18 minutos de aplausos no Festival de Veneza: o novo filme de Almodóvar é imperdível

Almodóvar entre Julianne Moore (esq.) e Tilda Swinton, protagonistas de “O Quarto Ao Lado”

Segunda-feira foi um dia de reencontros com afetividades do passado, fundamentais para a minha trajetória como amante da sétima arte. Voltei à sala onde assisti, ainda criança, talvez às minhas primeiras experiências solo no escuro de um cinema.

O filme que promoveu esse resgate no Cine Segall (sala de cinema do Museu Lasar Segall) foi o aclamado “O Quarto ao Lado”, de Pedro Almodóvar, que possui uma grande potência nessa combinação de sentimentos e lembranças.

Não poderia haver um diretor e filme mais indicados para explorar e atingir as mais delicadas camadas de um tecido emocional fragilizado pelos temores desse mundo de Trump em seu novo mandato, o segundo round, agora de mãos dadas com Elon Musk, seu cão de estimação.

Na trama, baseada no livro “What Are You Going Through”, de Sigrid Nunez, temos a escritora Ingrid, interpretada por Julianne Moore, que passa por Nova York para lançar seu novo livro. Em uma sessão de autógrafos, ela descobre que uma velha amiga, chamada Martha Hunt, vivida por Tilda Swinton, que há tempos não via, e está internada para tratamento de um câncer em estágio avançado.

Julianne Moore e Tilda Swinton constroem, de maneira delicada e ao mesmo tempo com muita personalidade, personagens magnéticos com suas contradições, sob a precisa direção de Almodóvar, na condução de um tema urgente como a eutanásia, no primeiro longa-metragem do diretor espanhol em inglês.

O filme foi aplaudido por 18 minutos pela plateia em sua estreia no Festival de Veneza, onde recebeu o prêmio mais importante, o Leão de Ouro.

A narrativa de Almodóvar relata a decisão de uma jornalista veterana (Tilda) de cometer suicídio devido a um câncer incurável. A paciente pede a uma velha amiga (Julianne) que a acompanhe em seus últimos dias em uma casa de arquitetura ultramoderna, cravada no meio de um lindo bosque em Echo Lake Park, Nova Jersey, reforçando os contrastes, entre outros, dos tons de verde e os sempre presentes vermelhos em suas obras.

Pedro Almodóvar defendeu o direito de morrer com dignidade durante a cerimônia de premiação no festival. A eutanásia, disse o diretor espanhol, “não é uma questão política, mas sim humana”. Dizer adeus a este mundo de forma limpa e digna é um direito fundamental, declarou Almodóvar ao receber o prêmio.

“Sei que este direito viola qualquer religião ou credo que tenha Deus como única fonte de vida… Peço aos praticantes de qualquer credo que respeitem e não intervenham nas decisões individuais a esse respeito”, acrescentou. A premiação marca a volta de Almodóvar ao pódio da mostra 36 anos depois, desde que ganhou o prêmio de melhor roteiro por “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos”, em 1988.

Almodóvar é um esteta que sempre constrói cenas e ambientes com sua palheta de cores e assuntos em constante vibração. Dentro dessa urgência na trama, surge o personagem do cientista Damián, interpretado por John Turturro, que condena o aquecimento global, a sociedade que nada faz para impedi-lo, o neoliberalismo, o fundamentalismo religioso e o crescimento da extrema-direita.

Segundo ele, essas questões estariam apressando a destruição do mundo, contaminando-o com o atraso e suas inúmeras guerras. “Não consigo entender que algo que está vivo tenha que morrer. A morte está em toda parte, mas é algo que nunca entendi muito bem”, confessou Almodóvar à imprensa ao apresentar o filme em Veneza.

Aos 74 anos, Almodóvar persegue a excelência plástica para contrabalançar tanta desolação e mediocridade nos produtos criados pela indústria cinematográfica. A decoração e figurinos ultra elaborados são utilizados como ferramentas de suas narrativas.

O diretor espanhol, talvez por realizar, pela primeira vez, um longa-metragem em inglês, faz referências a filmes, livros e outras obras de arte de artistas anglo-americanos: Virginia Woolf, James Joyce, Edward Hopper, Buster Keaton, John Huston. Almodóvar presta uma espécie de homenagem à boa arte de criadores que falam ou se expressam em inglês. Suas cores e condução direta o transformaram em uma referência humanista e um norte almejado por cinéfilos e aspirantes a cineastas. Como diria o famoso quarteto de Liverpool, “All You Need Is Love”.

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