Pesquisa aponta desigualdade racial no acesso a exames de mamografia no Brasil

mamografia para detecção de mama em mulheres negras
(Foto: Divulgação/Fiocruz)

Uma pesquisa com dados do DataSus registrou que, entre os anos 2015 e 2022, 52,4% das mamografias para rastreio de câncer de mama feitas no Brasil foram realizadas em mulheres brancas,  28,5% em mulheres pardas e apenas 5,8% em mulheres pretas. Já as mulheres amarelas fizeram 13,4% dos exames realizados, enquanto as mulheres indígenas apenas 0,1%. Ainda segundo essa análise, foi observado que as mulheres negras são também as que mais recebem diagnósticos de câncer de mama em estágios avançados, dificultando que o tratamento na fase inicial seja possível. Essa diferença demonstra um desequilíbrio no acesso a exames de rastreamento da doença, ainda mais levando em conta o cenário étnico-racial do país, que, de acordo com o IBGE, é formado por 55,5% de pessoas pretas e pardas. 

Os dados foram levantados pelo Panorama do Câncer de Mama, estudo realizado pelo Instituto Avon em parceria com o Observatório de Oncologia. De acordo com os órgãos responsáveis, a menor quantidade de mulheres negras fazendo o exame de rastreamento pode estar contribuindo para que a população feminina negra receba o diagnóstico de forma tardia, já que exames de rastreamento são a única forma de detectar a doença ainda no seu início e antes do aparecimento dos sintomas. Nos casos em que isso é possível, o cenário pode ser bastante alterado, trazendo 95% de chances de cura e melhorando a qualidade de vida da paciente durante o tratamento. O estudo apontou que, entre 2015 e 2021, 46,5% das mulheres pretas e 44,2% das mulheres pardas tiveram câncer de mama detectado em estadiamento 3 e 4, que são os  mais avançados da doença. 

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As mulheres brancas que tiveram o câncer detectado nesse estágio estão em 35,5% e são líderes em diagnósticos precoces. No entanto, está acontecendo uma mudança na detecção desses casos, com o índice de diagnóstico precoce nessa população em queda: em 2015, 65,2% das mulheres descobriram a doença em estágios iniciais, enquanto em 2021 o índice foi de 59,7%. Esse mesmo problema está acontecendo entre as mulheres pretas, que tiveram o percentual de detecção diminuído de 54,9% para 52,6% durante o mesmo período. Já os indicadores de detecção precoce da doença em mulheres pardas vêm apresentando uma melhoria, de 54,8% para 58%.

“Os dados ressaltam não somente a importância da realização dos exames periodicamente como forma de aumentar as chances de detectar o câncer ainda em estágios iniciais, mas também a importância de considerarmos o contexto social em que essas mulheres estão inseridas e seus impactos no acesso à saúde, incluindo desigualdades socioeconômicas e étnico-raciais e o cenário pré e pós-pandêmico”, explica Daniela Grelin, diretora executiva do Instituto Avon.

Estágios avançados por faixa etária

O Ministério da Saúde recomenda que os exames de rastreamento de câncer de mama comecem a ser realizados entre 50 e 69 anos. Nessa faixa etária, foi verificado que os casos em estágios avançados foram de 35,3% entre os identificados. Já entre as mulheres de 40 e 49 anos, os casos em estágios avançados aconteceram para 39,6% das mulheres, e para  53,9% das que têm entre 20 e 29 anos.

Também foi verificado que quanto maior a faixa etária da paciente, maior o período para início do tratamento. As mulheres diagnosticadas com câncer de mama entre 20 e 29 anos levaram, em média, 110 dias para começarem a fazer os seus tratamentos, enquanto as pacientes entre 50 e 59 anos levaram 182 dias, e as entre 60 e 69 levaram 201 dias.

Outro dado evidenciado pela pesquisa foi de que os casos mais graves não estão sendo priorizados pelo sistema público de saúde. Os casos de câncer de mama em estadiamento 1 tiveram o tempo médio entre a detecção e o início de tratamento de 144 dias, com diferença de 151 para pacientes em estadiamento 2, 174 para estadiamento 3 e 313 dias para estadiamento 4.

Rede pública tem queda de mamografias

Durante o período que a pesquisa analisou, foram realizadas mais de 18 milhões de mamografias de rastreio em mulheres de 50 a 69 anos no SUS. A cobertura mamográfica, porém, apresentou uma queda na rede pública (de 26,3% para 20,5%). O percentual já estava bastante abaixo do que é recomendado pela Organização Mundial da Saúde, que coloca como meta 70% de cobertura no país.

Em 2020, no primeiro ano de pandemia de Covid-19, o impacto também ficou claro no número de mamografias realizadas. No período, o estadiamento ao diagnóstico e a cobertura mamográfica apresentaram mudanças importantes na curva dos resultados. Esse cenário pode ter impactado a quantidade de exames e pode explicar, em parte, a relação entre a redução de exames de rastreamento e o aumento de casos descobertos em estágios avançados. 

O câncer de mama já levou a óbito mais de 19 mil pessoas no Brasil apenas em 2022. O valor apresentou um aumento de 5,5% em relação ao ano anterior, mas, em contrapartida, o ano de 2022 trouxe um aumento no número de mamografias, com quase 500 mil exames a mais que o outro ano. De acordo com a pesquisa, isso pode indicar uma reorganização do sistema de saúde para atender mulheres que tiveram seus exames represados durante o período mais crítico da pandemia de Covid-19. 

Tempo entre diagnóstico e início de tratamento é quase três vezes maior do que recomenda legislação

A legislação brasileira indica que pacientes com câncer tenham direito ao tratamento em até, no máximo, 60 dias depois de terem a doença detectada através de biópsia. A chamada “Lei dos 60 dias“, no entanto, parece não ser realidade, de acordo com o que foi levantado pela pesquisa. O Panorama do Câncer de Mama identificou que o tempo médio para início do tratamento de mulheres diagnosticadas com câncer de mama foi cerca de 179 dias entre 2015 e 2021, e em 2021, o tempo médio para início de tratamento foi de 218 dias.

O estudo mostra que pelo menos 62% dos casos tiveram o tempo máximo para início do tratamento ultrapassado. “Esses dados apontam falhas sociais e estruturais em nosso sistema de saúde. Eles deixam claro que a cor da pele ainda dita quem irá ter mais acesso à educação, informação, diagnóstico em tempo oportuno e tratamento. E diante de tantos avanços que temos presenciado, sobretudo na ciência, isso não faz sentido algum. Precisamos urgentemente mudar este cenário e o trabalho em conjunto, entre sociedade, organizações especializadas no tema e governo, se faz urgente”, afirma Catherine Moura, médica sanitarista e líder no Observatório de Oncologia.

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