De Gandhi a Glauber Braga: as greves de fome que marcaram a história

O deputado Glauber Braga anunciando sua greve de fome no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Reprodução YouTube

O deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) está em greve de fome em protesto contra o avanço do parecer que recomenda a cassação de seu mandato no Conselho de Ética da Câmara. “Estou há 30 horas e 30 minutos fazendo somente a ingestão de líquidos”, declarou o parlamentar às 6h30 da manhã desta quinta-feira (10).

A iniciativa, que ele classificou como uma “tática radical” e “decisão política”, é uma resposta direta ao que chamou de perseguição articulada por Arthur Lira (PP-AL), ex-presidente da Câmara, em represália às críticas que tem feito ao orçamento secreto.

A sessão da Comissão de Ética que aprovou o parecer contra Glauber, com placar de 13 votos a 5, foi marcada por tumultos, protestos de aliados e críticas à condução dos trabalhos. Glauber, que permanece em jejum no plenário, afirmou que só encerrará a greve após a conclusão do processo. “Vou às últimas consequências”, disse. A deputada Luiza Erundina, do mesmo partido, também declarou apoio ao ato.

Embora o plenário da Câmara ainda precise confirmar a cassação — com pelo menos 257 votos favoráveis —, a decisão já colocou Braga no centro de um debate que resgata outras greves de fome marcantes, usadas como instrumento político e forma de resistência não violenta.

Outras greves de fome que marcaram a política

Ao longo da história, políticos, religiosos, militantes e prisioneiros usaram o jejum extremo para pressionar governos ou denunciar injustiças. No Brasil, na Bolívia, em Cuba, na Irlanda e na Índia, casos semelhantes chocaram e mobilizaram a opinião pública.

Em novembro de 2024, o ex-presidente da Bolívia Evo Morales iniciou uma greve de fome para forçar o governo de Luis Arce a abrir diálogo sobre a crise econômica e política. Junto ao jejum, pediu que seus apoiadores suspendessem bloqueios de estradas, tentando manter a mobilização sob controle. A ação ocorreu em meio a um racha interno no MAS (Movimento ao Socialismo), partido de Morales e Arce.

No Brasil, em 2010, o deputado Domingos Dutra (PT-MA) passou sete dias sem se alimentar em protesto contra a aliança entre seu partido e Roseana Sarney (PMDB-MA) nas eleições estaduais.

Um caso extremo aconteceu com Abimael Guzmán, o ex-líder do Sendero Luminoso, no Peru. Em 2001, já preso, ele iniciou uma greve de fome com outros detentos para exigir novo julgamento. Em 2010, voltou a jejuar em protesto contra a proibição de se casar com Elena Yparraguirre, também detida. A medida, no entanto, não teve apelo público e foi ignorada pelo governo.

Na Sérvia, Vojislav Šešelj, líder do Partido Radical Sérvio, recorreu à greve de fome em 2006 enquanto estava preso pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia. O protesto durou 28 dias e foi interrompido quando o tribunal cedeu ao seu pedido de escolher a própria defesa.

Tradição milenar

A greve de fome tem registros desde o século 8 na Irlanda. À época, era comum que a vítima de uma injustiça jejuasse diante da casa do ofensor como forma de cobrar uma reparação. Já no século 20, a prática ganhou força como estratégia política.

O caso mais dramático ocorreu na Irlanda do Norte em 1981. Dez prisioneiros do Exército Republicano Irlandês (IRA), liderados por Bobby Sands, jejuaram por até 73 dias em protesto contra o fim do status de presos políticos. Sands foi eleito deputado enquanto ainda estava preso e em greve. Morreu aos 27 anos, após 60 dias sem comer, e se tornou mártir da causa republicana.

Na Índia, Mahatma Gandhi (1869-1948) fez greves de fome ao longo de sua trajetória. Seu jejum mais longo durou 21 dias. Gandhi usava o corpo como ferramenta de pressão política, buscando a independência indiana e a reconciliação entre hindus e muçulmanos. Sua popularidade obrigava o governo britânico a ceder, temendo a repercussão global de sua morte.

Greves de fome no Brasil e na ditadura

Durante a ditadura militar (1964-1985), presos políticos realizaram greves de fome em protesto contra torturas, prisões arbitrárias e em defesa da anistia. A mais simbólica ocorreu em 1979, envolveu dezenas de prisioneiros em todo país e durou 32 dias. Pressionado, o Congresso aprovou a Lei da Anistia em 22 de agosto daquele ano. O episódio teve repercussão internacional e marcou o início do processo de redemocratização.

Mais recentemente, em 2007, o bispo Dom Luís Flávio Cappio passou 24 dias em jejum contra o projeto de transposição do rio São Francisco. E, em 2009, o italiano Cesare Battisti, preso no Brasil, jejuou por 10 dias para protestar contra a possível extradição.

O limite do corpo

A resistência física de quem entra em greve de fome depende de vários fatores, como a reserva de gordura corporal, a ingestão de líquidos e nutrientes e a condição clínica prévia. Após três dias de jejum, o organismo começa a usar a gordura como fonte de energia, produzindo cetona, substância que, em excesso, causa cetoacidose. A partir da terceira semana, com o esgotamento das reservas, o corpo começa a consumir músculos e órgãos vitais. Em média, a morte ocorre por inanição entre 45 e 60 dias, mas há registros de sobrevivência por até 100 dias com suporte mínimo de vitaminas, água e sais.

O caso mais trágico do século 21 foi o do cubano Orlando Zapata Tamayo, que morreu em 2010 após 85 dias em greve de fome. Preso desde 2003, protestava contra as condições desumanas nas prisões de Cuba. Seu companheiro, Guillermo Fariñas, também aderiu ao jejum em homenagem ao amigo morto e chegou a ser internado em estado grave após ataques de hipoglicemia. Fariñas, até 2010, já havia realizado 23 greves de fome desde 1995.

Um método de pressão que ainda resiste

A greve de fome serve como denúncia pública e exige visibilidade para surtir efeito. No caso de Glauber Braga, ainda é cedo para saber se sua estratégia provocará reações políticas ou mudanças no desfecho do processo de cassação. Mas o ato o inscreve numa longa linhagem de homens e mulheres que, em diferentes momentos e países, decidiram arriscar a vida para manter uma posição política — sem levantar a mão, sem empunhar armas, mas com o próprio corpo como trincheira.

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