Caminhar para (trans)formar a cidade: Marcha Trans acontece nesta quarta em Juiz de Fora

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A Marcha da Visibilidade Trans de Juiz de Fora desce a Rua Halfeld em direção à Praça João Pessoa nesta quarta-feira (29). Organizada pela Associação de Pessoas Trans e Travestis de Juiz de Fora (Astra-JF ), o Conselho LGBT+JF, o Coletivo Transtornados e a Associação Mães Pela Liberdade, o ato chega a sua quarta edição e, agora, faz parte do Calendário Oficial de Eventos da cidade, com a instituição da Lei 15.019, em 18 de novembro de 2024, projeto proposto pela ex-vereadora Tallia Sobral (PSOL).

Parte da programação da Semana Municipal da Visibilidade Trans, a marcha, ou a Marscha, como muitos se referem em homenagem à ativista trans norte-americana Marsha P. Johnson, terá concentração no Parque Halfeld, a partir das 17h30, e seguirá até a Praça João Pessoa, em frente ao Cine-Theatro Central, às 18h45.

Para a presidente da Astra, Sol Mourão, mulher trans que contribuiu para a instituição da Semana Municipal da Visibilidade, Empregabilidade e Capacitação de Travestis, Pessoas Transgêneras Binárias e Não Binárias em Juiz de Fora, chegar à quarta edição de uma movimentação que começou independente “é uma legitimação da construção que a gente vem fazendo. A Marcha, agora, está dentro do calendário da cidade e faz com que a prefeitura tenha um envolvimento e uma responsabilidade maior”, diz, acrescentando que o evento simboliza a “luta, ainda mais com a extrema-direita levantando pautas transfóbicas e violentas”.

“A marcha é um marco histórico para a luta por direitos e igualdade: é fundamental que Juiz de Fora, uma cidade com trajetória de pioneirismo e luta no movimento LGBTQIAPNB+, esteja alinhada com as demandas da população trans, na política e no social”, analisa a coordenadora da Astra, Anatan Gonzaga, travesti e pós-graduanda em gênero e sexualidade.

 

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Edição de 2024 da Marcha Trans de Juiz de Fora (Foto: Leonardo Costa)

Entre as pautas locais levantadas pela marcha, estão a amplificação e o melhor preparo do Hospital Universitário da UFJF, que, como diz Anatan, é o “nosso ambulatório”. Reivindicam, também, mais recursos para as atividades voltadas para a população LGBTQIAPNB+ na cidade, além da promoção de ações que visam maior empregabilidade das pessoas trans e não binárias, a facilitação da retificação do nome e do gênero em documentos oficiais e a oposição a projetos de lei LGBTfóbicos que tramitam na Câmara Municipal de Juiz de Fora.

Sol Mourão inclui que uma das principais pautas da marcha será a implementação de cotas no ensino superior, e cita a Universidade Federal da Bahia como a primeira a executar um projeto como esse. “A nossa ideia é que a gente comece a construir um diálogo com a UFJF para que possamos implementar essas cotas em Juiz de Fora.”

Dandara Felícia, mulher trans, servidora pública e organizadora da primeira Marcha Trans em Juiz de Fora, em 2021, destaca entre as pautas o futuro das pessoas trans, “para que deixem de ser usadas como fantoches de discursos que levam medo às pessoas”. Para ela, que milita desde 1999 e foi a primeira presidente da Astra e do Conselho Municipal LGBTQIAP+ de Juiz de Fora, tendo se candidatado ao cargo de vereadora da cidade, a grande novidade da Semana, este ano, é a tarde de lazer com o grupo esportivo Transtornados e o cine-debate que discute Direitos Humanos. Nesse debate, será exibido o documentário “Adoráveis Senhoras”, produzido por Dandara, com recursos do edital Fernanda Müller, parte do Fundo Municipal de Incentivo à Cultura da Funalfa.

Quanto às pautas nacionais, Anatan diz que a maior movimentação é sobre o Paes Pop Trans, um programa que propõe cuidados de saúde à população trans em todo o ciclo de vida. “É basicamente tudo o que o governo prometeu e não cumpriu: a reformulação da identidade, cotas trans em universidade e concursos, mais capacitação e acessos à saúde, ampliação dos ambulatórios que realizam o processo transexualizador.”

No âmbito nacional, Sol Mourão também relembra a mobilização pela redução da jornada de trabalho e fim da escala 6×1, projeto proposto pela deputada Erika Hilton, mulher trans e líder do PSOL na Câmara dos Deputados.

‘Nossa luta foi e será sempre feita com amor e resistência’

Para além da marcha, a programação da Semana da Visibilidade Trans se estende a outros encontros, como o Café com Amor, promovido pela Associação Mães pela Liberdade de Minas Gerais, que será realizado no Espaço Municipal, na quinta-feira (29), a partir das 19h.

Fundada em setembro de 2020, a associação reúne mães, pais e responsáveis por filhas, filhos e filhes LGBTQIAPN+, e está presente em mais de 30 cidades mineiras. “A verdade é que não se pode entrar numa luta sem estar devidamente preparado. E o início foi assim: de aquisição de conhecimento, muito estudo, capacitação, para que pudéssemos, realmente, nos empoderar e, a partir daí, desenvolver outros trabalhos, tendo sempre como motor principal a preocupação em manter nosses filhes vivos, para que não fossem mais vítimas de violência e/ou discriminação”, explica a coordenadora estadual da Associação de Mães pela Liberdade, Rosângela Pereira Gonzaga.

Segundo ela, a associação é laica, suprapartidária e independente, e hoje é uma Organização da Sociedade Civil que luta em defesa do Estado de Direito e da Democracia, atuando na Assembleia Legislativa mineira e levando demandas às Prefeituras e aos vereadores que abrem as portas ao debate.

“A diversidade humana precisa ser naturalizada e reconhecida como a maior riqueza da humanidade e não uma queda de braço entre as normas pré-estabelecidas e a existência de milhares de pessoas invisibilizadas por essas normas. Apesar dos tempos sombrios que atravessamos, nossa luta foi e será sempre feita com amor e resistência. Nossa maternagem foi ampliada para sermos mães de todos, todas e todes.”

‘Um beijo para a Astra’

Além de presidente da Astra, Sol Mourão também é artista, diretora e coreógrafa do grupo de dança Remiwl Street Crew e figura de liderança na Ballroom Kunt JF. Como conta, os trabalhos da associação começaram no primeiro ano da pandemia de Covid-19, em 2020, pelas militantes Dandara Felícia, Bruna Rocha e MC Xuxú, e sua criação se deve à falta de apoio para pessoas trans e travestis da cidade, principalmente para aquelas em estado de prostituição. “A Astra foi criada para poder garantir a alimentação dessas pessoas, mas foi crescendo, se consolidando. A associação já realizou diversos projetos e participa de toda a movimentação LGBT que existe dentro da cidade, sempre buscando pelos direitos das pessoas trans”.

Os projetos da associação com maior destaque, segundo Sol, são a distribuição de cestas básicas para pessoas trans em vulnerabilidade social e o projeto de retificação de nome e gênero — lei gratuita. “Dentro de Minas Gerais, a Astra ajudou na retificação de nome e gênero de mais da metade das pessoas que solicitaram a alteração quando ainda exigia-se o pagamento”, conta.

Lutas em Juiz de Fora

Neste ano, já em janeiro, dois projetos de lei foram apresentados na Câmara Municpal de Juiz de Fora que afetam a comunidade LGBTQIAPN+: um deles mira o binarismo de gênero baseado no sexo biológico e outro requer a proibição de menores em eventos que promovem a diversidade de gênero e sexualidade, especificamente a Parada do Orgulho LGBTQIAPNB+.

De acordo com o advogado Júlio Mota, homem trans e ativista pelos direitos das pessoas trans e LGBTQIAPNB+, uma proposta que busca “legislar sobre pronomes de tratamento e definir o que é ser homem e mulher com base no sexo biológico é, claramente, inconstitucional. Desrespeita o princípio da dignidade humana, além de violar o direito à igualdade e à não discriminação”. O advogado relembra os avanços jurídicos e sociais que envolvem o reconhecimento da identidade de gênero no país e diz que, um projeto como esse, “promove o retrocesso social, ao deslegitimar a existência de pessoas trans e não binárias, reforçando preconceitos e exclusão em espaços fundamentais, como o trabalho e a educação”.

Sobre o projeto de lei que pretende proibir a participação de crianças e adolescentes em eventos que celebram a luta LGBTQIAPNB+, o advogado alerta para a violação dos direitos à liberdade de reunião e de expressão, assegurados pela Constituição. “É também uma proposta discriminatória, já que trata a Parada como um evento inadequado, enquanto não há restrições semelhantes para outros eventos públicos, como manifestações religiosas ou culturais. Essa proibição reforça preconceitos contra a comunidade e vai contra o Estatuto da Criança e do Adolescente, que assegura o direito à convivência comunitária e ao pleno desenvolvimento em ambientes acolhedores”, diz Júlio.

Dandara Felícia critica o tratamento de pessoas trans como fantoches nas discussões políticas reacionárias, que, por exemplo, querem ditar o uso dos pronomes com os quais as pessoas se identificam ou que devem fazer com seus corpos. “A única diferença que a gente tem para as outras pessoas é que somos trans. Mulheres e homens vivem afirmando seu gênero, usando hormônios e fazendo cirurgias, e, nem por isso, são considerados criminosos ou são usados para assustar as pessoas.”

Anatan Gonzaga complementa: “pessoas LGBTs existem e resistem há muito tempo, e estamos organizades o suficiente para ir contra projetos de lei retrógrados, que nos atacam. A população LGBTQIAPNB+ não busca mais visibilidade, buscamos permanência, ocupar nossos espaços e utilizar dos acessos para ampliar e fortalecer uns aos outros”.

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