Fixação de Trump com déficit comercial dos EUA é ‘tola’ e enganosa, dizem economistas

Por trás da decisão do presidente Donald Trump de atingir alguns dos maiores parceiros comerciais dos Estados Unidos com tarifas rígidas está sua fixação no déficit comercial que os EUA têm com outras nações. Mas muitos economistas dizem que essa é uma métrica ruim para julgar a qualidade de uma relação comercial.

As tarifas elevadas, que entraram em vigor em quase 60 parceiros comerciais na semana passada [mas ganharam um alívio temporário pelo presidente ontem], foram calculadas com base em déficits comerciais bilaterais, ou a diferença entre o que os Estados Unidos vendem a cada país e o que compram.

Trump há muito vê essa lacuna como evidência de que a América está sendo “roubada” por outros países. Ele argumenta que o comportamento injusto de outros nações tornou o comércio tão distorcido e que os Estados Unidos precisam ser capazes de fabricar mais do que consomem. Com sua mais nova rodada de tarifas, o presidente declarou que o déficit comercial dos EUA era uma emergência nacional, dando-lhe o poder de impor tarifas imediatamente.

Mas os economistas argumentam que essa é uma maneira falha de abordar a questão, uma vez que os déficits comerciais bilaterais surgem por muitas razões além das práticas desleais.

“É totalmente tolo. Não há outra maneira de dizer isso. Não faz sentido”

— Dani Rodrik, economista que estuda globalização na Universidade de Harvard, sobre foco de Trump nos déficits bilaterais

Alguns economistas concordam com o governo Trump que o déficit comercial geral dos Estados Unidos com o resto do mundo reflete um problema para a economia dos EUA, porque eles são muito dependentes da manufatura em outros lugares, inclusive na China.

O déficit comercial dos EUA atingiu um recorde de US$ 1,2 trilhão no ano passado, com o aumento das importações. Mas outros não veem isso como um problema. E quase todos os economistas dizem que focar nos desequilíbrios de país para país pode ser altamente enganoso.

No ano passado, por exemplo, os Estados Unidos tiveram superávits comerciais bilaterais com 116 países em todo o mundo. E déficits comerciais com 114 países, de acordo com dados do Banco Mundial.

Olhando o fluxo comercial

Muitas vezes, essas relações apenas seguem o fluxo de comércio, sem sugerir muito sobre as práticas comerciais de um país em geral. Matthew Klein, que escreve sobre economia para The Overshoot, aponta que os Estados Unidos têm um superávit comercial com a Austrália porque enviam muitas máquinas, equipamentos de transporte e produtos químicos.

A Austrália tem um superávit comercial com a China, enviando-lhe minério de ferro, gás natural e ouro. E a China tem um superávit comercial com os Estados Unidos, enviando-lhe peças de automóveis, eletrônicos e baterias.

Os Estados Unidos também têm superávits comerciais substanciais com a Holanda e Cingapura, apontou Klein. Mas isso não é porque os holandeses e cingapurianos consomem muito mais produtos americanos do que outras nações.

É porque esses países abrigam grandes portos que importam produtos americanos. A Holanda descarrega mercadorias dos EUA em seus portos e as envia por toda a Europa para outros consumidores, enquanto Cingapura faz algo semelhante para a Ásia. Mas a balança comercial é calculada com base no país em que o bem chega primeiro, não em seu destino final.

Os economistas também criticaram as tarifas de Trump por visar todos os fluxos de comércio exterior indiscriminadamente, sem levar em conta o quão estratégico é o bem para os Estados Unidos ou mesmo se o país pode realmente fabricá-lo.

O foco de Trump nos déficits comerciais bilaterais significa que, mesmo aliados próximos dos EUA, como Canadá, México e Europa, são considerados inimigos quando se trata de comércio, porque vendem aos Estados Unidos mais do que compram.

A Suíça também acabou com altas tarifas, em parte porque o país exporta muito ouro para os Estados Unidos, assim como o pequeno Lesoto, onde a renda média anual é de US$ 3.500. O Lesoto recebeu tratamento comercial preferencial sob a legislação aprovada em 2000 e agora fabrica jeans para os americanos.

Cálculo simplista

As tarifas de Trump são calculadas por uma fórmula simples, que se resume a dividir o déficit comercial que os EUA administram com cada país pelo valor dos bens que os EUA importam dele. Essa fórmula significa que, até que as importações e exportações dos EUA para todos os países se equilibrem, outros países enfrentarão tarifas adicionais, independentemente de o país fornecer aos Estados Unidos tecnologia avançada, brinquedos, grãos de cacau ou milho.

O cálculo ignora a ideia de que alguns países podem ser melhores na fabricação de certos produtos do que outros, ou que a importação de certos produtos pode beneficiar os americanos. Também exclui dados sobre qualquer comércio de serviços – como serviços financeiros, turismo e educação – que é o segmento da economia em que a maioria dos americanos trabalha.

Mary Lovely, pesquisadora sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional, disse que a fórmula “dá um brilho de ciência ao que é essencialmente uma abordagem inventada”. A fórmula faz várias suposições extremamente irrealistas, diz ela, incluindo que a demanda do consumidor dos EUA responde de forma semelhante a todas as importações.

Essa resposta “não pode ser a mesma para todos os produtos de todos os países”, disse ela. “Como a oferta dos EUA responderá às tarifas mais altas sobre o cacau e a borracha natural da Costa do Marfim? Da mesma forma que responde a tarifas mais altas sobre máquinas da Europa?, pergunta.

Os conselheiros de Trump defenderam sua metodologia. Stephen Miran, presidente do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca, disse em uma entrevista que o presidente foi “claro por décadas que acha que os déficits comerciais bilaterais são um grande problema para os americanos”.

Miran argumentou que o déficit comercial poderia ser um “proxy para a totalidade das políticas econômicas que causam déficits comerciais persistentes”. O governo Trump fez muitas análises da situação, disse ele, e o presidente decidiu que a abordagem “era o caminho mais justo para os trabalhadores americanos”.

Em depoimento perante o Congresso na quarta-feira, Jamieson Greer, representante comercial dos EUA, apontou para políticas discriminatórias em lugares como União Europeia, Brasil e Índia que resultaram em crescentes déficits comerciais. Ele disse que o déficit comercial dos EUA foi “impulsionado por essas condições não recíprocas” e chamou isso de “uma manifestação da perda da capacidade da nação de fazer, crescer e construir”.

“É perigoso, e o presidente reconhece a urgência do momento”, disse Greer.

O governo também parece ver o foco nos déficits comerciais bilaterais como uma forma de entender o fato de que os produtos da China parecem ter sido encaminhados por outros países para os Estados Unidos. Depois que Trump impôs tarifas à China em seu primeiro mandato, muitas fábricas se mudaram para fora da China para evitar as tarifas, mas continuaram a depender de peças, matérias-primas e tecnologia chinesas.

Com a nova fórmula tarifária de Trump, os países que foram o destino dessas fábricas e tiveram seus superávits comerciais com os Estados Unidos disparados nos últimos anos serão duramente atingidos.

O governo Trump provavelmente está certo de que, em alguns casos, as barreiras ao comércio que os países estrangeiros estabeleceram reduziram a quantidade que os Estados Unidos exportam para esses lugares e exacerbaram os déficits comerciais.

E muitos países, particularmente na Ásia, subsidiaram suas indústrias manufatureiras de maneiras que lhes permitem vender mercadorias a preços muito mais baixos, tornando a produção dos EUA dos mesmos produtos antieconômica e fazendo com que os déficits comerciais dos EUA com esses países aumentem.

Problema errado?

Michael Pettis, professor de finanças da Universidade de Pequim, que estuda o assunto, disse que as novas tarifas podem redirecionar a forma como o comércio se move através de certos países, mas ainda não fazem muito para mudar o tamanho do déficit comercial geral que os Estados Unidos têm com o mundo. “Eles estão se concentrando no problema errado, déficits bilaterais”, disse Pettis.

Pettis vê o déficit comercial geral que os Estados Unidos têm com o mundo como um problema para a economia americana, porque significa que a demanda do consumidor americano por bens sustenta a atividade manufatureira em outros lugares, como na China, e não nos Estados Unidos.

Mas ele insiste que os desequilíbrios comerciais que os Estados Unidos têm individualmente com outros países nem sempre refletem esse problema, e que as tarifas não necessariamente farão muito para corrigi-lo.

Em sua opinião, as políticas governamentais em lugares como China, Alemanha, Coreia do Sul e Taiwan estão gerando grandes superávits comerciais. Como todo superávit comercial precisa de um déficit para equilibrá-lo, isso acaba inflando o déficit comercial dos EUA. Sem mudanças econômicas maiores na China e em outros países, esses problemas ainda persistirão, argumenta ele. “Há um problema sério”, disse ele. “Não estamos vendo a melhor solução para esse problema.”

Outros economistas ainda contestam a ideia de que ter um déficit comercial geral com o resto do mundo seja um problema para os Estados Unidos. Outros fatores, como gastos do governo dos EUA e fluxos de investimento, são o principal impulsionador do déficit comercial dos EUA, não a demanda por bens, argumentam. E eles dizem que, se as tarifas de Trump reduzirem o déficit comercial geral, é mais provável que seja porque afundaram a economia dos EUA ou afastaram os investidores dos Estados Unidos, minando a confiança do mundo no dólar americano e em seus mercados.

Rodrik, o economista de Harvard, disse que não havia “absolutamente nenhuma relação entre o déficit comercial de um país e o desempenho dele”. Ele ressaltou que, tanto a Venezuela quanto a Rússia têm superávits comerciais. “Os Estados Unidos realmente querem ser uma Venezuela ou uma Rússia?”

Este artigo foi publicado originalmente no The New York Times.

c.2025 The New York Times Company

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