
Por muito tempo, a pirataria foi vista como um problema distante ou uma infração menor, cometida por quem apenas queria assistir a um jogo de futebol sem pagar por isso. A principal prejudicada seria a emissora que deteve por anos os direitos de transmissão dos maiores campeonatos, a TV Globo. No entanto, a realidade atual mostra um cenário muito mais grave e complexo, que compromete diretamente a sustentabilidade do futebol como indústria, afetando clubes, emissoras, governos e toda a cadeia econômica que gira em torno do esporte mais popular do planeta. No final, quem paga o preço é o próprio consumidor.
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No Brasil, a dimensão do problema é alarmante. O canal Premiere, principal plataforma de pay-per-view de futebol no país, possui cerca de 2,5 milhões de assinantes e uma receita projetada de R$ 750 milhões para 2025. Apesar desses números expressivos, estima-se que apenas 20% dos torcedores que assistem aos jogos do Campeonato Brasileiro pagam pelo serviço. Os outros 80% recorrem à pirataria, gerando um prejuízo anual de aproximadamente R$ 500 milhões para o setor.
Essa evasão de receita prejudica diretamente os clubes, que dependem cada vez mais das cotas de transmissão para manter seus elencos, estruturas e projetos esportivos, como destaca o CTO da Keeggo, Rogério Athayde.
“Não estamos falando apenas de uma questão de consumo irregular. A pirataria digital deixou de ser apenas um problema de acesso irregular a conteúdos; ela compromete toda a cadeia de valor da indústria. A tecnologia tem sido aliada no combate, mas é importante ampliar a cultura de responsabilidade digital”.
O Governo Federal estima que a pirataria digital resulte em uma perda de arrecadação de impostos superior a R$ 2 bilhões ao ano. Já os clubes brasileiros deixam de movimentar quase R$ 10 bilhões por ano ao todo, valor que poderia ser revertido em investimentos em infraestrutura, categorias de base, salários de atletas e ações sociais.
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Em nível internacional, a situação não é diferente. Um levantamento recente publicado pela EFE Sports Business revela que os clubes da La Liga, a elite do futebol espanhol, perdem entre 600 e 700 milhões de euros por ano devido à pirataria digital. Segundo estudo da própria organização da liga, 59% dos espanhóis admitem recorrer à pirataria para assistir aos jogos, pelo menos uma vez por mês.
Diante desse cenário, a La Liga passou a investir pesado em tecnologia para conter a ilegalidade. A entidade utiliza soluções baseadas em Big Data e machine learning para identificar padrões de comportamento fraudulentos, detectando mais de 3 mil transmissões ilegais por partida na Espanha e em Portugal. A iniciativa também inclui medidas judiciais, campanhas de conscientização e parcerias institucionais para fortalecer o combate.
No Brasil, o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP) vem reforçando as ações de repressão, com foco na fiscalização e bloqueio de conteúdos ilegais. Recentemente, o órgão encaminhou à Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) uma lista com cerca de 8 mil links piratas que estão sob ordem judicial de remoção. O esforço visa conter a disseminação de conteúdos ilegais, mas também educar a população sobre os riscos e consequências da pirataria.
O YouTube, por sua vez, afirma conseguir derrubar até 99% das transmissões piratas com base em seu sistema de detecção e remoção de conteúdos protegidos. No entanto, outras plataformas digitais e websites menos estruturados ainda enfrentam dificuldades para lidar com a prática, sendo alvos frequentes de transmissões clandestinas, muitas vezes com aparência profissional.
Para Rodrigo Calabria, sócio da CCLA Advogados e especialista em direito digital, o enfrentamento à pirataria exige ação coordenada. “A pirataria digital no futebol ocorre quando jogos são transmitidos ilegalmente, infringindo os direitos de transmissão e prejudicando as emissoras, clubes e a integridade do mercado esportivo. Essa prática coloca em risco a qualidade das transmissões e expõe os espectadores a perigos digitais, como vírus e fraudes”, destaca.
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Segundo o advogado, a resposta ao problema deve envolver tecnologia, ações legais e parcerias estratégicas. “É preciso monitorar constantemente a internet e aplicar tecnologias de proteção de conteúdo, como criptografia e marcas d’água. Além disso, é fundamental contar com assessoria jurídica especializada para tomar ações legais rápidas, como o bloqueio de sites piratas e a remoção de transmissões ilegais. A colaboração entre os envolvidos é essencial para proteger os direitos autorais e minimizar os danos causados pela pirataria no futebol”, complementa.
Além dos impactos financeiros, há uma dimensão social e estrutural em jogo. “A pirataria precisa ser percebida e combatida como um mal que afeta o melhor interesse de todos. Quanto mais ilegalidade, menos empregos, impostos e valor sendo gerado para o bem maior da sociedade, incluindo as receitas para clubes, entidades e conglomerados de mídia”, ressalta Alexandre Vasconcellos, Gerente Regional da Flashscore no Brasil e especialista em marketing esportivo.
O futebol, por sua natureza popular, enfrenta o paradoxo de ser altamente desejado e amplamente pirateado. Para garantir sua sustentabilidade no futuro, será preciso mais do que tecnologia: será necessária uma mudança de cultura, onde torcedores, empresas, governos e entidades esportivas reconheçam o valor do conteúdo legítimo e se comprometam com a integridade do esporte.
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