Preciosidades do acervo Assis Ângelo: O cego na História (parte 3)

Por Assis Ângelo

Machado de Assis foi um gigante da literatura brasileira. A sua obra corre mundo até os dias de hoje. E creio não ser exagero meu dizer que a sua obra inspira e direciona caminhos de poetas, contistas e romancistas de todos os naipes, desde que partiu, na manhã de 29 de setembro do já distante ano de 1908.

Tão grande como Machado foi o português José Saramago.

Machado de Assis

O “bruxo” do Cosme Velho, como era à boca miúda chamado Machado, começou a publicar seus escritos quando ali alcançava os 15 anos de idade. A primeira publicação foi um soneto dedicado a uma mulher que até hoje ninguém sabe quem.

Saramago (1922-2010) começou a publicar quando já respirava do alto dos seus sessentinha. Era bruxo como Machado, no campo da literatura.

Machado virou bruxo, segundo a lenda, por ter o hábito de queimar num tacho, no quintal da casa onde morava, coisas de que não gostava.

Lenda é lenda.

Saramago bruxo?

A pecha de bruxo a Saramago deve-se ao fato de que tirava da imaginação histórias do arco da velha. Com modificações, com começos e fins inimagináveis por seres ou leitores quaisquer. Parecia ser ele um ser de outro mundo.

Há grandes coisas e momentos em comum entre esses dois craques da literatura clássica.

José Saramago

Machado nasceu em berço paupérrimo. Seu avô era escravo e o pai nascido livre. A mãe morreu muito cedo e no seu lugar o pai pôs outra mulher. Essa foi de extrema importância na vida do nosso bruxo. Foi ela, uma doceira, que o alfabetizou.

Saramago também nasceu de pais pobres, no interior de Portugal. Estudou até os 12, 13 anos de idade. A grana da família não dava para bancar seus estudos. Virou serralheiro, desenhista e funcionário público antes de tornar-se quem se tornou.

Machado, como muita gente deve saber, era jornalista e funcionário público. Aliás, foi como jornalista que Saramago começou a ser conhecido no seu país.

Joaquim Maria Machado de Assis teve problemas seriíssimos com os olhos. Saramago também, só que sem gravidade.

Em 1995, José de Souza Saramago publicou Ensaio sobre a Cegueira. Saiu e continua saindo em várias línguas mundo afora. No Brasil, foram à praça cerca de 500 mil exemplares. Virou filme dirigido por Fernando Meirelles.

Papa Francisco

É livro que prende o leitor do começo ao fim. Começa com um motorista que se vê obrigado a parar diante de um farol vermelho. Ao virar verde, o farol se abre para os veículos. Um desses veículos continua parado e o motorista, em desespero, não sabe o que fazer. Esfrega os olhos e diz simplesmente: “Estou cego!”.

Machado nasceu pobre, Saramago nasceu pobre e aquele que se tornaria o Papa Francisco também nasceu pobre. Estudou, encheu a cabeça e boca de línguas virando professor de literatura. Falava latim, francês, espanhol, português, italiano e alemão. Inglês falava pouco, de modo reticente. Dá até para juntar sílabas e distribuí-las em linhas ou pés como versos são assim também chamados:

 

Originais do Brasil

Portugal e Argentina

Os três nasceram livres

Pra cuidar da própria sina

Pensando e discutindo

Nossa vida severina

 

Em 1991, Saramago publicou O Evangelho Segundo Jesus Cristo, romance que deixou a Igreja de cabelo em pé. Um tanto nervoso, Saramago chamou o papa de plantão, Bento XVI, de cínico. E palavras de baixo calão não usou para classificar Bento porque, diga-se de passagem, era moço de boa família e bem educado.

O fato é que esse livro de Saramago provocou a fúria dos católicos mais retrógados.

A fúria aumentou quando o escritor falou numa entrevista que “Bíblia é manual de maus costumes”. Disse, em seguida, que “o pecado foi inventado pela Igreja”.

Quando morreu nas Canárias, Espanha, Saramago foi alvo de pesadas críticas no L’Osservatore Romano.

Dez anos depois disso, o mesmo jornal tece loas sobre o escritor. Título: Saramago e a Miopia do Mal.

O último texto publicado sobre Saramago no L’Osservatore Romano teve caráter de paz entre o escritor e a Igreja.

Guerra da Igreja com autores ao longo do tempo não teve passo para trás, pelo menos até 1966. Nesse ano, o Índex foi oficialmente suspenso. Mas autores como Shakespeare, Maquiavel, Galileu, Descartes, Voltaire, Sartre e Vitor Hugo continuam com obras indesejáveis à visão da Igreja.

 

O mundo todo o viu

Tranquilamente rezar

Pedindo mais tempo a Deus

Para entre nós ficar

Seu desejo era fazer

À Terra a paz voltar

 

O Francisco papa foi chamado de o melhor representante da Igreja Católica. Era popular, estava sempre ao lado do povo. Pra ele, todos éramos iguais: preto, branco, gordo, magro, alto, baixo, careca e cabeludo… Masculino, feminino e gêneros outros que formam a nossa sociedade desde sempre.

Em junho de 2016, em audiência pública no Vaticano, o Papa aqui dito lembrou a história do cego de Jericó. Uma história fantástica. Nessa história, o personagem é Bartimeu, nascido cego. Cristo o curou.

O cego, como o sertão de Guimarães Rosa, está em toda parte.


Contatos pelos [email protected], http://assisangelo.blogspot.com, 11-3661-4561 e 11-98549-0333

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