Sakamoto: Vitória de Fernanda Torres lembra ao globo que perdoar golpes não é opção

Fernanda Torres comemora sua vitória no Globo de Ouro 2025 – Foto: Kevin Mazur

Por Leonardo Sakamoto, no UOL

A espetacular vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro, neste domingo (5), não é apenas a consagração de uma excepcional interpretação em um baita filme baseado num livro para o qual faltam adjetivos. A luta de Eunice Paiva após seu marido, o ex-deputado Rubens Paiva, ser detido e morto pela ditadura que mandou no Brasil entre 1964 e 1985 é um lembrete ao mundo do que acontece à vida cotidiana quando golpes de Estado têm sucesso. E que, por isso, não podem ser esquecidos, perdoados, anistiados.

“Ainda Estou Aqui”, sucesso de público no país, reconta um período de censura, violência, arbitrariedades e assassinatos diluindo a política no drama familiar. Dessa forma, traz sutilmente a questão da ditadura para os espectadores, sendo, por isso, mais eficaz em espalhar a mensagem que um filme engajado.

Por ser didático e focar na família, não fica restrito à bolha e pode atingir conservadores. E, o mais importante, muitos jovens que parecem ignorar que a democracia que herdaram custou o suor, o sangue, a tortura e a saudade de muita gente. Não raro, caem nas mentiras daqueles que dizem que professores, universidades e conhecimento não servem para nada. Bom mesmo é só o que vem do WhatsApp.

Mas a interpretação de Eunice Paiva por Fernanda Torres também conta uma história universal ao mostrar as consequências na vida cotidiana das famílias que se tornam alvos da violência de regimes ditatoriais. Com a ascensão de governos autoritários, a história escrita por Marcelo Rubens Paiva e adaptada para as telas por Walter Salles é local e global ao mesmo tempo.

Cena do filme “Ainda Estou Aqui”, estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello – Foto: Reprodução

Não tenho dúvidas que membros da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, que decidem o Globo de Ouro, conseguiram ver na personagem as Eunices de seus países ou regiões de origem.

Para quem torce o nariz dizendo que esse debate é “politizar” o filme, sugiro que o assista. Se contar a trajetória de uma mulher que luta para que a ditadura assuma o que fez com o marido e para cuidar da família após o desaparecimento dele não é político, então nada mais é.

A torcida avassaladora por Fernanda Torres nas redes sociais, que obliterou uma campanha da extrema direita brasileira para atacar o governo brasileiro e passar pano para o genocídio comandando por Benjamin Netanyahu em Gaza, ajuda com que o filme seja visto por mais gente. E, portanto, o debate sobre o impacto dos anos de chumbo seja popularizado. Mesmo aqueles que xingaram a o filme, o livro, a atriz e até a sua mãe, Fernanda Montenegro, na noite deste domingo, ajudaram a bombar “Ainda Estou Aqui”. Obrigado, extremistas.

Primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu – Foto: Mike Segar/REUTERS

Golpes perdoados semeiam outros golpes no futuro. A anistia brasileira a torturadores, assassinos, golpistas e ditadores ajudou a engravidar o país de um extremismo que fez nova tentativa entre outubro de 2022 e 8 de janeiro de 2023, também com a participação de generais, além de civis.

Que a merecida premiação dada à atuação de Fernanda Torres lembre que esquecer não é uma possibilidade. Anistiar, muito menos.

Em tempo: Pesquisa Genial/Quaest, divulgada nesta segunda (6), mostra que 86% dos brasileiros reprovam os atos golpistas de 8 de janeiro, promovidos pela extrema direita, que destruíram as sedes dos Três Poderes, em Brasília. Dos entrevistados, 50% creem na influência de Jair Bolsonaro na organização dos ataques, enquanto 39% afirmam que isso não aconteceu. Há quase um ano, os números eram 51% e 38%, respectivamente – uma oscilação dentro da margem de erro de um ponto que mostra estabilidade. O que aponta que, dois anos depois, os brasileiros concientes de seu país e da História relutam em esquecer.

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