“Querem devorar o mundo”: Krenak fala de Trump, Bolsonaro e Eunice Paiva ao DCM

Ailton Krenak

O filósofo, escritor, ambientalista e membro da Academia Brasileira de Letras Ailton Krenak falou ao DCMTV sobre a relação entre a ascensão do fascismo e a deterioração do planeta. “Eu vejo o derretimento das calotas polares, o planeta esquentando, e esses birutas devem estar com o cérebro derretendo — por isso fazem tanta maluquice. Se essa gente soubesse que o planeta vai derreter, parariam com essa fúria de ‘devoração do mundo’ e tentariam alguma outra estratégia para tirar o planeta dessa roubada em que se meteu”, definiu Krenak.

O capitalismo e o roubo do mundo

O capitalismo é uma panela de pressão que perdeu a válvula. Essa coisa vai explodir. Eu vejo essa reação da extrema-direita como aquela voz das sombras que sempre atuou contra a liberdade e a vida. Na Idade Moderna, conseguimos construir a ideia de democracia, mas antes da democracia já existiam os idiotas da obviedade, que sempre quiseram assaltar e matar, porque é a única coisa que sabem fazer: saquear o mundo.

Você acha que Pero Vaz de Caminha escreveu a carta de Portugal por quê? Foi para dizer que estava com saudade ou para relatar o tamanho do roubo que estavam praticando? Ele disse que a terra era rica e as pessoas boas, o prato ideal para aquele bando de patifes que veio se estabelecer aqui no continente americano. Não é novidade para nós que existe uma fúria entre essas sociedades imersas no mundo da mercadoria. Eles só querem a mercadoria. Eu sugiro que tenhamos apenas o necessário. Assim, a vida na Terra continuaria para todos.

O negacionismo é um egoísmo

O negacionismo se permite fazer qualquer besteira. O negacionista é um egoísta total. Enquanto ele satisfaz esse monstrengo de fúria doente, ele devora o mundo inteiro. Não acredito que o capitalismo tenha a capacidade de compreender o fenômeno que ele mesmo representa para a biosfera do planeta.

O protocapitalismo já era uma célula doente, uma espécie de COVID. O problema é que, em vez de buscar uma vacina para essa doença, as pessoas resolveram alimentá-la. E assim, surgem figuras como Trump, Elon Musk e outros que continuam com a disposição de devorar o mundo.

A extrema-direita quer devorar o mundo

Essa gente que vocês chamam de direita e extrema-direita, na verdade, não tem sofisticação nenhuma, são simplesmente gananciosos que querem devorar o mundo. Como dizia o velho Brizola: eles querem saquear o planeta, com fúria ilimitada, sem se importar com as necessidades de outras comunidades humanas. São tarados.

Falta ainda algum tempo para que percebam que não se pode comer dinheiro. Não adianta guardar dinheiro para os netos, pois as coisas estão indo para um caminho em que não vai sobrar mundo para esses netos. Por que uma pessoa precisa de um trilhão? Ninguém tem tempo suficiente na vida para consumir um trilhão. É como uma cobra minúscula tentar engolir um elefante.

Se você colocar um pão em cima da mesa e houver dez crianças por perto, a primeira atitude delas será dividir o pão. Mas, se houver um adulto, ele verá o pão e o pegará inteiro para si, porque as mãos e a boca cresceram. Devemos olhar para esses extremistas, que querem devorar o planeta, como sujeitos que perderam toda a humanidade e acham que podem controlar as riquezas do mundo exclusivamente para eles.

Com o filho Marcelo, Eunice Paiva recebe a certidão de óbito de Rubens Paiva, seu marido morto pela ditadura em 1971

Tiranossauro Trump

Dez pessoas são trilionárias em todo o mundo… Se mandássemos essas dez pessoas para o fundo do mar, seria um grande favor a todos nós.

Velozes e furiosos, esses extremistas destruíram a Palestina, querem destruir a Ucrânia e, se bobear, viram as costas para a América Latina. É como aquele dinossauro gigante, sabe? Ele tem um topete grande, é loiro e tem cara laranja: o tiranossauro rex.

A ditadura e os povos originários

De 1950 a 1970, os indígenas estavam em contagem regressiva, não apenas no sentido simbólico, mas estavam sendo eliminados. A construção da Transamazônica, que cortou a floresta amazônica, dizimou muitas tribos e aqueles grupos humanos que viviam ali há dois mil anos. De repente, o governo destruiu a floresta de forma impensada, arrasando o território, adoecendo e matando muita gente, num verdadeiro genocídio. O tal ‘milagre econômico’ matou muitas pessoas, portanto, não é milagre, é genocídio.

A raridade para a doutora Eunice Paiva é que ela enfrentou as duas faces da ditadura: aquela que matou o marido dela, Rubens Paiva, invadiu sua casa e sua vida, e a outra que estava eliminando os povos nativos. A defesa jurídica que ela fez é pouco reconhecida, mas ela contribuiu para que a Constituição de 1988 já entendesse que os indígenas são cidadãos, e não uma ‘gente que ainda vai virar gente’, superando o Estatuto do Índio que vigorava até a Constituinte, que tratava os indígenas como crianças sob tutela.

Eu tive a alegria de conviver com a doutora Eunice. Na época, eu estava organizando o movimento indígena e, é claro, não tinha ideia do perigo que estava correndo. Se soubesse, teria corrido para a floresta e não para o congresso, onde pintei meu rosto com tinta preta para protestar contra o fascismo.

Monocultura: a proposta do necrocapitalismo

A monocultura não vai matar só o Brasil, porque, quando se arrasam mais de dois milhões de hectares do cerrado, você fere a diversidade biológica de todo o planeta. O cerrado presta um serviço ambiental ao mundo. Com isso, você muda o clima global. Diversidade gera vida, enquanto monocultura é a proposta do necrocapitalismo, ou seja, mais do mesmo. Mais do mesmo é sempre uma doença.

Bolsonaro irá em cana ou cana de açúcar?

Bolsonaro é um delinquente, uma figura triste, que nem tem inteligência suficiente para se definir e compreender o que é ser um sujeito de extrema-direita ou nazista. Eu tinha dúvidas sobre se Bolsonaro seria preso até o momento em que Trump o desconvidou para a posse, e ele perdeu sua kitnetzinha em Miami. A partir disso, até acredito que ele será preso. Só falta saber se será ‘cana’, ‘cana de açúcar’ ou ‘cana’. O general guardado no quartel tem televisão, videogame e lagosta. Se for assim, a cana doce para eles vai virar um canavial.

A principal ideia para adiar o fim do mundo

Para adiar o fim do mundo é preciso parar. Seria genial se fizéssemos o gesto voluntário de parar. Brincar de estátua por uns dez anos, esperar esfriar a cabeça e o clima para diminuir o derretimento de tudo.

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