplicidade de toda a hierarquia superior.

Cada manhã que acordo eu não encontro aquele meu garoto amante do futebol, da música e cheio de carinho. Sinto a dor dilacerante, a angústia e a raiva, de lembrar as últimas imagens dele me pedindo para salvá-lo, deitado numa sala de emergência, em choque hemorrágico, sussurrando: “Pai, me ajuda, pai, me ajuda…”. Hoje não tenho vida nem essência, nada. Um fantasma vale mais porque ele tem alma e eu não mais. A dor levaremos a vida toda até o final da nossa existência porque será o desígnio dos deuses, mas a angústia, a humilhação e a raiva contra os criminosos em busca da “justiça dos homens” é o último que me resta agora.

Os policiais militares Guilherme Augusto Macedo e seu comparsa Bruno Carvalho do Prado, que em maior número, maior tamanho, treinamento militar, superprotegidos e armados com todas as armas, atiraram covardemente à queima-roupa no meu filho que usava um short e um chinelo, por opção de sua personalidade.

Na sequência daquela madrugada de terror, membros da Polícia Militar, cujo responsável ainda é o Comandante Coronel Cássio Araújo de Freitas, desenvolveram uma cumplicidade que, ainda com meu filho lutando pela sua sobrevivência, divulgaram oficialmente falsidades, culpando meu filho, acusando-o de querer tirar a arma deles.

Violência contra pessoas pobres e atitudes racistas, como foi o caso do meu filho, foram demonstradas claramente pelos crimes sobre outras pessoas e pelo sofrimento de famílias que se somaram à nossa tragédia, que agora é amplamente conhecida.

Eu mesmo fui testemunha direta naquela madrugada da atitude de outros PMs em várias oportunidades, quando eu cobrava o paradeiro do meu filho ou informações do que tinha ocorrido para poder usar isso tecnicamente no salvamento cirúrgico do meu filho. Me foram negadas informações, além de que todos mostravam uma mania de pegar suas armas como se eu, baixinho, professor de paletó, cabelo grisalho fosse um “Rambo” ameaçador para eles.

Atitude aprendida muito bem nas academias militares com certeza. Nesse inferno de fatos, ressalta a figura do Secretário de Segurança SP Guilherme Derrite, chefe superior da PM que, apesar de ser um oficial com antecedentes e frases incentivando a morte e violência, paradoxal e inexplicavelmente é responsável pela segurança dos cidadãos.

Ainda na sua primeira manifestação pública, após se esconder da mídia e pedir apoio ao padrinho dele, outro personagem vulgar ladrão de joias, inescrupuloso e promotor da morte de centenas de milhares de vidas pelo Covid-19, Derrite ainda definiu o trabalho dele como “o bem” e as denúncias e reclamações pelos crimes da PM como a minha, com esta carta, define como “o mal”. Derrite mais parece um palhaço tirado dos tempos da Inquisição.

Finalmente o Sr. Governador Tarcísio de Freitas, célebre pela sua crueldade e desprezo pelo sofrimento de famílias, desafiando até a ONU, se burlando do público e afirmando publicamente que não estava “nem aí” incentivando a mais assassinatos pela PM sobre gente humilde.

Tarcísio, após 40 horas de pressão total de toda a mídia do país pelo covarde crime de Marco Aurélio, anunciou um lamento público hipócrita e uma promessa de punição severa aos culpados. Somente que, pelo que vi com muita dor nestes trinta longos dias de uma justiça sem tempo, os assassinos não sendo presos, os chefes da PM dando declarações à grande mídia com falsidades sobre o meu filho e outros dando risadinhas passeando em jatos particulares, Tarcísio não disse quando faria isso, porque se referia, claro, ao Juízo Final ou quando os extraterrestres invadem a Terra, esperto ele.

Apelo ao Sr. Presidente, minha última esperança para aliviar a dor da minha família, de outras mais e poder amanhã salvar nossos próprios filhos.

Dr. Julio Cesar Acosta Navarro.

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