Nikolas chora e os liberais se jogam nos braços da extrema direita. Por Moisés Mendes

Nikolas Ferreira chorou no palco do Fórum das Liberdade. Foto: Divulgação

Liberais são intensos e emotivos. No momento mais apoteótico do Fórum das Liberdade, o grande evento do liberalismo brasileiro, depois de uma sequência de ataques a Lula, a Janja e ao Supremo e de defender a anistia para os golpistas, o palestrante Nikolas Ferreira foi ovacionado e fraquejou.

Nikolas chorou no palco do Centro de Eventos da PUC, em Porto Alegre. Tinha gente sentada e em pé, recostada nas paredes, naquela que foi, na sexta-feira, a mais concorrida conferência do Fórum.

Nikolas saiu dali consagrado como a voz mais potente da direita e do liberalismo chique que antes da ascensão do bolsonarismo tinha outros gurus e outras referências. O mineiro falou sobre liberdade num momento em que os liberais já não sabem direito do que se trata, ou o deputado não estaria ali.

Nikolas brilhou no mesmo evento que já teve as mentes brilhantes de Mario Henrique Simonsen, Roberto Campos, Pedro Malan, Claudia Costin, Paulo Francis, Eduardo Giannetti da Fonseca, Paulo Rabello de Castro, André Lara Resende, Edmar Bacha.

Esse ano, as estrelas foram Nikolas, Marcel Van Hattem, Romeu Zema e Eduardo Leite. Sentaram-se onde já estiveram Mario Vargas Llosa, Ozires Silva, o Nobel Gary Becker, Gustavo Franco, Jorge Caldeira e muita gente de esquerda, entre os quais Lula, Mercadante, Mario Covas.

O fórum que persegue desde os anos 80 o sentido do que possa ser liberdade, não só no sentido econômico, aconteceu esse ano em meio à sabotagem a todas as liberdades pelo trumpismo – liberdade econômica, liberdade de pensamento, liberdade individual.

Sobrou Nikolas Ferreira, o sujeito que ataca e debocha de transgêneros e tudo o que possa ser considerado diferente. Foi aplaudido de pé por empresários e executivos de uma elite liberal que seguia, até pouco tempo, as recomendações de gente do tamanho de um Pedro Malan.

Não segue mais. Malan cometeu um erro na última vez em que esteve em Porto Alegre, em 2017, e fez a seguinte pregação: “Uma sociedade em que vale a pena viver é a que procura combinar liberdade de expressão e de empreender com essa busca por justiça social”. Adeus, Malan. Foi aplaudido protocolarmente e foi embora como um convidado incômodo.

O tema do fórum desse ano focou no que importa, que nunca seriam as preocupações coletivas de Malan, mas a liberdade das escolhas individuais. Porque – dizia o programa do evento – é “na coragem de defendê-las que encontramos o caminho para um Brasil onde a liberdade não sucumbe ao autoritarismo”.

O tema central era ‘Coragem para escolher’. Com esse alerta: “Aqui, o futuro não é definido pelo efeito manada, mas construído através de escolhas conscientes e corajosas de cada indivíduo”.

Oito anos atrás, no mesmo evento em que Malan esteve, Eduardo Gianetti da Fonseca destacou o direito às liberdades e defendeu maior abertura do mercado brasileiro, “o terceiro mais fechado do planeta”, ao mundo globalizado. O mercado mais fechado hoje é o americano, que os liberais idolatravam. Malan e Gianetti são figuras fora do catálogo liberal.

Ser liberal era, como já pregaram no Fórum, em nome de todas as liberdades, defender até a compra e o uso sem restrições de drogas. Hoje, ser liberal é ouvir o pregador da moral bolsonarista Nikolas Ferreira e chorar com ele, quando disse frases como essas:

“Não estamos vivendo em uma normalidade democrática. Quem não atenta pra isso, pra mim, não tem caráter, ou está se beneficiando disso de alguma forma. Ou, de fato, é uma ignorância de um nível que ultrapassa a minha capacidade de compreender.(…) Em grande parte, o que falta no Congresso são virtudes.(…) “Pior do que a mentira é uma falsa verdade”.

E assim, ao lado dos novos gurus da extrema direita, caminha o liberalismo brasileiro, num momento em que Trump fecha os Estados Unidos a outros mercados e em que a China passa a ser a defensora do livre comércio.

Como Nikolas Ferreira se encaixa nesse cenário? Como um pregador religioso que fala para homens que menos de 10 anos atrás eram os defensores das liberdades e da racionalidade dos mercados sem barreiras.

Quem disser que nada fecha, que não há coerência entre o que eles pensam e o que Nikolas defende, não está entendendo nada. O Fórum da Liberdade virou uma igreja para muito além da pregação do vale tudo do liberalismo.

Tanto que Nikolas bradou: “Almas precisam ser levadas a sério. Todo o que você fala vai reverberar em uma alma. A sociedade moderna é uma crise espiritual disfarçada de crise política”.

Só faltou um momento de exorcismo no palco. Pedro Malan, Gianetti, Bacha e outros não passariam hoje nem na calçada do prédio onde se realiza o evento. Liberdade, que já foi uma calça velha azul e desbotada, é agora um Nikolas Ferreira que chora ao falar de almas perdidas e leva os liberais ao delírio.

(A foto de Nikolas chorando no Fórum da Liberdade é de Duda Fortes, da Agência RBS)

FASCISMO RASO

Informo, como acréscimo pessoal, que cobri pelo menos seis edições do Fórum da Liberdade. Vi performances de celebridades do liberalismo com as quais poderia discordar. Muitas eram envolventes e se sustentavam na certeza de que interesses coletivos e decisões individuais não são conflitantes. Raras vezes ouvi mediocridades. O que se percebe hoje é que o Fórum da Liberdade se rendeu ao fascismo raso.

Confira um trecho do Fórum da Liberdade:

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