Fraga quer congelar o salário mínimo — e descongelar os fantasmas dos anos 90

Fraga e FHC: reinaram no tempo da fome e da pobreza extrema

Se não fosse dito por ele mesmo, pareceria piada de mau gosto. Durante a Brazil Conference, em Harvard e no MIT, o economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central no governo FHC, defendeu que o Brasil congele o salário mínimo em termos reais pelos próximos seis anos.

A proposta, segundo ele, seria parte de um necessário “ajuste fiscal”.

Mas para quem conhece o histórico de Fraga e os efeitos sociais de sua gestão, a fala soa mais como um déjà vu das mazelas dos anos 90, quando o salário mínimo mal ultrapassava os 100 dólares e a pobreza era tratada como um mero número em planilhas econômicas.

É importante lembrar: o período em que Fraga comandou o Banco Central foi marcado por desemprego elevado, instabilidade econômica, aumento da dívida pública e uma política de juros altos que penalizava justamente os mais pobres.

O salário mínimo, que hoje serve como base não só para trabalhadores, mas também para aposentadorias, pensões e benefícios sociais, naquela época mal cobria as necessidades básicas de uma família. Era o tempo da fome e da pobreza extrema.

Falar em congelamento agora, num contexto de inflação persistente e perda de poder de compra, é retomar um receituário fracassado, que negligenciava a função social do Estado.

Fraga alega que o congelamento ajudaria a conter os gastos públicos, especialmente com a previdência.

O argumento, no entanto, é velho, desgastado e insensível. O que ele chama de “despesa excessiva com folha e previdência” é, na prática, a sobrevivência de milhões de brasileiros, especialmente em regiões mais pobres, onde o salário mínimo é o único recurso fixo de milhares de famílias.

Esse tipo de proposta ignora o papel distributivo do Estado e reforça a lógica da tecnocracia descolada da realidade, onde números valem mais do que vidas.

Desde o fim do governo FHC, o Brasil passou por uma série de avanços sociais que mostram o oposto do que Fraga defende: o aumento real do salário mínimo, iniciado nos anos 2000, teve impacto direto na redução da pobreza extrema, na dinamização da economia local e na melhoria das condições de vida de quem sempre esteve à margem.

Congelar esse avanço agora é não só cruel — é também economicamente ineficaz.

Um salário mínimo mais robusto injeta recursos nas mãos de quem consome, movimenta o comércio e sustenta pequenos negócios. Cortar isso é cortar o oxigênio da economia real.

A proposta de Fraga também ignora completamente o debate sobre justiça fiscal. Por que o ajuste precisa começar justamente por quem menos tem? Onde estão as reformas que tributem lucros e dividendos? Onde está a cobrança efetiva dos grandes devedores da União?

O que se vê é mais um capítulo da velha cartilha neoliberal, onde o sacrifício é sempre exigido do andar de baixo. Ao tentar justificar sua visão, Fraga até criticou Donald Trump e sugeriu que o Brasil mantenha autonomia em decisões diplomáticas e econômicas.

A ironia é evidente: defende independência, mas propõe uma política que submete o país à lógica do austericídio — a mesma que já foi aplicada e falhou. Em vez de congelar o salário mínimo, talvez devêssemos congelar as ideias de quem insiste em soluções que aprofundam desigualdades.

O Brasil precisa de crescimento com inclusão, de responsabilidade fiscal com responsabilidade social. O que não precisa é de propostas que repetem os erros do passado em nome de um futuro que nunca chega para os mais pobres.

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