Nosso cinema não deve nada a nenhum outro

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Ao vencer o Oscar, ‘Ainda estou aqui’ não apenas reivindica a visibilidade do cinema nacional, mas nos convida a reavaliar nossa relação com a memória, a justiça e o reconhecimento (Foto: Divulgação)

Era domingo de carnaval, mas o Brasil parou. Na terra dos desfiles das escolas de samba e dos blocos de rua, a folia suspendeu o fôlego por instantes. Todos os olhos voltaram-se para a tela. Era a grande noite de “Ainda estou aqui”. E o Brasil inteiro estava lá, no Dolby Theatre, de coração acelerado, como em final de Copa do Mundo.

Junto com o anúncio, veio uma explosão instantânea, misturando a alegria do carnaval, o entusiasmo do futebol e agora o orgulho do nosso cinema. Um grito coletivo, abafado por anos pelo complexo de vira-lata — como dizia Nelson Rodrigues — rompeu de norte a sul. O cinema brasileiro, tantas vezes relegado, tantas vezes posto à prova, agora segurava sua estatueta dourada, ainda que sobre ela pesem tantas ressalvas.

A conquista é inegável. Mais do que a grandeza do filme, ela simboliza um olhar renovado sobre a cultura nacional, portas que se abrem para talentos brasileiros, esperanças de novos caminhos para o cinema que resiste. A temática abordada no filme ressoa universalmente. A busca pela verdade, pela justiça e pelo reconhecimento de uma história silenciada ecoa em culturas que enfrentaram repressão e opressão.

A recusa de parte do público brasileiro em abraçar o filme de Walter Salles também revela a tensão entre arte e política. Em tempos de polarização, qualquer obra que toque em feridas históricas se torna alvo de interpretações enviesadas. É lamentável, mas esperado, que seu valor artístico e social seja deturpado por críticas que distorcem sua essência. A resistência do Brasil à sua própria história, tantas vezes minimizada ou distorcida, segue como um desafio para a conscientização política.

Ao vencer o Oscar, “Ainda estou aqui” não apenas reivindica a visibilidade do cinema nacional, mas nos convida a reavaliar nossa relação com a memória, a justiça e o reconhecimento. A estatueta não é apenas um prêmio pela execução técnica e estética do filme, mas uma afirmação de que o cinema é uma ferramenta de mudança, que transcende o entretenimento, para se tornar instrumento de reparação, de questionamento e, acima de tudo, de celebração da resistência de um povo.

Com essa premiação, podem surgir novas possibilidades para o cinema brasileiro, que agora sobe mais um degrau na visibilidade internacional. No entanto, para que essa abertura não se restrinja a uma celebração pontual, é preciso que a indústria cinematográfica nacional também persista na construção de narrativas que, como “Ainda estou aqui”, desafiem, provoquem e representem com profundidade a complexidade do Brasil. Nosso cinema é vasto, pulsante e singular. Ele não deve nada a nenhum outro. E talvez seja hora de, finalmente, nos darmos conta disso.

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