Desesperado, Bolsonaro afirma a aliados que “confia na Justiça”, mas diz ser vítima de “jabuticaba judicial”

O ex-presidente Jair Bolsonaro enviou carta a aliados antes de julgamento de denúncia contra ele. Foto: Brenno Carvalho/Agência O Globo

Desesperado, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) enviou uma mensagem nesta terça-feira (25), horas antes do início do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que pode torná-lo réu por tentativa de golpe de Estado. O texto mostra Bolsonaro se defendendo das acusações da Procuradoria-Geral da República (PGR) e lançando um contundente ataque ao sistema judiciário brasileiro enquanto constrói sua narrativa de perseguição política.

“Trata-se da maior perseguição político-judicial da história do Brasil, motivada por inconfessáveis desejos, por vaidades e por claros interesses políticos de impedir que eu participe e ganhe a eleição presidencial de 2026”, escreveu o ex-presidente, revelando como seu discurso já mira as eleições de 2026 mesmo antes da decisão judicial atual.

A Primeira Turma do STF, presidida pelo ministro Cristiano Zanin, inicia nesta terça-feira a análise da denúncia que acusa Bolsonaro e outros sete aliados de crimes graves como organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático e golpe de Estado. Os cúmplices do golpista que também podem se tornar réus são os ex-ministros Walter Braga Netto (Casa Civil e Defesa), Anderson Torres (Justiça), Augusto Heleno (GSI) e Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), além do ex-comandante da Marinha Almir Garnier e do ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem.

O julgamento, transmitido pelo DCM no YouTube, ocorrerá em três sessões, sendo as duas primeiras nesta terça e uma extraordinária na quarta-feira (26), agendada para às 9h30.

Na mensagem enviada a aliados, Bolsonaro faz uma admissão ao revelar que de fato discutiu “alternativas políticas para a Nação” com auxiliares, mas nega veementemente qualquer intenção golpista.

“Me acusam de um crime que jamais cometi – uma suposta tentativa de golpe de Estado. Conversei com auxiliares alternativas políticas para a Nação, mas nunca desejei ou levantei a possibilidade da ruptura democrática. Sempre agi nas quatro linhas da Constituição. Sempre!”, afirmou.

O ex-presidente não detalha que “alternativas” seriam essas, mas sua defesa no STF deve ser pressionada a explicar essas conversas à luz das acusações da PGR.

O ex-presidente Jair Bolsonaro foi denunciado por tramar um golpe de Estado. Foto: Vinícius Schmidt/Metrópoles

O tom da mensagem alterna entre a defesa jurídica e o ataque político. Bolsonaro critica duramente o andamento das investigações: “Todo o processo jurídico contra mim é uma aberração jamais vista! Investigações demoram seis anos, sem prazo de previsão de término. Pessoas são presas e coagidas a fazer delação premiada para salvar suas famílias”.

Essa referência parece mirar especialmente a delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens que se tornou peça-chave da acusação. Curiosamente, após todo o ataque, a mensagem termina com um lacônico “Confio na Justiça!”, numa aparente tentativa de mostrar respeito às instituições mesmo quando as critica.

Do outro lado, o procurador-geral da República Paulo Gonet mantém a posição firme da PGR, argumentando em suas manifestações que a fase atual do processo – a análise da admissibilidade da denúncia – não exige um exame exaustivo das provas, mas sim uma avaliação preliminar.

“Superadas as preliminares suscitadas pelos denunciados, basta anotar, quanto ao mérito, que a fase processual do recebimento da denúncia é juízo de delibação, jamais de cognição exauriente”, afirmou Gonet, demonstrando confiança na robustez das acusações contra o grupo de Bolsonaro.

A PGR organizou sua estratégia dividindo os 34 denunciados pelo suposto golpe em cinco “núcleos”, sendo que o julgamento atual envolve o chamado “núcleo central” formado por Bolsonaro e seus principais colaboradores no governo.

Leia a carta de Bolsonaro na íntegra: 

Jair Bolsonaro e seus julgamentos.
Leia, peço divulgar. Obrigado.

1. Trata-se da maior perseguição político-judicial da história do Brasil, motivada por inconfessáveis desejos, por vaidades e por claros interesses políticos de impedir que eu participe e ganhe a eleição presidencial de 2026.

2. Jamais um ex-presidente da República do País teve sua vida pessoal, financeira e política devassada de maneira vil e implacável como acontece comigo – sem encontrar uma única prova de qualquer ato ilícito de minha parte. Na devassa pessoal, fiscal e financeira não encontraram um único vestígio, mínimo que fosse, de corrupção.

3. Minha família foi perseguida, investigada e tripudiada nos meios de comunicação, sem dó nem piedade. Hoje tenho um filho que é obrigado morar nos EUA tal o nível de perseguição que ele sofre. Somente a fé em Deus e o apoio da família e dos amigos é que mantiverem de pé.

4. Me acusam de um crime que jamais cometi – uma suposta tentativa de golpe de Estado. Conversei com auxiliares alternativas políticas para a Nação, mas nunca desejei ou levantei a possibilidade da ruptura democrática. As mudanças nos comandos das Forças Armadas foram feitas sem problemas. Sempre agi nas quatros linhas da Constituição. Sempre!

5. Me afastei do país após a eleição porque entendi que seria o melhor para todos, inclusive para o candidato adversário. Não estava aqui no 8 de janeiro de 2023 e, no mesmo dia à noite, postei uma mensagem repudiando os atos violentos cometidos por aqueles que exerceram o direito legitimo de protestar, sem violência, como foi o caso da maioria dos manifestantes.

6. Todo o processo Jurídico contra mim é uma aberração jamais vista! Investigações demoram seis anos, sem prazo de previsão de término. Pessoas são presas e coagidas a fazer delação premiada para salvar suas famílias. As defesas são cerceadas, as investigações correm em segredo de Justiça e realizadas prisões arbitrárias.

7. A avaliação de uma denúncia contra um ex-presidente da República é feita por uma Turma do Supremo Tribunal Federal e não pelo plenário da Corte. Na banca de julgadores, dois conhecidos desafetos meus e um terceiro elemento que foi advogado do meu adversário eleitoral em 2022!

8. O relator do processo é, ao mesmo tempo, vítima, investigador e julgador de sua própria causa – outra aberração, uma verdadeira “jabuticaba judicial”, impensável e inimaginável em verdadeiras democracias e num pleno Estado Democrático de Direito.

9. As ditas “provas” de acusação se baseiam numa única delação premiada! Na verdade, em onze versões de uma única delação premiada, que foi modificada ao longo dos anos por pressão dos inquisidores e suas permanentes ameaças à integridade física, moral e familiar do delator.

10. Registro que desde a primeira versão da delação, os investigadores, o magistrado e a PGR a consideraram como “A VERDADEIRA”, “A INQUESTIONÁVEL” para a comprovação dos supostos “crimes cometidos”, status que mudava a cada novo depoimento corretivo. Qual seria, então, a verdadeira delação? A primeira? A última? Todas ou nenhuma delas?

11. Houve um total cerceamento da defesa! Soubemos das onze versões da delação premiada pelo seletivo vazamento da imprensa. As investigações ocorreram em segredo de Justiça e quando os documentos delas foram apresentados à defesa não houve acesso integral as mídias que as compunham.

12. O pequeno prazo para a defesa analisar mais de 1.200 páginas é uma afronta ao direito de defesa! A estratégia da acusação foi a de encaminhar um calhamaço de informações, com pouco prazo para análise das “provas”, que estão incompletas. A celeridade do processo, uma vergonha, como tem mostrado a mídia.
E é a isso que chamam de Justiça?

13. Não estava em Brasília no dia 8 de janeiro de 2023, não foi encontrada nenhuma referência em meus celulares sobre a organização da manifestação e mesmo assim querem, injustamente, me vincular aos atos daquele dia, que teriam a intenção de “depor” um governo eleito.

14. Me acusam disso, mas não promoveram nenhuma investigação mais profunda sobre a postura do general Gonçalves Dias, ministro-chefe do GSI do novo governo, homem de confiança do presidente recém-empossado, filmado indicando a saída dos invasores do Palácio do Planalto, conivente com os “atos de vandalismo” no local.

15. Sou acusado ainda de promover uma tentativa de “golpe de Estado” sem qualquer prova. Durante os quatro anos do meu governo foram realizadas duas eleições com milhares de candidatos, mais de três dezenas de partidos de diversas matizes sem um único incidente grave! Todos os eleitos tomaram posse.

16. A democracia prevaleceu! Não houve golpe de Estado, o candidato adversário tomou posse, sai do País, não estava aqui no dia 8/1 e mesmo assim tentam me condenar. Sabem que se eu disputar a eleição presidencial de 2026 serei vitorioso e colocarei, novamente, o Brasil no rumo certo.

Confio na Justiça!

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