Tecnofeudalismo: como as Big Techs substituíram o capitalismo

Da esq para dir: Mark Zuckerberg (Meta), Jeff Bezos (Amazon) e a noiva, Lauren Sanchez, Sundar Pichai (Google) e Elon Musk (X). Foto: Julia Demaree Nikhinson/REUTERS

Chega em breve às livrarias brasileiras “Tecnofeudalismo – O que matou o capitalismo”, novo livro do economista grego Yanis Varoufakis. Ex-ministro da Economia da Grécia e uma das figuras centrais na crise da dívida europeia, Varoufakis retorna ao debate global com uma tese ousada: o capitalismo não existe mais. Em seu lugar, consolidou-se um novo sistema dominado pelas grandes empresas de tecnologia, que ele chama de tecnofeudalismo.

Segundo Varoufakis, as big techs não apenas monopolizaram mercados, mas os substituíram por uma nova estrutura econômica, na qual plataformas digitais operam como feudos contemporâneos. Nessa nova lógica, os usuários tornam-se servos, enquanto empresas tradicionais, que antes detinham o capital produtivo, assumem o papel de vassalos. O motor da economia, antes baseado no lucro e na concorrência, agora se organiza em torno da extração de renda — um processo que lembra a estrutura feudal da Idade Média.

Para sustentar sua tese, Varoufakis diferencia capital de capitalismo. O capital, entendido como meio de produção, sempre existiu, mas o capitalismo surgiu há cerca de 250 anos, quando a principal fonte de riqueza passou da posse da terra para a produção industrial. Agora, com o domínio das plataformas digitais, esse modelo teria sido superado. No tecnofeudalismo, a riqueza não se concentra mais na posse de fábricas ou mercadorias físicas, mas na captura e no controle de dados. A esse novo tipo de capital, o economista dá o nome de capital-nuvem (cloud capital). Diferente do capital industrial, que exigia grandes investimentos em infraestrutura e produção, o capital-nuvem gera valor por meio do controle sobre os fluxos de informação e o comportamento dos usuários.

Um dos exemplos mais emblemáticos dessa mudança, segundo o autor, é a Tesla. Embora produza muito menos veículos do que montadoras como Toyota e Volkswagen, seu valor de mercado é muito superior. O motivo não está na fabricação de carros, mas na coleta e comercialização de dados gerados pelos usuários. “Elon Musk pode desligar o seu carro com um clique. Se você tem um Tesla, ele pode apertar um botão e o seu carro para de funcionar”, alerta Varoufakis. “Isso não é capitalismo.”

Em novo livro, economista explica como redes ditam nosso comportamento: 'As big techs controlam a sua mente'
“Tecnofeudalismo – O que matou o capitalismo”, novo livro do economista grego Yanis Varoufakis. Foto: Reprodução

Essa nova lógica de extração de riqueza também pode ser observada na forma como grandes plataformas estruturam seus negócios. Empresas como Amazon, Google e Meta não operam como mercados no sentido clássico. Em vez de simplesmente vender produtos ou serviços, elas controlam as interações dentro de seus domínios digitais, definindo quais vendedores terão destaque, quais informações serão acessadas e até mesmo quais opções de escolha estarão disponíveis para os consumidores. O usuário que entra na Amazon em busca de uma bicicleta elétrica, por exemplo, não encontrará uma lista neutra de opções, mas um conjunto de ofertas moldado pelo algoritmo da empresa, que determina o que será exibido com base em interesses comerciais. O que antes era um mercado aberto, onde compradores e vendedores interagiam livremente, agora se tornou um feudo digital no qual as regras são ditadas pelos senhores das plataformas.

Essa transformação tem implicações que vão muito além da economia. Para Varoufakis, o tecnofeudalismo também afeta a política e a democracia. Ele alerta para o crescente poder das big techs na mediação da informação e na influência sobre decisões governamentais. O caso de Elon Musk, dono da Tesla, da SpaceX e, mais recentemente, do X (antigo Twitter), ilustra bem essa tendência. Ao controlar plataformas estratégicas, Musk não apenas acumula riqueza, mas adquire um nível de influência que ultrapassa o de muitos governos. Durante a administração de Donald Trump, a presença de bilionários da tecnologia nos círculos de poder dos Estados Unidos foi evidente, com empresários como Peter Thiel exercendo papel central em políticas públicas e decisões estratégicas. O próprio Musk chegou a ser apontado como o “verdadeiro” chefe de Estado americano, tamanha sua capacidade de manipular o debate público e interferir em questões governamentais.

Will Trump and Musk ultimately clash? - The Fulcrum
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o dono do X, antigo Twitter, Elon Musk. Foto: Reprodução

No Brasil, os efeitos dessa nova ordem econômica são ainda mais preocupantes. O país já enfrenta uma forte dependência das plataformas digitais, tanto no comércio quanto na política. Pequenos negócios precisam pagar taxas para anunciar em plataformas como Google e Facebook, e a disseminação de informações falsas é amplificada por algoritmos que favorecem conteúdos sensacionalistas que manipulam milhões de pessoas. O sucesso do crescimento da extrema-direita no mundo é baseado na “liberdade” que suas lideranças têm para criar e espalhar mentiras com a ajuda das big techs, que o fazem conscientemente.

Não importa que seja uma mentira aberrante, sem nenhum nexo com a realidade. Sendo conteúdo produzido pela extrema-direita, os algoritmos o impulsionarão com toda força. Para que se tenha uma ideia da violência colonizadora dos algoritmos das big techs — todas fascistas —, na semana passada, o pai de Elon Musk publicou que Obama é gay e que está casado há mais de 30 anos com uma transexual. Isso mesmo: Michelle Obama seria, segundo a mentira do pai de Musk, uma mulher trans. Não é necessário dizer que, hoje, milhões de estadunidenses não só replicam essa farsa, como acreditam que seja verdade.

Sem regulamentação, o mundo se torna cada vez mais vulnerável ao domínio das big techs, que ditam as regras da economia digital e moldam o espaço público de maneira opaca e incontrolável.

“Tecnofeudalismo – O que matou o capitalismo” chega em um momento crucial, quando governos ao redor do mundo discutem formas de regulamentar as gigantes da tecnologia. O debate em torno da teoria de Varoufakis tem gerado reações variadas. No entanto, mesmo críticos do termo reconhecem que a concentração de poder nas mãos de poucas empresas de tecnologia representa um desafio inédito para a economia global.

O livro de Varoufakis provoca uma reflexão fundamental sobre o futuro da economia digital e da sociedade como um todo. Se o capitalismo foi realmente superado ou apenas passou por mais uma mutação, ainda é uma questão em aberto. O que parece certo, no entanto, é que o domínio das big techs sobre mercados, governos e indivíduos continua crescendo – e, sem regulamentação, o que hoje se apresenta como um feudo digital pode, em breve, se consolidar como um império sem limites.

Conheça as redes sociais do DCM:

⚪Facebook: https://www.facebook.com/diariodocentrodomundo

🟣Threads: https://www.threads.net/@dcm_on_line

Adicionar aos favoritos o Link permanente.