Uma abelheira do tempo de Sara Winter desafia Alexandre de Moraes. Por Moisés Mendes

Alexandre de Moraes, ministro do STF. Foto: reprodução

Em março de 2019, com apenas 26 anos, Sara Winter apresentava-se como a face mais radical do extremismo bolsonarista nas ruas de Brasília. A loira que afrontava o Supremo iria atear fogo nos três poderes, com seu pelotão de 300 incendiários.

Naquele março, Nikolas Ferreira não era nem vereador em Belo Horizonte. Poucos sabiam das aventuras de Pablo Marçal, que ainda não havia subido a Serra da Mantiqueira com seus discípulos da prosperidade em meio a um temporal. E Olavo de Carvalho, já adoentado, continuava sendo o guru de quase todos eles.

Pois Sara Winter fez acordo com a Justiça, virou ex-bolsonarista, desapareceu e ninguém sabe onde estava quando quebraram Brasília no 8 de janeiro. Nikolas Ferreira é a voz mais pop do bolsonarismo na Câmara dos Deputados e nas redes sociais.

Pablo Marçal quase chegou ao segundo turno na eleição à prefeitura de São Paulo e virou opção da direita à presidência da República, mesmo que esteja inelegível por decisão da justiça eleitoral de primeira instância. E Olavo de Carvalho é hoje uma alma perdida no purgatório do fascismo.

O tempo vem se arrastando no Brasil. Foi num 14 de março de 2019 que o STF instaurou o inquérito das fake news e dos atos antidemocráticos. A maioria daqueles personagens, mesmo os abalados e alquebrados, como Bolsonaro, continua ativa e se considera viva politicamente.

O inquérito 4.781, que agora completa seis anos, deflagrou tudo o que veio a seguir no cerco de Alexandre de Moraes a criminosos que se aproximaram de Bolsonaro, para obter e garantir proteção, numa troca de favores e planos por dinheiro e pela ambição da perpetuação no poder.

Todos os crimes da extrema direita têm nascedouro lá no que aconteceu em 2018, quando o fascismo chega ao poder, com desmandos que motivam o inquérito aberto por determinação do então presidente do STF, Dias Toffoli.

No dia 27 de maio de 2020, em busca e apreensão autorizada por Moraes, a Polícia Federal bateu em endereços de Bia Kicis, Luiz Philippe de Orleans e Bragança, Carla Zambelli, Daniel Silveira, Luciano Hang, Allan dos Santos, Sara Winter e Roberto Jefferson.

Desse grupo, só tombaram Sara, Daniel Silveira e Roberto Jefferson, que pegaram cadeia e condenações. Bia Kicis continua dizendo que as urnas são suspeitas, Carla Zambelli perseguiu com arma em punho o jornalista negro Luan Araújo pelas ruas de São Paulo e continua impune.

Allan dos Santos está foragido nos Estados Unidos, o príncipe deputado continua deputado pregador de posições trumpistas e bolsonaristas e Luciano Hang se vestiu de novo de verde periquito, agora no poleiro de Gusttavo Lima, o cantor já escolhido como candidato a vice de Ronaldo Caiado.

Tem muito mais gente, mas esses são os mais célebres. Tem mais deputado, tem gente de dinheiro. Tudo dentro do inquérito sem fim, porque a extrema direita surpreendeu Moraes com uma sucessão de crimes que envolvem mais de cem pessoas, civis e militares, incluindo os vampiros da pandemia.

Muitos deles agiram no centro ou no entorno do que passou a ser chamado de gabinete do ódio, instalado dentro do Palácio do Planalto, como consta do primeiro relatório produzido pela Polícia Federal sobre as sindicâncias desse inquérito. O documento foi entregue ao STF em 11 de fevereiro de 2022.

A delegada Denisse Ribeiro, autora do relatório, foi a primeira voz de autoridade policial a se referir à parte mais visível do esquema como sendo uma estrutura formada por milícias digitais. E desde então o Brasil fala do gabinete do ódio e das milícias que espalharam mentira, difamação e ódio, com ameaças dirigidas na maioria das vezes ao próprio Supremo.

Sara Winter liderou o “300 do Brasil”, grupo que atacava diretamente o ministro Moraes. Foto: reprodução

E agora, Moraes? O ministro que levou adiante a eleição de 2020 com uma bravura única, que continua coordenando todos os passos do sistema de Justiça para que o golpismo seja finalmente alcançado, que ainda tem muito trabalho com fraudadores de cartões de vacina e com muambeiros de joias, esse ministro tem que dar um jeito no inquérito de março de 2019.

Essa talvez seja a maior de todas as abelheiras dentro do STF, pelo tamanho, pela diversidade dos crimes, pelos nomes com imunidade, pelas controvérsias sobre como tipificar fake news como crime e pela capacidade de sobrevivência de figuras aparentemente inalcançáveis, como o poderoso véio da Havan.

Como Moraes irá fechar o caso das fake news – que virou inquérito de tudo um pouco –, quando tiver todas as deliberações do Ministério Público, sem correr o risco, se não conseguir enquadrar os citados lá na origem, de atiçar os que estão à espera para dizer eu avisei que iria dar em nada?

Vão continuar dizendo que o inquérito nasceu torto, porque instaurado dentro do Supremo, que Moraes foi escolhido a dedo por Toffoli e que não havia mesmo como juntar provas contra tanta gente.

Estão dentro do inquérito muitos dos que passaram esses seis anos conspirando e não param de conspirar. Essa é a abelheira, com a abelha-rainha quase jogada num canto, mas ainda teimando em reinar.

Publicado originalmente no blog do Moisés Mendes

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