Oráculo previu o futuro? Por que Buffett vendeu Apple antes de tarifas de Trump

Ao longo dos anos, o lendário Warren Buffett se tornou um dos principais acionistas da Apple (AAPL34), e a empresa passou a ocupar o posto de posição mais representativa no portfólio da Berkshire Hathaway. Isso é verdade até hoje – mas por sorte, acaso ou mais um dos seus grandes acertos, o mega investidor se desfez de uma parcela considerável dos papéis antes do presidente Donald Trump anunciar a nova política de tarifas de importação dos Estados Unidos, que jogou holofotes sobre a companhia fundada por Steve Jobs.

Warren Buffett (Fonte: REUTERS/Brendan McDermid)

Buffett começou a dar ‘pitacos’ sobre a Apple antes mesmo de se tornar um acionista. Em uma entrevista à CNBC em 2012, contou que o próprio Jobs o procurou pedindo conselhos, mas acabou não fazendo o que lhe foi sugerido. Buffett, na ocasião, recomendou que a Apple desse vazão ao excesso de caixa que tinha em um programa de recompra de ações. Mas o buyback só aconteceu depois que Tim Cook assumiu o comando da companhia, com um programa agressivo que recomprou centenas de bilhões de dólares em ações.

A Berkshire Hathaway só se tornou acionista da Apple no começo de 2016, quando adquiriu mais de US$ 1 bilhão em ações da empresa – o que, na época, correspondia a 0,2% da sociedade. Em 2019, durante sua primeira participação no encontro anual da Berkshire, Cook confessou que não fazia ideia do interesse de Buffett pela companhia.

“Ele sempre deixou claro que não investia em empresas de tecnologia ou em negócios que ele não entendia. Então, obviamente, ele estava enxergando a Apple de um jeito diferente, como uma empresa de consumo. Isso foi muito especial”, disse o CEO da Apple, numa entrevista à CNBC durante a convenção da Berkshire. Cook explicou que a companhia faz parte da indústria de tecnologia, mas o consumo está no centro do negócio. “Adoro o fato de que ele [Buffett] nos olha dessa forma [como empresa de consumo], pois é assim que queremos que os consumidores nos vejam também”.

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A cronologia do investimento da Berkshire Hathaway na Apple

1º trimestre de 2016: A Apple aparece pela primeira vez no portfólio da gestora. São 9,8 milhões de ações da companhia, com um valor de mercado de R$ 1,069 bilhão – o equivalente a 0,8% da carteira da Berkshire.

4º trimestre de 2017: A fabricante do Iphone divide com Wells Fargo o maior peso do ainda bem diluído portfólio da gestora. A essa altura, a Berkshire já tinha 165,3 milhões da Apple na carteira.

Ano cheio de 2020: No primeiro ano da pandemia, a Berkshire quase quadruplicou o volume de ações da Apple em sua carteira, passando de 245 milhões para 887 milhões de papéis.

2º trimestre de 2023: A Apple passa a representar 51% do valor do portfólio da Berkshire. Agora, a gestora detém 915 milhões ações da companhia.

Tim Cook, CEO da Apple, ao lado de Warren Buffett (Foto: Redes sociais | @tim_cook)

Ano cheio de 2024: O volume de ações da Apple no portfólio da Berkshire é reduzido a um terço do pico alcançado no ano anterior. Da última vez em que abriu o portfólio para o mercado, em fevereiro deste ano, a gestora possuía 300 milhões de papéis da companhia de tecnologia, que, mesmo assim, continua tendo o maior peso da carteira (28% do valor total).

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Por que Buffet reduziu posição em Apple?

Além da Apple, a Berkshire Hathaway também fez reduções relevantes de posição em outras empresas, sobretudo em bancos, como Bank of America, Citigroup e Nu Holdings em 2024. Assim, o conglomerado encerrou o ano com caixa recorde de US$ 334,2 bilhões. Na carta anual aos acionistas, Buffett não explicou o que teria motivado a venda das participações. Ele afirmou que uma parte substancial dos recursos em caixa continuariam sendo investidos em ações, mas admitiu que as opções de alocação estão escassas.

No caso da Apple, o sócio e especialista em ações de tecnologia da gestora WHG, Guilherme Novello, aponta alguns motivos que podem ter levado à drástica redução de exposição da Berkshire ao papel. Um deles é o preço. “Hoje, a Apple não está mais barata. Ela é negociada num múltiplo ‘rico’ e muita gente avalia que está num preço bem acima do que deveria ser negociado”, afirma.

Novello explica que as ações têm, hoje, dois suportes de demanda. Um vem da própria companhia, que continua fazendo recompras, o que reduz a quantidade de ações em circulação no mercado e, consequentemente, melhora a relação entre o preço do papel e o lucro da empresa.

“Com isso, há um ganho de preço por lucro da ordem de 3% a 4%. A empresa pode vender a mesma coisa de um ano para o outro, mas como comprou muita ação, você tem um pedaço maior do lucro relacionado à recompra [de ações]”, diz o sócio da WHG.

Outro suporte vem dos investimentos passivos, como fundos de previdência nos Estados Unidos. Esses veículos têm carteiras que, em maior ou menor medida, replicam o índice S&P 500, cuja empresa de maior peso, hoje, é a Apple.

Por outro lado, segundo Novello, a velocidade de inovação da Apple “claramente caiu”, assim como a capacidade da empresa cobrar mais por novos modelos de seus aparelhos. “Hoje as pessoas já não sabem diferenciar o iPhone 14 do 15, porque a diferença é muito pequena”, diz. Soma-se a isso a alta penetração de smartphones no mercado global. “Quem queria ter um, já tem. A partir daqui, os ganhos de share [participação de mercado] são muito pequenos”.

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Impactos da guerra tarifária na Apple

Buffett vendeu ações da Apple antes do início da guerra tarifária entre Estados Unidos e China, um outro acontecimento que joga contra as perspectivas de crescimento da companhia.

“Desde que o iPhone foi lançado, a Apple tem uma relação simbiótica com a manufatura chinesa”, afirma Pedro Oiticica, sócio e analista da gestora Nextep. “Ao longo da última década e meia, a Apple não estava só terceirizando produção na China. Ela de fato construiu uma operação de suprimentos e manufaturas que é super complexa, profunda, e difícil de ser separada”.

Na semana passado, o jornal Financial Times noticiou que a companhia está se preparando para transferir a montagem de todos os iPhones vendidos nos Estados Unidos para a Índia. Essa mudança poderia ocorrer já no próximo ano, como uma resposta direta à guerra comercial iniciada pelo presidente Donald Trump.

Os Estados Unidos isentaram eletrônicos como o iPhone do “tarifaço” de 145% que, caso fosse aplicado a Apple, aumentaria seus custos de produção em 30%, segundo cálculos da Nextep. “Seria devastador para as margens e modificaria profundamente o perfil de lucratividade da empresa”, diz Oiticia.

Os esforços da Apple para migrar a produção para fora da China começaram oito anos atrás, no primeiro governo Trump, mas a empresa tem enfrentado dificuldades de encontrar mão de obra qualificada e uma cadeia de suprimentos integrada, como a que existe hoje no território chinês, que ainda concentra 90% da produção de hardware da companhia.

Defasagem em inteligência artificial e riscos regulatórios

Aproximadamente três terços do faturamento da Apple vem da venda de dispositivos. Entre outubro e dezembro do ano passado, só as vendas de iPhone representaram 56% do total das receitas. Mas a linha de produtos vem apresentando crescimento modesto e o consenso Bloomberg para o balanço dos três primeiros meses de 2025 prevê um avanço de apenas 0,61%. Enquanto isso, a linha de serviços (App Store, iCloud e publicidade) deve ter uma expansão de 11,97% ano a ano.

“Em termos de investimentos, a Apple parece muito atrás de seus outros pares [outras big techs], de forma que é difícil enxergar o surgimento de uma nova avenida de crescimento. Isso nos leva a crer que a relação de crescimento de lucros e preço, hoje, não é vantajosa para o investidor e acreditamos que foi isso que o Buffett enxergou também”, diz Oiticica.

O sócio da Nextep diz que a Apple não só está subinvestida na corrida de inteligência artificial, em relação a outras techs, como também não está clara a integração da tecnologia com os produtos que a empresa vende. “Não existe um benefício óbvio em termos de crescimento ou lucratividade que possa surgir de IA, o que já está em claro em outros players”, afirma Oiticica.

Para Novello, da WHG, as diretrizes da privacidade da Apple tornam essa integração ainda mais difícil. “Eles levam esse tema muito a sério. A Siri sabe muito pouco de cada usuário pois a Apple insiste que ela não tenha acesso a nada do que você vê no seu celular”, explica o sócio da gestora. “A grande sacada da inteligência artificial é poder usar todas essas informações sobre aplicativos para criar um agente de IA. Se a Apple não conseguir quebrar isso, ela dificilmente vai sair da posição de desvantagem na qual está hoje”.

Um outro componente de risco que se soma à análise da empresa são questões regulatórias envolvendo o Google. A empresa paga cerca de US$ 20 bilhões à Apple para tornar seu buscador a opção padrão nos dispositivos fabricados pela companhia, segundo a Bloomberg, citando documentos do Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

“Já se chegou à conclusão de que o Google é um monopólio e agora vem a fase de definir punições à empresa. Um efeito de segunda ordem, pode ser a proibição de qualquer tipo de acordo de distribuição exclusiva. Do dia para a noite, poderíamos ter a eliminação de uma parcela significativa do lucro da Apple. Estamos falando de 20% do valor da empresa em jogo”, afirma Oiticica.

“Esse risco regulatório parece não estar precificado no papel da empresa hoje”, complementa.

Do ano passado para cá, a Comissão Europeia aplicou multas bilionárias às big techs por violações da nova legislação antitruste do bloco, voltada a grandes empresas de tecnologia. Sob o recém-implementado Digital Markets Act (DMA), a Apple foi multada em 500 milhões de euros por não permitir que desenvolvedores direcionem usuários a opções de compra fora da App Store. O Google também já foi multado pelos tribunais europeus por pagar para que seu sistema de buscas tenha tratamento preferencial.

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“Esse é um ponto onde o mercado vai bater bastante, além de toda a negociação tarifária [da guerra comercial]. Isso [as multas] pode machucar o resultado da Apple. É um risco jurídico que impõe um pouco mais de cautela e será um alerta para a temporada de resultados”, afirma Raphael Figueiredo, estrategista de ações da XP.

O balanço do segundo trimestre fiscal de 2025 da Apple (período entre janeiro e março deste ano) está previsto para ser divulgado na próxima quinta-feira (1), após o fechamento do mercado. A expectativa é que as projeções da empresa para os próximos resultados sejam revisadas para baixo.

“O trimestre ainda não vai conseguir materializar toda a desaceleração econômica ou uma eventual recessão [nos Estados Unidos]. Pela relação com a China, acredito que a Apple vai reduzir ou até mesmo suspender a divulgação do guidance, como a Tesla fez“, diz Figueiredo.

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