Debate do 6×1 é civilizatório, mas não podemos esquecer do trabalhador 7×0. Por Leonardo Sakamoto

Manifestação na avenida Paulista pelo fim da escala 6×1
Foto: Bruno Santos

Leonardo Sakamoto

Pesquisa Datafolha aponta que 64% dos brasileiros defendem o fim da jornada de seis dias de trabalho para um de descanso. Os grupos historicamente mais explorados são ainda mais a favor da mudança que a média: mulheres (70%), pretos (72%) e os que ganham até dois salários mínimos (68%). Deu a lógica.

A campanha contra a jornada de 6×1 pode não conseguir alcançar agora a mudança para quatro dias de trabalho e três de descanso, mas a mobilização tem força para alterar o teto para cinco dias de trabalho e dois de descanso, como já escrevi aqui. Sem redução de salário, claro. Segundo o Datafolha, 5×2 seria a escala ideal para 70% dos entrevistados.

Esse movimento resgata o debate travado ainda no governo Lula 2 sobre a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, que, na prática, reduziria a escala para cinco dias por semana, considerando que o teto diário é de oito horas. Muita gente diz que alguns setores da economia não aguentam. Uma economia como a nossa, talvez não. Uma pouco mais justa, sim, basta ver o que acontece em outros lugares civilizados do mundo.

Nesta semana, tivemos uma ilustração do impacto da escala 6×1 quando é levada às últimas consequências. O grupo especial de fiscalização móvel fez uma coletiva à imprensa anunciando o resgate de 163 operários chineses que estavam em condições análogas às de escravo na obras da nova fábrica da BYD na Bahia. Contratos analisados pela fiscalização previam jornada de dez horas por dia, seis dias por semana, com possibilidade de extensão.

Considerado o trabalho pesado de pedreiros, carpinteiros, armadores, carregadores, soldadores, entre outros, a jornada exaustiva, que impossibilitava o descanso, criava um ambiente propício a acidentes de trabalho. Houve pelo menos quatro, inclusive com amputação de membros e perda de movimentos nos dedos. No Brasil, jornadas de dez horas ocorrem quando o trabalhador faz duas horas extras além das oito previstas em lei.

O debate sobre redução de jornada é civilizatório, pois diz respeito ao modelo de desenvolvimento que queremos. Mas ele só inclui parte dos trabalhadores na discussão.

Há uma multidão de precarizados, como entregadores e motoristas de aplicativos, que ainda vão à rua de domingo a domingo, em jornadas que ultrapassam as 70 horas semanais, acreditando que o tal artigo 7º da Constituição Federal (que trata dos direitos trabalhistas) não diz respeito a eles. Não à toa foram convencidos de que são empreendedores e não trabalhadores.

Empreender é fundamental e precisa ser estimulado, a fim de que riqueza seja produzida para os donos do negócio e a comunidade em que eles estão inseridos. Mas glamourizar a precarização sob esse verniz é só uma forma de garantir que o pessoal continue prestando um serviço sem reclamar, sob a ilusão de que todos vão chegar lá um dia. Em muitos casos, vende-se a ideia de que eles são patrões de si mesmos, mas não são não.

A discussão sobre a qualidade de vida não ficará completa sem garantir aos trabalhadores do 7×0, ou seja, a turma sem carteira assinada, uma remuneração justa e um mínimo de proteção de seguridade social. Para isso, temos que avançar com a discussão no STF sobre a responsabilidade de empresas que ganham muito com esse grupo, como as plataformas de aplicativos.

Mas também sobre a proposta que estabelece preços mínimos e INSS para entregadores e motoristas no Congresso e no governo, ou seja, o debate sobre a regulamentação dessa categoria de trabalho. Isso deveria ter sido feito pela Reforma Trabalhista, mas os legisladores estavam mais preocupados em agradar o patronato.

Originalmente publicado no UOL

Conheça as redes sociais do DCM:
⚪️Facebook: https://www.facebook.com/diariodocentrodomundo
🟣Threads: https://www.threads.net/@dcm_on_line

Adicionar aos favoritos o Link permanente.