A memória também é vencedora

Fernanda Torres instagram Golden Globes

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Fernanda Torres dá vida à dor de Eunice Paiva, que jamais desistiu de buscar justiça em meio ao silêncio ensurdecedor dos porões da repressão (Foto: Instagram/Golden Globes)

Quando Fernanda Torres subiu ao palco do Globo de Ouro para receber o prêmio por sua atuação em “Ainda estou aqui”, era mais do que o seu talento que estava sendo celebrado. Junto com ela, ergueu-se o eco de um país que luta pela memória, que não passou a limpo todas as mazelas que enfrentou no período que esteve na mira de uma ditadura militar e que ainda precisa lidar com o “surto” coletivo com capacidade de engendrar o 8 de Janeiro de 2023.

Sob a direção de Walter Salles, o filme expõe uma das cicatrizes mais profundas dos anos de chumbo, pois resgata a história de desaparecimento e assassinato do ex-deputado Rubens Paiva. Em uma performance visceral, Fernanda dá vida à dor de Eunice Paiva, viúva de Paiva, que jamais desistiu de buscar justiça em meio ao silêncio ensurdecedor dos porões da repressão.

Para nós brasileiros, a premiação é um marco que vai além do cinema. Ela é uma resposta a toda tentativa de esquecimento, um alerta de que o passado não pode ser enterrado com a mesma mudez que tentou sufocá-lo. É a certeza de que o Brasil ainda precisa de muitas Eunices dispostas a se colocar contra qualquer tipo de violação efetuada pelo braço do Estado.

Em um momento histórico em que verdades são constantemente distorcidas, em que bilionários das Big Techs beijam a mão da extrema direita num conluio que contribui para a deturpação dos fatos, a promoção de discursos de ódio e apologia a ideias discriminatórias e homofóbicas, a história de Rubens Paiva encontra no palco do Globo de Ouro uma nova chance de ser contada, não apenas para os brasileiros, mas para o mundo.

O reconhecimento internacional de “Ainda estou aqui” transforma o filme em um ato político e cultural. Ele coloca a ditadura militar brasileira sob os holofotes globais, reforçando a importância de se revisitar as feridas da história para que elas não sejam repetidas. Não é apenas uma homenagem às vítimas do regime, é um grito contra o revisionismo e contra a tentativa de apagar as marcas de um tempo sombrio. Também é a clareza de que muita gente no nosso país e no mundo está disposta a não deixar que a mentira, o ódio, a violência e a barbárie encontrem esteio para investir contra a democracia.

A atuação de Fernanda Torres, ao lado da sensibilidade de Salles, humaniza o que muitas vezes se perde nas estatísticas frias e nos livros de história. Eunice Paiva, interpretada com coragem e sofrimento, torna-se a voz de tantas famílias silenciadas, de tantos nomes que nunca tiveram um final.

Mais do que uma vitória pessoal, a conquista de nossa querida atriz é uma vitória para a memória. O prêmio mostra que a arte tem o poder de resistir, de lembrar, de gritar onde antes a fala havia sido amordaçada. E, assim, ovacionada em um palco, a memória também é vencedora. Que essa história continue sendo contada não apenas nos cinemas, mas em cada conversa, cada aula, cada crônica. Porque lembrar não é só um ato de justiça, é também de resistência.

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