Exclusivo: Marinha encobre acusações de assédio sexual contra alunas do Colégio Naval

Marinheiros do Colégio Naval, em Angra dos Reis

O Colégio Naval é uma instituição de ensino militar com sede em Angra dos Reis (RJ). Sua preparação se volta aos candidatos ao ingresso no curso de graduação da Escola Naval, responsável pela formação de oficiais da Marinha do Brasil.

Em meados de agosto de 2024, um grupo de dez alunas oriundas do primeiro e do segundo anos do Colégio Naval da Marinha reclamou junto à comandante da companhia sobre a conduta do então professor de física da turma, tenente Thalles Faleiro. A queixa era sobre as piadas de Faleiro terem cunho sexual.

Também consta que o professor se insinuaria por meio de gestos obscenos, contos eróticos biográficos, aproximações físicas excessivas, havendo inclusive relatos de que encostara sua genitália em uma das alunas. Ainda, outras reclamações davam conta de que o oficial fazia comentários desairosos sobre oficiais superiores – todas mulheres, sempre recorrendo à ideia de sujeição sexual.

Após a queixa coletiva, as alunas foram instruídas a redigirem um relatório detalhando eventos e fatos. Esse documento, assinado pelas denunciantes, substanciou a abertura de uma sindicância. Consta no documento que as alunas apontaram as falas libidinosas e ações do tenente Faleiro em sala de aula como causa de completo desconforto, constrangimento e desrespeito, gerando com isso uma onda de insegurança e desinteresse pelas aulas do instrutor.

A partir daí, foi instaurada oficialmente uma sindicância, assinada pela Capitã-Tenente Rebeca Nascimento Marinho da Silva. A  capitã-tenente é a encarregada da função para apurar as condutas do militar.

De acordo com depoimentos das alunas, e corroborado pela investigação interna, o professor usava em aula falas do tipo “Você cospe ou engole?”, direcionando às meninas; “Você segura e eu balanço”; “Nessa aula ninguém dorme, essa aula aí, hein, é boa” (fazendo referência à tenente instrutora da matéria que seria, de acordo com ele, “boa” como possível alusão ao apelo sexual).

Em outro caso, comentou: “essa OSCA aí, hein?”, e depois fez gestos que sugeriam obscenidade para se referir à oficial de serviço no dia. Segundo uma das testemunhas, Thalles, em uma aula sobre aparelhos vibratórios, comentou: “Mas não é o que vocês usam para dar prazer?”. “Teve um dia que ele comentou que saiu com uma menina e foi para casa dela onde tiveram relação sexual, contando como se fosse algo engraçado”, diz uma testemunha.

A linguagem corporal do instrutor em sala evidencia ainda mais o caráter constrangedor de sua postura em aula. O tenente comumente apoia sua perna no tablado da mesa que fica à frente da sala de aula, em uma posição que abre as pernas em direção aos alunos, tecendo um desconforto nos alunos”, afirmaum trecho da denúncia.

Seguindo o relatório da sindicância, a encarregada aponta que “os alunos do sexo masculino também são frequentemente constrangidos com piadas que implicam em interpretações sexuais, fazendo referência à sexualidade e à vida pessoal dos alunos.”

Uma das pessoas ofendidas traduziu o desconforto provocado: “Não tenho o costume de falar sobre esses assuntos com ninguém, mesmo em outras circunstâncias.” Ainda, as meninas denunciantes relataram que o instrutor “se aproximava muito da mesa dos alunos e apoiava a perna. Tal postura provocava um rompimento da barreira do distanciamento socialmente aceito, de modo que as constrangiam”. Além desses casos, o professor teria feito comentários sobre aspectos íntimos da sua própria vida, como recorrentes ressacas alcoólicas ou a respeito de sua vida sexual com a esposa e outras intimidades.

Enquanto as alunas, distantes de seus pais, procediam o relatório que serviria de base para a sindicância, a capitã-tenente Vânia Santos de Almeida Gonçalves convocou os responsáveis pelas alunas para uma reunião. Na ocasião, foi informada a conduta abusiva do professor e os procedimentos administrativos do Colégio que seriam tomados.

O DCM teve acesso às conversas entre Vânia e mães das alunas em um grupo de WhatsApp, que confirma a reunião que precedeu a sindicância, bem como o teor do encontro. As identidades serão mantidas em sigilo:

Mães das alunas assediadas conversam sobre a convocação do Colégio Naval para uma reunião
Tenente Vânia convoca reunião com pais e mães das alunas para relatar os abusos
Após a reunião, uma das mães relata o motivo do encontro

Uma das mães confirma que a escola ficou a par das denúncias e que o comandante Fernando Barboza alegou não tolerar as condutas do professor. Além das alunas denunciantes serem ouvidas na condição de ofendidas, também depuseram mais cinco alunos na qualidade de testemunhas.

Para a apuração do caso, foram chamados os seguintes oficiais: Capitão de Corveta Elionai do Espírito Santo (Chefe do Departamento de Ensino), Capitã-Tenente Vânia Santos de Almeida Gonçalves (Comandante da 4ª Companhia), Primeiro-tenente Daniel Oliveira Silva de Souza (Ajudante do SOE), Primeiro-Tenente Carolina Melo Costa (Encarregada do SOE), Primeiro-Tenente Naraiane Machado feitosa (Encarregada do Hotel de Trânsito), Primeiro-Tenente Vivian Lopes Bridi, além de Agnaldo Carvalho e Antônio Bartolomeu, professores civis; alvo da sindicância, o Segundo-Tenente Thalles Faleiro Delfim, também prestou depoimento.

A tenente encarregada da sindicância declarou que: “Segundo as diligências realizadas pela encarregada da presente Sindicância, foi possível comprovar os seguintes fatos: |. Falas inadequadas durante as aulas, Il. Piadas e comentários de duplo sentido e Ill. Comentários sobre aspectos íntimos da sua vida”.

Pais e mães foram procurados por uma investigação particular que se propôs a elucidar os fatos e dar melhor encaminhamento para o caso. No entanto, houve uma recusa alegando que não tinham intenção de avançar mais denúncias para não prejudicar assim a futura carreira militar das filhas.

A SENTENÇA

Após a sindicância ocorrer ao longo do segundo semestre de 2024, o comandante Fernando Barboza publicou o parecer sobre o caso somente em 20 de fevereiro deste ano. Na decisão, o tenente Faleiro restou punido apenas com três dias de afastamento das funções, condenado por “transgressão disciplinar”.

Logo que retornou às atividades, Faleiro, promovido de posto, foi realocado em outras funções no Colégio Naval. Não houve abertura de inquérito militar e tampouco o caso foi levado à justiça, procedimentos obrigatórios mediante a gravidade da acusação.

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