O que uma proibição do TikTok nos EUA significaria para a defesa da internet aberta

WASHINGTON — Os Estados Unidos defendem uma internet aberta há muitos anos, argumentando que a web deve ser amplamente desregulamentada e que os dados digitais devem fluir livremente pelo mundo sem a limitação de fronteiras. O governo norte-americano se opõe à censura na internet em outros países e tem até mesmo apoiado financeiramente o desenvolvimento de software que permite às pessoas em estados autocráticos contornar as restrições de conteúdo on-line.

Isso pode estar em risco.

Espera-se que a Câmara dos Deputados mais uma vez promova legislação para forçar a venda do TikTok por seu proprietário chinês, ByteDance, ou implemente uma proibição sem precedentes do aplicativo nos Estados Unidos, desta vez incluindo o tema em um pacote de ajuda para Israel e Ucrânia.

Acredita-se que esta medida seja semelhante a uma que foi aprovada pela Câmara no mês passado e que contou com apoio bipartidário. Este foi o passo mais significativo já dado pelo Congresso para forçar a venda de um aplicativo de propriedade estrangeira tão grande como o TikTok.

EUA em contradição?

Grupos de direitos digitais em todo o mundo reagiram e levantaram a questão de como as medidas contra o TikTok contradizem os argumentos norte-americanos em favor de uma internet aberta.

Alexander Gorbunov, um blogueiro de oposição russo, postou nas redes sociais no mês passado que o país poderia utilizar a medida para fechar serviços como o YouTube. Defensores dos direitos digitais em todo o mundo manifestam receios de que ocorra um efeito cascata, e que os Estados Unidos dariam uma justificativa para governos autoritários que desejam censurar a Internet.

Em março, o governo chinês, que controla a Internet do seu país, disse que os EUA têm “um jeito de falar e de fazer coisas a respeito dos Estados Unidos e outro de falar e fazer coisas a respeito de outros países”, mencionando a legislação sobre o TikTok.

Para defensores dos direitos digitais, ao visar o TikTok – uma plataforma de mídia social que tem 170 milhões de usuários nos EUA, muitos dos quais compartilham movimentos de dança, opinam sobre política e vendem produtos – os Estados Unidos podem minar seus esforços de décadas para promover uma Internet aberta e livre, regida por organizações internacionais, não por países individuais.

Nos últimos anos, a Internet se fragmentou à medida que governos autoritários na China e na Rússia invadem cada vez mais o acesso dos seus cidadãos à Internet.

“Isso tiraria a força da posição dos EUA na promoção da liberdade na Internet”, afirmou Juan Carlos Lara, diretor executivo da Derechos Digitales, um grupo latino-americano de direitos digitais com sede no Chile. “Certamente não fortaleceria seu próprio argumento em favor da promoção de uma Internet livre, segura, estável e interoperável.”

Internet livre

A visão norte-americana de uma internet aberta remonta à década de 1990, quando o presidente Bill Clinton afirmou que ela deveria ser uma “zona global de comércio livre”. Os governos – incluindo a Casa Branca de Biden – fizeram acordos para manter o fluxo de dados entre os Estados Unidos e a Europa. E o Departamento de Estado condenou a censura, incluindo as restrições da Nigéria e do Paquistão ao acesso ao Twitter, hoje conhecido como X.

Agora, impulsionada por preocupações de que o TikTok possa enviar dados ao governo chinês ou servir como um canal para a propaganda de Pequim, a legislação aprovada na Câmara no mês passado exigiria que a ByteDance vendesse o TikTok a um comprador aprovado pelo governo dos EUA dentro de seis meses.

Se a empresa não encontrar um comprador, as lojas de aplicativos deverão parar de oferecer o aplicativo para download, e as empresas de hospedagem na web não poderão hospedar o TikTok. (Resta saber se a versão da medida que provavelmente surgirá junto com o pacote de ajuda incluirá alterações no prazo ou em outras facetas do projeto de lei.)

Alerta em outros países

A aprovação do projeto de lei pela Câmara, em março, e atualmente sob análise no Senado, gerou preocupação em nível global.

Gorbunov, um blogueiro russo que atende pelo nome de Stalin_Gulag, escreveu no serviço de mídia social Telegram em março que a proibição do TikTok poderia resultar em mais censura em seu país.

“Não creio que o óbvio precise ser dito em voz alta, que é que quando a Rússia bloquear o YouTube justificará isso precisamente com base nesta decisão dos Estados Unidos”, disse Gorbunov.

Mishi Choudhary, advogado que fundou o Software Freedom Law Center, com sede em Nova Delhi, disse que o governo indiano também usaria a proibição dos EUA para justificar novas repressões. Segundo ela, a Índia já se envolveu em interrupções de Internet e proibiu o TikTok em 2020 por causa de conflitos na fronteira com a China.

“Isto não só dá a eles bons motivos para confiar em suas ações passadas, mas também os estimula a tomar ações futuras semelhantes”, disse ela em uma entrevista.

Lara, da Derechos Digitales, observou que países como a Venezuela e a Nicarágua já aprovaram leis que deram ao governo mais controle sobre o conteúdo on-line. Segundo ele, o aumento do controle governamental sobre a Internet era uma “ideia tentadora” que “realmente corre o risco de se materializar se tal coisa for vista em lugares como os EUA”.

Especialistas em direitos digitais argumentam que uma venda forçada ou proibição do TikTok também poderia dificultar para o governo dos EUA pedir a outros países que adotem uma Internet governada por organizações internacionais.

A China, em particular, construiu um sistema de censura na Internet, argumentando que cada país deveria ter mais poder para definir as regras da web. Pequim bloqueia o acesso a produtos fabricados por gigantes da tecnologia dos EUA, incluindo o mecanismo de busca Google, o Facebook e o Instagram.

Outros países seguiram o exemplo de Pequim. A Rússia bloqueia conteúdo on-line. A Índia e a Turquia têm medidas que lhes permitem exigir a remoção de publicações nas redes sociais.

Patrick Toomey, vice-diretor do Projeto de Segurança Nacional da União Americana pelas Liberdades Civis, disse que se a medida do TikTok se tornar lei, a “hipocrisia seria inevitável e os dividendos para a China seriam enormes”. A ACLU é um dos grupos que mais se destacam na oposição à legislação relacionada ao TikTok.

Qualquer proibição ou venda do TikTok nos EUA exigiria que as autoridades explicassem por que a medida é diferente dos esforços de outros países para limitar o fluxo de dados digitais em seus territórios, disse Peter Harrell, ex-diretor sênior do Conselho de Segurança Nacional para economia e competitividade internacional do governo Biden. Os Estados Unidos pressionam para que os dados possam fluir livremente entre os países.

“Sou a favor de uma ação contra o TikTok aqui, mas teremos que nos esforçar para recuperar o atraso na frente diplomática”, disse Harrell.

Ainda assim, outros defensores da legislação rejeitaram a ideia de que uma ação contra o TikTok prejudicaria a política dos Estados Unidos sobre a Internet.

Um assessor do Comitê Seleto da Câmara dos Deputados sobre o Partido Comunista Chinês, que não tinha autorização para discutir a lei publicamente, argumentou que a medida beneficiaria a liberdade na Internet ao reduzir o risco de influência da China sobre o TikTok.

Em comunicado, um porta-voz do Conselho de Segurança Nacional disse que os Estados Unidos “continuam comprometidos com uma Internet aberta”.

“Não há tensão entre esse compromisso e a nossa responsabilidade de salvaguardar nossa segurança nacional, evitando que as ameaças específicas representadas por certos adversários possam colocar em risco as informações pessoais dos norte-americanos e manipular o discurso deles”, argumentou o porta-voz.

NYT: ©.2024 The New York Times Company

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