Sakamoto: Previsão do clima para SP aponta para rio em Metrô e cascata em shopping

Estações de metrô viraram rios em SP. Foto: reprodução

Por Leonardo Sakamoto

Chocante não é a estação Jardim São Paulo do Metrô ser invadida por um rio caudaloso, o teto do shopping Center Norte desabar, o córrego Verde retomar o Beco do Batman, carros flutuarem como barcos na Zona Norte e uma cascata surgir em prédios. Chocante é ter gente que ainda fica chocada com os efeitos da mudança do clima.

E, alerta de spoiler: a tragédia está só começando.

Esqueçam aquela história de que choveu em três horas o que estava previsto para metade do mês. O aquecimento global, que tornou eventos climáticos extremos mais frequentes, tornou praticamente inúteis os dados de médias históricas. A frase “choveu mais do que a média” é tão recorrente quanto.

Eu que não creio dou graças a Deus que essa tempestade não desabou com força sobre comunidades pobres de morros. Caso contrário, teria sido mais uma tragédia com um rosário de mortos. O aviso por celular enviado pelo poder público é importante, mas para casos que envolvem regiões de encosta, ele precisa ser dado não com horas, mas dias de antecedência.

As cenas desta sexta (24) deveriam ser o bastante para que priorizássemos a adaptação da capital para um futuro de mudanças climáticas tanto quanto fazer com que ela reduza seu impacto na emissão de gases de efeito estufa.

Infelizmente, não é assim que as coisas funcionam.

Imaginávamos que, quando a água batesse no pescoço, todo mundo passaria a priorizar a questão climática. Mas a água invadiu o Rio Grande do Sul e inundou a Espanha, o fogo consumiu Los Angeles e parte da Amazônia e nada disso foi suficiente para forçar que populações pressionassem seus governos a adotarem mudanças no comportamento.

As tragédias acontecem e não se faz conexão entre a emissão de gases de efeito estufa e o caos climático. É capaz que se culpem migrantes e pessoas trans pelos desastres e não a economia com base em carbono.

Todos os anos, tragédias climáticas, como deslizamentos e inundações, costumam ceifar com lama vidas pobres que moram nas periferias. Mas moradores de regiões protegidas, que nunca precisarão se preocupar se o seu barraco está em área de risco, sentem seu cotidiano mudar com a falta de energia.

Tragédia das tragédias, não há eletricidade para recarregar o celular para checar zap e redes sociais, por exemplo. Em alguns locais, o apocalipse: a internet caiu.

Ao mesmo tempo, empresas e consumidores perderam produtos e geladeiras, médicos e pacientes sofrem com a falta de luz e de geradores decentes e crimes foram cometidos com as ruas mais escuras.

Responsabilizar o poder público e o setor privado é parte importante da questão, mas não a esgota. Esquentamos a temperatura média do planeta, aumentando a frequência de eventos climáticos extremos. Tempestades, como a que ocorreu nesta sexta, são parte do nosso novo normal.

Precisamos preparar São Paulo para essa nova realidade, cuidando principalmente de quem pode perder a vida. Mas também atuar sobre a responsabilidade a cidade, e, portanto, nossa, para o aquecimento do planeta.

Como já disse aqui, parte da madeira extraída da Amazônia vem para a construção civil do Estado e somos grandes consumidores da carne bovina e de matérias-primas produzidas por lá, como minérios e soja. Atividades conectadas com desmatamento e queimadas. Sem contar que hidrelétricas são construídas, impactando o clima, para nos abastecer de energia.

Ao mesmo tempo, milhões de escapamentos de nossos carros, motos e caminhões pioram o efeito estufa, enquanto o aumento da malha de transporte de massa sobre trilhos segue devagar quase parando. E temos uma cobertura vegetal pequena e malcuidada em comparação ao nosso tamanho.

São Paulo é vítima do clima, mas também seu algoz. Até agora, a incompetência do poder público e do setor privado em preparar a capital e o Estado era mais sentida por apenas uma parte de seus habitantes. Se mortes não nos compadecem, que cada apagão após tempestade nos lembre que o tempo para medidas concretas está se esgotando.

Publicado na coluna de Leonardo Sakamoto no Uol

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