Tarcísio fragiliza educação em SP com escolas cívico-militares e cortes, dizem especialistas

O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o secretário de Educação Renato Feder. Foto: Flávio Florido/EducaçãoSP

Por Caroline Oliveira, publicado no Brasil de Fato

Em 2024, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o secretário Renato Feder investiram em grandes mudanças na educação do estado de São Paulo. Para estudantes, professores e especialistas na área ouvidos pelo Brasil de Fato, as medidas anunciadas ou executadas significam um prejuízo à qualidade do ensino paulista.

A instalação de escolas cívico-militares, o corte de 30% para 25% em recursos obrigatórios para a educação e a privatização da gestão de escolas são as medidas mais citadas no rol de ações consideradas negativas pela comunidade escolar.

O professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Fernando Cássio, que também é integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, afirma que as ações do governo tornam a educação “pior tanto do ponto de vista objetivo dos indicadores quanto a partir da percepção dos educadores, dos estudantes e das famílias”.

“A gente vê a piora em todos os sentidos e níveis, por conta de decisões deliberadas contra a escola, os educadores e a qualidade de uma educação pública socialmente referenciada e inclusiva”, diz o professor que também integra a Rede Escola Pública e Universidade (Repu).

As medidas mostram, segundo Cássio, que o governo paulista “não está nem um pouco preocupado com processos participativos nas escolas e com os efeitos nefastos das ações em relação à piora da educação, ao controle exacerbado do trabalho e à piora da leitura dos estudantes, da aprendizagem de matemática, das condições de trabalho e da carreira dos professores”.

Militarização

Em maio deste ano, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) aprovou a criação do Programa Escola Cívico-Militar na rede pública de ensino, que prevê aos militares da reserva a responsabilidade pelo desenvolvimento de atividades extracurriculares de natureza cívico-militar e pela segurança e a disciplina dentro das unidades. A gestão pedagógica e administrativa continua com os civis, ligados à Secretaria de Educação.

Algumas ações que tramitam no STF, porém, podem barrar a implementação do programa. Uma delas é uma ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Psol, que está em julgamento no plenário virtual. A tramitação, no entanto, foi suspensa no começo de dezembro depois que o ministro Alexandre de Moraes pediu vista, ou seja, mais tempo para análise. Até o momento, apenas dois ministros votaram: Gilmar Mendes e Cristiano Zanin, ambos favoráveis ao modelo.

Fernando Cássio classifica a medida como “mais uma tentativa de criar uma espécie de gestão compartilhada e, portanto, privatizada, mas com militares nas escolas”. “A gente acompanha com muita perplexidade e consternação a forma como a Polícia Militar de São Paulo lida com a população, e a gente vê esse movimento de ocupação militar de escolas públicas, que o governo de São Paulo quer investir através desse projeto de militarização, com preocupação.”

Do lado do corpo docente paulista, o professor e pedagogo Fabio Santos de Moraes, presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), afirma que a categoria tem enfrentado “ataques sem precedentes na educação” e classificou o governo Tarcísio como “muito duro e muito autoritário com os professores.”

Moraes critica a implementação das escolas cívico-militares no estado, classificada por ele como uma tentativa de implementar “um pensamento único na rede”. “A gente defende uma escola plural, acolhedora e civil. Esse modelo contraria a Base Nacional Comum Curricular, que não permite a imposição de um pensamento único, padronizado e com valores militares. Também afronta a Constituição brasileira, em seu artigo 22, que diz que é competência exclusiva privativa da União deliberar sobre as diretrizes e bases da educação”, afirma.

Arthur Paulino, diretor da União Paulista dos Estudantes Secundaristas (Upes) afirma que os alunos não se sentem seguros diante da possibilidade da militarização das escolas.

“Nós, estudantes, não queremos policiais militares nos ambientes escolares. Não queremos que nossa liberdade de expressão seja cortada. Pois infelizmente, sabemos e ouvimos que muitos alunos quando falam algo, são silenciados pelo autoritarismo, sem contar as diversas denúncias de situação de assédio moral e sexual e abusos físicos e psicológicos contra estudantes praticada por agentes militares.

No total, o programa prevê que 50 a 100 escolas estaduais ou municipais devem ser transformadas em escolas cívico-militares. Serão priorizados os estabelecimentos de ensino que têm índices de rendimento escolar inferiores à média estadual, índices críticos de vulnerabilidade social e índices de aprovação, reprovação e abandono baixos.

Tarcísio de Freitas na cerimônia em que sancionou lei das escolas cívico-militares. Foto: Marcelo S. Camargo/Governo de SP

Redução do orçamento

Outro ponto de atenção entre as fontes ouvidas pelo Brasil de Fatoé a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reduz o orçamento de 30% para 25% da Educação no estado, redirecionando os 5% para a saúde. Na prática, a diminuição pode significar um valor de R$ 9,6 bilhões a menos.

O presidente da Apeoesp, Fabio Santos de Moraes, afirma que “o dinheiro público é para a escola pública, e essa foi uma luta histórica dos educadores brasileiros: a garantia dos 30% dos repasses. Nós queremos que o dinheiro público vá para a escola pública. A educação hoje é um caos. Essa gente, esse governador, esse Feder [secretário da Educação], eles querem tirar R$ 10 bilhões da educação, ou seja, eles querem destruir a escola pública”, afirma o educador.

Em suas palavras, o sucateamento seguido pela privatização de setores da educação é o que está por trás das medidas anunciadas e trabalhadas pelo governo. “O está por trás disso? É tornar o ensino mais barato com o objetivo de precarizar. Quer dizer, fecha o noturno, tira todos os professores do noturno, tira os diretores, não tem que pagar funcionário. Na medida em que se tira dinheiro, o processo fica mais precário. E aí é privatizar. A ideia do Tarcísio é entregar a educação de São Paulo”, defende.

Na mesma linha, Arthur Paulino diz que a diminuição de recurso é “preocupante”, ainda mais se o orçamento do estado de São Paulo for comparado ao de outros entes federativos.

“Estamos em um estado extremamente ‘rico’ comparado com outros estados. É preocupante vermos que este projeto que visa literalmente sucatear a educação num cenário de já sucateamento. Já vi cenários como o de salas com o teto caído, alagamentos após chuvas, com ratos nas escolas e outras coisas. Como pode o Tarcísio e sua Secretaria ver todos esses casos e ainda pensar em cortar verbas? Nós estudantes na verdade queremos mais investimentos, respeito, valorização dos professores e melhoria das infraestruturas nas escolas”, afirma.

Na prática, a PEC estabelece um mínimo de 25% de recursos vinculados à educação. O objetivo é que os 5%  em disputa possam ser utilizados tanto em educação quanto na saúde.

Na época em que a proposta foi aprovada, o secretário-executivo da Educação, Vinícius Neiva, garantiu que os recursos serão suficientes para a área. “Os recursos da Educação são suficientes para fazer frente ao que temos preparado para 2025, 2026 e assim por diante. Temos que lembrar todo um esforço que a Secretaria de Educação está fazendo em torno de eficiência de recursos”, afirmou.

Concessões à iniciativa privada

Outro assunto em alta nas críticas à educação paulista é a concessão da gestão de escolas à iniciativa privada. Entre o fim de outubro e começo de novembro, o governo Tarcísio leiloou dois lotes para a privatização da construção e manutenção de 33 escolas.

O primeiro lote, que incluiu 17 escolas, foi arrematado pelo consórcio Novas Escolas Oeste SP pelo valor de R$ 11,98 milhões ao mês, o menor dos cinco lances apresentados. A empresa que lidera o grupo, a Engeform Concessões e Investimentos, é a mesma que passou a fazer a gestão de cinco cemitérios na capital paulistana após a privatização do sistema funerário em março do ano passado. De lá para cá, o valor do serviço popular ficou 500% mais caro.

O prazo de concessão das escolas é de 25 anos. O custo mensal para o estado será de R$ 11,9 milhões. A empresa ofereceu um desconto de 21,43% em relação ao valor de referência do leilão, que era de R$ 15,8 milhões mensais. Os pagamentos serão iniciados quando as escolas estiverem prontas. A empresa será responsável por merenda, internet, segurança, infraestrutura e limpeza das escolas.

Já o segundo, o Lote Leste, que inclui a concessão de 16 escolas, foi arrematado pelo Consórcio SP + Escolas com lance de R$ 11,5 milhões. A empresa venceu a disputa contra outros dois proponentes, representando um deságio de 22,51% sobre o valor máximo de contraprestação pública proposto pelo governo. O valor teto da contraprestação era de R$ 14,9 milhões mensais.

As empresas vencedoras ficarão responsáveis, durante 23 anos, pela manutenção da infraestrutura, gestão de limpeza, alimentação, vigilância e jardinagem e pela contratação de funcionários para essas áreas. Sob a responsabilidade das empresas também estarão as atividades diárias escolares envolvendo o apoio aos alunos que não conseguem acessar com autonomia as instalações escolares.

A parte pedagógica, que envolve a definição do material didático, bem como o planejamento escolar, continua sob o guarda-chuva da Secretaria de Educação (Seduc), bem como a contratação de professores, que se dá por meio de concurso público.

O integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Fernando Cássio, afirma que existe uma “longa discussão feita a respeito da indissociabilidade entre gestão pedagógica e não pedagógica, que o governo de São Paulo tenta fazer para justificar o fato de que privatizar a gestão, por exemplo, dos serviços da escola, não tem interferência pedagógica”.

“A gente sabe que tem e que essas várias tentativas de fazer concessão e parceria público-privada em escola pública não necessariamente representa economia para os cofres públicos. Trata-se de uma ideologia privatista, que aposta contra o Estado e que acredita nessa ideia, sem fundamento, da superioridade do privado sobre o público”, conclui o professor.

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