
No ano passado, o governo do Estado de São Paulo realizou dois leilões para concessão da gestão de 33 escolas estaduais para a iniciativa privada. Agora, no início de abril, um novo edital de licitação publicado pelo governador Tarcísio de Freitas colocou mais 143 escolas neste processo. O movimento foi cercado de resistências, mas, ao que tudo indica, deve continuar.
Muito conhecidas por acelerarem o desenvolvimento do setor de infraestrutura no Brasil, as Parcerias Público Privadas (PPPs) começam agora a ganhar força também em segmentos mais delicados, como educação e saúde. Apesar das discussões acaloradas em torno do assunto, a quantidade de iniciativas deste tipo já somam 306 projetos em todo o País nos mais diferentes estágios, sendo 156 na saúde e 150 na educação, conforme levantamento feito pelo Radar PPP para o InfoMoney.
Desde 2020, a quantidade de contratos efetivamente assinados por ano saltou de apenas um da educação para três na mesma área e quatro na saúde em 2024. Só neste primeiro trimestre de 2025, já foram assinados dois na educação e um da saúde, de acordo com o estudo.
O sócio da consultoria Radar PPP, Frederico Ribeiro, acredita que, assim como foi importante para o avanço em muitos segmentos de infraestrutura, as parcerias público privadas também devem ajudar a acelerar os projetos nos setores sociais.
Atualmente existem 5.749 iniciativas de PPPs e concessão distribuídas em 19 segmentos diferentes no Brasil, incluindo saúde e educação. “E pelo avanço desses projetos na área de iluminação, resíduos, água e esgoto, já está provado que o modelo dá muito certo, permitindo maior transparências e controle nas contas e, principalmente, no avanço dos serviços”, disse Ribeiro.
Na área de iluminação pública, por exemplo, não havia nenhuma iniciativa em 2014 e hoje já são mais de 700, desde que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) transferiu a responsabilidade de manutenção da energia pública aos governo municipais. “Depois dessa decisão, os governos buscaram formas mais eficientes de fazer isso, e o modelo de PPP fez com que as iniciativas deslanchassem por todo o País”, explica.
Agora, isso deve avançar também nas área sociais, que, por lei, têm obrigação de destinar um importante percentual dentro dos orçamentos para isso. “Apesar das carências dos dois setores, há muitos recursos direcionados para eles e precisam do maior controle que uma PPP permite”, afirma Ribeiro.
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Diferenças nos contratos
O especialista explica que há diferenças básicas entre as PPPs e concessões comuns. Na concessão de uma estrada, por exemplo, é comum que a iniciativa privada tenha como parte do pagamento pelo serviço a receita que advém dos usuários, que pagam o pedágio, como no caso da Via Dutra. Por outro lado, em uma rodovia no Pará, que não tenha uma grande movimentação, o governo pode complementar o pagamento para que a concessionária preste o serviço.
Já nas PPPs sociais a concessão é administrativa e a receita vem totalmente do pagamento do poder público pela construção e manutenção das escolas e hospitais.
O segredo para isso tudo funcionar está no contrato bem amarrado, que definirá os controles de forma clara e detalhará todas as formas de fiscalização e penalização por problemas futuros, segundo o advogado Fernando Vernalha, do escritório Vernalha e Pereira, especializado em PPPs.
“Quando a administração pública constitui uma parceria público privada para prestar um serviço, os números ficam mais visíveis, inclusive deixando tudo disponível para a sociedade, que poderá saber quanto o Estado está gastando na prestação daquele serviço e até quando dura o acordo”, explica.
Segundo ele, para preparar projeto desses é preciso um estudo aprofundado de viabilidade econômica, que determina todos os números envolvidos naquela prestação de serviço, desde o investimentos na construção até o custeio da manutenção ao longo do prazo.
“Como o concessionário é obrigado a construir o prédio escolar e depois fazer a manutenção, para ganhar com o serviço, se garante que será utilizado bons materiais de forma que facilite seu trabalho para manter aquilo ao longo dos anos. Além disso, pode-se prever penalidades se houver descumprimento do que for estabelecido”, explica Vernalha.
Com mais de 20 anos, o marco de PPPs prevê que o contrato seja público e tenha características bem diferentes de uma licitação, permitindo maior rapidez tanto na construção de prédios como em sua manutenção. “E não tem diferenças entre os setores, porque os contratos em geral são longos, mais de 20 anos. O que exige também uma estrutura mais sólida da empresa que concorrerá ao serviço”, acrescenta o advogado.
Resistências
Mesmo com todos esses pontos a favor, as concessões enfrentam resistências especialmente nas áreas sociais. Mas os especialistas indicam que hoje já mais questões ideológicas e políticas envolvidas do que práticas. Alguns educadores dizem que será a porta de entrada para o controle da educação. O último leilão das PPPs escolares em São Paulo foi um bom exemplo disso, com protestos de sindicatos profissionais e associações estudantis e até brigas judiciais.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) chegou a suspender em fevereiro o decreto do governador Tarcísio de Freitas que autorizava licitação para privatizar a gestão das 33 escolas. A ação foi um pedido do PSOL de São Paulo, que alegava que a medida violava a Constituição e que a afetaria o ensino.
Veja as principais críticas dos de movimentos sociais, sindicatos e especialistas em políticas públicas:
Risco de privatização indireta de serviços essenciais, como saúde e educação, constitucionalmente garantidos como dever do Estado; |
Possível perda de controle público sobre decisões estratégicas e pedagógicas; |
Enfraquecimento do papel do Estado como provedor direto de serviços, sobretudo para populações vulneráveis; |
Desigualdade no acesso e qualidade dos serviços, caso os contratos priorizem eficiência financeira em detrimento da função social; |
Falta de transparência na elaboração e fiscalização dos contratos, que muitas vezes envolvem grandes volumes de recursos por longos períodos. |
Discussões
Para o economista, professor da FGV e sócio da GO Associados, Gesner Oliveira, as privatizações sempre levantam discussões desde o governo Fernando Henrique. “Mas muitos processos foram positivos e o modelo de PPPs vem se mostrando bastante eficiente em vários locais do mundo, a exemplo do que aconteceu por aqui na área de infraestrutura”, afirma o especialista.
Segundo ele, isso acontece porque, uma vez contratado, o parceiro privado pode trabalhar com mais agilidade, novas tecnologias, além de fazer negociações mais rápidas para aquisições de materiais, bem diferente das licitações exigidas no poder público. Por outro lado, ao Estado caberá a fiscalização de um único contrato e não mais vários para as várias escolas e hospitais.
“Hoje, há uma grande dificuldade porque se faz um grande investimento nas escolas, elas são inauguradas, mas ao longo do tempo, a instabilidades levam a uma dificuldade de se manter as instalações adequadas, como aconteceu com os Cieps no Rio de Janeiro, que eram fantásticos instrumentos quando inaugurados, mas não se conseguiu manter”, acrescenta.
Os especialistas alegam que, ao assumir tanto a construção como a manutenção de escolas e hospitais, os profissionais podem ficar focados no que é essencial, atender a população e a questão pedagógica. “Uma diretora não tem conhecimento de instalação hidráulica ou elétrica. Se o parceiro privado tem expertise de manutenção e faz isso em várias escolas ele consegue fazer um trabalho mais adequado e barato, liberando o corpo docente para fazer seu trabalho, que é educar”, disse Gesner.
O economista ainda frisa que os contratos das PPPs são submetidos a todo o processo de licitação e qualquer um sabe o que ele prevê. “Diferente da miríade de contratos pequenos emergenciais que cada escola acaba fazendo para manutenção e reparos, o contrato é global com um parceiro privado, de longo prazo, até 20 anos. Se não for cumprido há penalidades. Então é uma relação mais objetiva e transparente”.
Histórico
A licitação em São Paulo envolve a construção de 33 escolas por 25 anos, em dois contratos que somam quase R$ 7 bilhões pagos às concessionárias Consórcio SP + Escolas e Novas Escolas Oeste SP pela gestão das unidades. Com isso, as unidades de ensino deixam de ter vários contratos para serviços como merenda, segurança e manutenção e o governo passa gerir apenas um acordo por lote.
Toda a parte educacional seguirá sendo feita por servidores do estado, sob as regras da Secretaria da Educação. Projeto semelhante foi iniciado em Minas Gerais, em 2022, abrangendo apenas três unidades. Já no Paraná, o estado sancionou em junho do ano passado uma lei para terceirizar 200 escolas já existentes. Depois de muitas discussões, o projeto foi retomado neste ano.
Apesar das discussões o advogado Leonardo Moreira Costa de Souza, sócio do Ciali Moreira Advogados que trabalha com PPPs há 20 anos, acredita que, no final, as pessoas verão a evolução que essa proposta traz, de não mudar quando os governos mudam, de quatro em quatro anos. “Não é um processo rápido, porque leva mais de dois anos para ser modelado e concluído, mas é uma evolução importante para o poder público, que passa a gerir um grande contrato e não mini contratos para cada unidade, sem substituir nem médico, nem professores”, disse.
Para os especialistas, diante de um cenário de restrição fiscal e pressão por melhorias nos serviços públicos, as PPPs devem continuar avançando. Mas o desafio está em garantir que esse crescimento ocorra com transparência, equidade, responsabilidade e escuta social, evitando que o remédio se torne um novo problema para o sistema público.
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