Jejum intermitente: estratégia alimentar ou gatilho para compulsão?

O jejum intermitente é frequentemente apontado como uma solução eficaz para a perda de peso e o controle de doenças metabólicas.

No entanto, um recente estudo da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), publicado originalmente em outubro de 2024 no Journal of the National Medical Association, traz um alerta importante: a prática pode aumentar o risco de compulsão alimentar e desejos intensos por comida, especialmente entre jovens universitários.

A pesquisa analisou 458 estudantes da USP e identificou que aqueles que praticavam jejum intermitente apresentavam níveis significativamente maiores de compulsão alimentar.

“Aqueles com episódios severos de compulsão tiveram uma taxa 140% maior de horas de jejum em comparação aos não compulsivos”, afirmou Jônatas de Oliveira, autor do estudo e Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Comportamento e Comida da Universidade de São Paulo (USP), ao jornal da USP.

Além disso, foi constatado que quanto maior o tempo de jejum, maior era o desejo por comida, o que pode levar a um ciclo de restrição e descontrole alimentar.

O perigo do ciclo restrição-compulsão

A intencionalidade por trás do jejum é um fator-chave para seu impacto emocional e comportamental, segundo Oliveira. A pesquisa indica que a prática pode agravar sintomas de compulsão, comprometendo não apenas a relação do indivíduo com a alimentação, mas também sua saúde mental.

O autor do estudo explica que o jejum costuma ser adotado por quem já tentou mudar o corpo por meio de dietas restritivas e que o problema é que essas estratégias podem desencadear um padrão alimentar desordenado.

Apesar do estudo ter sido realizado com universitários, o pesquisador observa que os resultados “podem ser extrapolados parcialmente para pessoas em condições de estresse do trabalho” – como os profissionais que trabalham no mercado financeiro, por exemplo, que também podem ser afetados de um jeito semelhante.

“Como o jejum intermitente diminui a prática de escolhas, pode evoluir para muitas horas sem comer e configura como estresse (quando praticado durante o dia). Considero uma prática ruim para os trabalhadores”, pontua.

Segundo Oliveira, esses indivíduos muitas vezes negligenciam refeições durante o dia e consomem a maior parte das calorias à noite, comportamento que está associado a maior risco de diabetes e disfunções metabólicas.

“Para esses profissionais é importante equilibrar a praticidade com a saúde, priorizando a saúde ao invés do trabalho. Essa conta é difícil para a maioria das pessoas em nossa cultura de corporações, resultados e competitividade”, observa Oliveira.

Por isso, ele ressalta a importância de “impor limites saudáveis”, o que na alimentação significa se alimentar conforme as necessidades físicas, mais do que somente emocionais, sem usar a comida como “fonte de recompensa” após um dia estressante.

“Não ter planejamento para jantar e viver jantando qualquer coisa após abrir o aplicativo em um dia de trabalho cansativo estará associado com o ganho de peso não saudável e pior qualidade da alimentação. Compreender o processamento dos alimentos e o grau de processamento é importante para modular a qualidade do padrão alimentar.”

— Jônatas de Oliveira, Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Comportamento e Comida da USP

Cautela

Apesar da popularidade do jejum intermitente, entidades relacionadas à área pedem cautela. A Associação Brasileira de Nutrição (Asbran), por exemplo, destaca que ainda faltam estudos de longo prazo que comprovem sua eficácia em comparação a dietas convencionais de restrição calórica contínua.

Em um parecer técnico de 2019, a entidade afirma que “são necessários ensaios clínicos controlados randomizados, especialmente de longo prazo e envolvendo humanos, que permitam comprovar a eficácia do jejum intermitente e, sobretudo, seus potenciais efeitos adversos”.

De acordo com Oliveira, da USP, “não há recomendação médica oficial corroborada por boas pesquisas e ensaios clínicos de qualidade que sustente a prática de jejum intermitente”.

Por outro lado, a médica metabologista Elaine Dias, PhD em endocrinologia pela USP, aponta que há formas de aplicar o jejum intermitente sem prejuízos.

Segundo ela, o chamado “jejum fisiológico” – que consiste em pular o jantar e reforçar o café da manhã – pode trazer benefícios para pessoas com resistência insulínica, desde que seja feito sob supervisão médica.

“Esse modelo simula nossos ancestrais, pois antes da luz artificial as pessoas dormiam com o pôr-do-sol, então comiam cedo e dormiam logo depois”, pontua. O problema é quando a prática é adotada de forma errada, sem acompanhamento adequado, ressalta a especialista.

Assim como pontuado por Oliveira, Elaine também diz que executivos e profissionais do mercado financeiro são um público que costuma se alimentar mais à noite, geralmente pulando o café da manhã e sem tempo de almoçar.

“Quando chegam em casa à noite e têm mais tempo para comer, comem 80% da quantidade de calorias. Isso é péssimo, porque aumenta a possibilidade de diabetes, resistência insulínica e várias alterações metabólicas endocrinológicas”

— Elaine Dias, médica metabologista

Ela alerta que ficar longos períodos sem comer – especialmente ao longo do dia – pode causar hipoglicemia, tontura, perda de músculo e alterações hormonais.

Por isso, para este perfil de público geralmente a indicação é do jejum intermitente fisiológico, que dá preferência por tirar o jantar e não o café da manhã.

“Quando a gente tira o café da manhã tem a possibilidade sim de desenvolver outros pontos de compulsão alimentar periódico, porque tem vários estudos mostrando que o café da manhã é fundamental para diminuir a compulsão ao longo do dia”, comenta.

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Qual dieta seguir?

Para quem busca emagrecimento e melhora metabólica, a especialista aponta além do jejum intermitente fisiológico – que considera a ausência de alimentação no período noturno – outras abordagens alimentares interessantes.

Como exemplos, a dieta low carb, que prevê o consumo adequado de proteína e a diminuição da quantidade de carboidratos, ou a dieta mediterrânea, composta por gorduras como o azeite de oliva, castanhas, tubérculos, raízes, frutas e peixes.

Ela também aponta que o jejum intermitente não é para todos. Crianças, adolescentes, idosos com baixa massa muscular e diabéticos que usam insulina devem evitar a prática.

Seja para perder peso ou melhorar indicadores metabólicos, especialistas recomendam que qualquer estratégia alimentar seja personalizada e acompanhada por profissionais habilitados.

Além disso, exames regulares são fundamentais para monitorar deficiências nutricionais e evitar impactos negativos. “Não adianta fazer jejum intermitente e, na janela de alimentação, consumir só alimentos ultraprocessados. A regra deve ser descascar mais e desembalar menos”, reforça a metabologista.

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