Os fins de mundo possíveis no universo poético de Bianca Pataro

Patrícia Cassese | Editora Assistente

Bianca Pataro tinha apenas nove anos quando escreveu uma peça de teatro para a escola. “Claro, era um texto completamente sem a estrutura de um roteiro de teatro, mas sim, eu escrevi uma peça para ser encenada e eu tinha 9 anos”, diverte-se ela. É fato: Bianca sempre gostou de contar histórias. Uma curiosidade porém, fez com que as pessoas associavam esta característica à data de nascimento dela. É que Bianca nasceu no dia 1º de abril. “Como inventava muitas histórias, cresci com essa mancha. “Ah, a Bianca é mentirosa’, ‘A Bianca fala mentiras’… Mas é porque criava muita coisa”.

Seja como for, a escrita acabou se atrelando à sua vida como um lugar de suporte para a invenção. Não por outro motivo, “Fim de Mundo – ou Fuga com Ciganos”(Editora Urutau), livro que Bianca lança neste sábado, dia 8 de fevereiro, na Livraria e Café Quixote, se inicia com a seguinte epígrafe: “O que não vivi, inventei”.

“Porque muita coisa que está nele foram, sim, vivências, mas têm a minha camada de invenção, de como aquela história ficaria mais interessante, de como eu contaria aquilo para o mundo. Então, acho que o livro veio de trazer este meu mundo da invenção de histórias, de experiências que vivenciei, mas que não deixa de ter uma camada ali de uma licença poética”, explica Bianca.

Fins de mundo

“Fim de Mundo – ou Fuga com Ciganos” traz escritos que emergiram entre 2020 e 2024. “Entre o que escrevi naquele período, selecionei poemas que tinham a ver com ‘fins de mundo’. Na verdade, com possibilidades de encerramento. Com fins de mundo, o que é diferente do fim do mundo, que seria o fim da Terra, do nosso planeta. Ou seja, fins de mundo possíveis, caso do fim de um relacionamento, da morte de familiares ou mesmo de uma transformação”. Como exemplo, ela cita o nascimento do segundo sobrinho, Dante. “Que nos trouxe um outro mundo. Desestruturou a nossa família pela energia dele (risos. Então, eu vi aquele momento ali como um outro mundo, vi outra família nascendo”.

Bianca inclusive faz uma comparação com o título do livro de Ailton Krenak, “Ideias para Adiar o Fim do Mundo”. “Acho que o meu vai pelo caminho contrário, são histórias que trazem fins de mundo possíveis. Por exemplo, tem textos que escrevi a partir da minha experiência como consultora socio-ambiental, vivenciando desastres de mineração. Trabalhei três anos em Mariana, na reparação do rompimento da barragem do Fundão. Então, o livro abre com um poema que fala justamente sobre isso. Ou seja, o fio condutor são mundos que se encerram”.

Micro-contos

Há, ainda, poemas que falam sobre o período da pandemia. Já o que consta na página 55, ao qual ela descreve como um micro-conto, foi premiado pelo Itaú Cultural em 2020, no edital Arte como Respiro. “Pensando aqui, agora, entendo que eu transito entre a poesia e o micro-conto. Ou seja, eu uso a estética da poesia contemporânea para escrever essas minhas histórias, e que evocam muitas cenas. Porque eu trabalho muito com a imagem. Então, são textos que eu acho que, numa estrutura da literatura, da linguagem poética, ele está mais para o micro-conto, utilizando um pouco da estrutura, talvez, do texto da poesia contemporânea”, pontua Bianca Pataro.

“Quando Amarrei o Tênis”

Quando amarrei o tênis/Na saída apressada da escola/Acreditei que selava nossas vidas/ com o nó bem dado no Kichute

Meu coração era tão pequeno”.

Localizado na página 33 do livro, este é, para Bianca, o texto mais importante do livro. “Porque evoca uma memória e uma imagem da minha infância. Me lembro que eu amarrava muito o tênis de um menino que estudava comigo, que não sabia amarrar o Kichute. (O tênis) tinha todo aquele nó na perna que a gente dava. Parecia que aquele momento era algo eterno. Eu não tinha noção do que viria pela frente, de tudo que eu ia viver. Achava que o meu mundo era aquele ali, onde eu nasci, numa cidade do interior, muito pequena. Pensava que tudo iria girar em torno daquele espaço. Só depois é que o meu coração descobriu que tinha muito mais pela frente”.

“Poderíamos ter dito tudo”

Este outro poema do livro, citado por Bianca, versa sobre um fim de relacionamento. “Sobre um final sem conversar, sem explicação. Acho que é um final muito do (Zygmunt) Bauman, um relacionamento líquido, muito contemporâneo, como as coisas começam e acabam”. O texto, vale dizer, já havia sido publicado na Revista Usina, em 2018. Aqui, um parênteses. Bianca já publicou em revistas importantes, como a citada Usina, aqui, no Brasil, a Flanzine, em Portugal.

“Fim de Mundo – ou Fuga com Ciganos”, lembra Bianca, é o seu quarto livro, o segundo pela editora Urutau. “Então, trazer para ele esse texto da (Revista) Usina também é trazer um pouco dessa trajetória das coisas que eu tenho construído na literatura e na poesia. E esse texto, eu acho que ele é muito essa cara do fim das coisas nos tempos atuais. Penso que os fins de outros tempos rendiam muito mais. Rendiam poesias, sei lá, sofrimentos maiores. Os fins de hoje acabam muito sem deixar muitas marcas. Esse poema traz o fim de um relacionamento que não tem registro. Tem a mágoa, mas não o registro”.

Neste caso, Bianca vê uma conexão com o com o texto final, “Tenho Saudade de Esperar uma Carta”. “Fico meio cansada dessas histórias voláteis, sabe? Que não deixam nada. Então, ‘Poderíamos ter dito tudo’ tem uma conexão um pouco com isso, assim, esse fim líquido das coisas”.

“Se tudo for como disseram”

Localizado na página 25, o poema trata da atividade da mineração. “Gosto muito desse texto porque é um pouco o desafio do meu trabalho como consultora socioambiental, em tentar apoiar as empresas que atendo a gerar, ali, no território, um impacto social positivo. Então, ele tem uma conexão com o meu trabalho, com o que eu vivencio, com o que eu tento deixar no mundo, que é um impacto positivo para as pessoas, para as comunidades”.

Adélia Prado na cabeceira

Bianca conta, ainda, que, quando estava organizando o livro, estava em um momento de muita leitura da produção de Adélia Prado. “É uma autora com a qual me identifico muito, por ela falar do cotidiano, de coisas pequenas. Outro dia, o meu sogro, que tem 90 anos, estava lendo o livro e falou: ‘A Bianca escreve sobre o cotidiano. Só que coisas que ela vê de um outro jeito’. E eu gosto muito dessa poesia, que é a que fala do mínimo. Eu não gosto daquela poesia que evoca sentimentos, como se quem escrevesse poesia ou versos fosse um ser sagrado e que visse as coisas de outra forma. Gosto muito mais de olhar para as coisas que são pequenas e ver, ali, subjetividade, sentimento… Afetividade, enfim”.

Desse modo, Bianca analisa que a poesia contemporânea tem um pouco disso. “É muito mais do que essa poesia clássica. E a Adélia Prado tem muito isso. Ela fala do quintal, do pé de limão, do calendário… Dessas coisas que estão no nosso cotidiano, que vão preenchendo a nossa existência com essa afetividade, com esse simbolismo. Tem muito disso, entendo, no meu livro”.

Serviço

Lançamento do livro “Fim de Mundo – Ou fuga com ciganos” (Editora Urutau)
De Bianca Pataro

Quando. Sábado, 8 de fevereiro, a partir das 11h

Onde. Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi)

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