
Francisco era uma ilha de humanismo cercada de poder fascista por todos os lados. Nesse mundo de déspotas eleitos, o Papa era um líder progressista, mas um chefe de Estado sem voto.
Todos os extremistas de direita do mundo ocidental foram eleitos. Francisco era a mais potente voz do antifascismo contra figuras que prosperam sob as bases de uma democracia disfuncional.
Uma autoridade mundial não eleita lutava pelos diferentes e pelos perseguidos, avançando e recuando, testando o poder de dentro e de fora da Igreja. Num mundo sob o avanço da destruição de todas as formas de diferenças. Um mundo formalmente democrático.
O que nos resta agora é torcer para que, nesse ambiente das decisões fechadas do Vaticano, as liturgias e as vontades da Igreja não sejam contagiadas pelo poder do trumpismo e suas versões locais.
Que seus cardeais votantes não sofram as pressões da extrema direita no poder, que tenta e vai conseguindo amordaçar as instituições, da Justiça às universidades.
A democracia degradada, que elegeu destruidores de valores, do ambiente, da ciência e da educação, está na situação em que pede socorro até à Igreja de Francisco.
Uma Igreja que nos oferece um paradoxo. Como maior expressão de uma organização que vive dos seus dogmas, pode nos ajudar a manter a esperança revolucionária de Francisco, que incentivava os jovens a terem a coragem de ir contra a corrente.
Que os cardeais indicados pelo Papa sejam coerentes com o que Francisco fez ao reconhecê-los como integrantes da elite da Igreja que ele mudou. Que tenham a coragem de enfrentar não só os controles internos dos espaços em que vivem, mas também o mundo externo que Trump e seus satélites pretendem dominar.

Que, como disse o arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, ao falar da maior virtude de Francisco, a Igreja não esteja voltada para si mesma, mas para o mundo que ele alargou como nenhum outro antecessor. E esse mundo não é apenas o geográfico.
Um desafio que passa pela compreensão de um dilema que também não é só religioso: preservar-se por seus dogmas, voltando a ser inflexível no que considera inegociável, ou abrir-se a um ambiente a caminho, em muitos países, da supremacia das ideias do que existe de mais reacionário da pregação evangélica. Essa é a ameaça real.
Jorge Mario Bergoglio não era um padre com marca progressista e, durante a ditadura, teria sido vacilante nas relações com os generais, como líder dos jesuítas argentinos. Mas, eleito Papa, redimiu-se e fez tanto pelas liberdades que passou a ser odiado pela direita mundial e, no caso brasileiro, pelo bolsonarismo.
No contexto de um cenário internacional dominado por líderes fascistas, a Igreja pode – porque tudo é imprevisível no conclave – cometer o erro de fazer média com essa gente, alinhando seus interesses às ambições das ditaduras criadas pelos disfarces da democracia.
Como pode, se resistir, ser uma barreira ao avanço dessas facções, para que não seja sequestrada pelo trumpismo e suas franquias europeias e latino-americanas, como já acontece com instituições antes consideradas intocáveis.
Se voltar a ser discriminadora, seletiva e intolerante, a Igreja será apenas um apêndice dos que pretendem determinar como se deve viver no século 21. Com medo e subjugado pelo supremacismo, pela violência e pelo ódio.
Uma Igreja covarde e subserviente, que faça o que fascismo quer, será auxiliar da política e dos poderosos, como já foi. Que os eleitores do Vaticano respeitem a memória de Francisco, saibam andar contra a corrente mundial e nos ajudem a ter esperança.
O novo Papa não precisa ser um novo Francisco. Mas precisa, pelo que disser e fizer, como aconteceu com Francisco, ser odiado pelo fascismo.
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