Morador de Bento Rodrigues vive sozinho em comunidade arrasada por rompimento de barragem

MARIANA, MG (FOLHAPRESS) – O motorista Sidney Sobrero, 54, nunca saiu de Bento Rodrigues. No dia 5 de novembro de 2015, ele trabalhava no centro de Mariana quando soube que a barragem próximo à casa onde vivia havia rompido. Em 10 minutos, a lama cobriu com 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos as ruas que Sidney conhecia desde a infância.

Há quase uma década, ele mora na antiga associação de moradores de Bento Rodrigues. A construção resistiu, mas perdeu a função: o subdistrito rural onde viviam cerca de 600 moradores não existe mais.

Os vizinhos foram reassentados a 12 km de distância, em um bairro urbanizado, que remete a um condomínio fechado projetado pela Samarco como o “novo Bento Rodrigues”.

Sidney recusou o imóvel e aluga um apartamento no centro de Mariana, a cerca de 50 minutos da antiga moradia. Lá, é o local onde dorme poucos dias na semana e resolve as burocracias. A maior parte do tempo segue no “velho” Bento Rodrigues.

Antes, foi hospedado em um hotel em Mariana, mas nunca se adaptou à cidade. “De repente, a lama vem com tudo e você sai correndo para outro estilo de vida”, diz.

A família sobreviveu ao rompimento. Um irmão embarcou a mãe deles em um carro e fugiu. Naquele momento, diz, um ônibus escolar carregou crianças e parentes no caminho. Tios e primos fugiram, mas 19 vizinhos foram mortos, alguns encontrados a cerca de 70 km de distância. Uma das conhecidas estava grávida.

O antigo ponto de ônibus dos estudantes ficava em frente ao bar do irmão, hoje uma janela em meio às ruínas. O telhado, diz, foi carregado metros adiante. Cadeiras de metal do negócio continuam fincadas na lama, entre pequenos morros de rejeitos. A vegetação encobriu e fechou a rua onde viviam todos.

Sidney diz que um tio adoeceu no hotel alugado pela mineradora. “Ele morava aqui. Tinha criações de boi, cavalo, galinha. De repente, tudo acaba, mas ele queria voltar.” Meses após o colapso, afirma que as visitas a Bento Rodrigues eram restritas e cronometradas.

Apenas os antigos moradores têm autorização para visitar as ruínas do subdistrito. Em nota, a Samarco afirma que a entrada é controlada pela Defesa Civil de Mariana e que R$ 12 bilhões serão repassados para “eventuais danos e impactos negativos à saúde coletiva” dos locais atingidos pelos rejeitos.

“Meu tio tinha um problema cardíaco, que piorou. Se recusou a tomar remédio e morreu com uns 60 e poucos anos”, diz. “A pessoa fica transtornada.”

Uma pesquisa de saúde da FGV (Fundação Getúlio Vargas) concluída em janeiro de 2025 calcula um aumento de 60% nos quadros de adoecimento mental em 45 municípios afetados após o estouro da barragem de Fundão, em Bento Rodrigues.

O estudo afirma que os impactos na saúde física e mental dos atingidos “ainda não são inteiramente compreendidos” e sintomas ainda “podem levar anos até se desenvolverem e se tornarem aparentes”, segundo os especialistas.

Sidney diz não se sentir deprimido, mas apegado à memória de Bento Rodrigues. “Ali morava o Camargo. A do lado, o Adriano. Ali a escola. Na rua debaixo, tinha a nossa igreja”, aponta, para a construção hoje destruída e coberta por um tapume para reformas.

“Eu também conhecia o Totó, o Thiaguinho”, como se refere a Antônio Prisco “Totó”, 73, e Thiago Damasceno, 7. Os dois morreram no rompimento.

Um antigo vizinho instalou placas solares para garantir energia elétrica para o prédio da associação onde o motorista passa a maior parte da semana.

Durante o dia, tenta capinar o terreno em frente ao destruído bar do irmão, onde uma rocha foi levada pelos rejeitos e depositada na porta de entrada. Ele se emociona. “A gente cria vínculo. É a nossa história, né?”

À noite, diz caminhar entre os cavalos e cachorros que perambulam sem dono pela antiga Bento Rodrigues, até ir para a cama às nove da noite para acordar às quatro da manha, como fazia antigamente.

Em março, a Samarco afirma que pretende começar uma nova rodada de indenizações, após acordos disputados entre o governo brasileiro e a mineradora, uma união da Vale com a BHP Billiton Brasil.

O chamado PID (Programa Indenizatório Definitivo) fará o pagamento indenizatório no valor fixo de R$ 35 mil por pessoa, física ou jurídica, que tenha se manifestado e feito um cadastro até dezembro de 2021.

Os critérios da nova indenização são criticados por moradores, já que deve excluir pessoas que fecharam acordos prévios, como Sidney, ou entrado com ações na Justiça. O novo programa será executado a partir de março, afirma a mineradora.

“Muita gente fala assim: o que você aqui?”, diz ele. “A gente tem lembrança de como as coisas funcionavam. Aí que está o problema: aqui eles não veem o que eu vejo.”

O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde

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