
Um levantamento inédito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indica que cerca de 110 mil pessoas condenadas por tráfico de drogas no Brasil eram réus primários e podem ter direito à reclassificação da pena como tráfico privilegiado, o que permitiria punições mais brandas, como penas alternativas. Com informações da Folha de S.Paulo.
A análise considerou dados de abril de 2024 do Sistema Eletrônico de Execuções Unificado (Seeu), com informações de 378 mil pessoas condenadas pela Lei de Drogas. São Paulo ficou de fora do estudo, já que sua integração ao sistema começou apenas em julho do ano passado.
Segundo o CNJ, 29% dos condenados não tinham antecedentes criminais, o que pode permitir o enquadramento como tráfico privilegiado — aplicável a réus primários, com bons antecedentes e sem ligação com o crime organizado. No entanto, o sistema não possui dados suficientes para avaliar se todos os critérios foram atendidos. Por isso, o relatório recomenda que essa classificação seja feita já nas audiências de custódia, logo após a prisão.
Casos emblemáticos
O caso de Raphael Teles, preso aos 18 anos após uma blitz em Atibaia (SP), ilustra o impacto da reclassificação. Ele foi condenado a seis anos e quatro meses de prisão por tráfico, desobediência e lesão corporal, apesar de alegar inocência e não ter antecedentes. Após recurso negado pelo TJ-SP, o STF, por decisão do ministro André Mendonça, reclassificou o caso como tráfico privilegiado e ele passou ao regime aberto.
Ainda assim, sua mãe, Suzette Teles, afirma que a condenação continua prejudicando a vida do filho: “Num dos empregos que ele teve depois da penitenciária, acusaram ele de roubar uma cumbuca de morango”.
Outro exemplo é de um empresário do interior paulista, dono de uma tabacaria, condenado em 2019 por tráfico privilegiado após a polícia encontrar 8g de maconha, uma balança e R$ 72 em sua casa e loja. Réu primário, ele foi condenado a quatro anos e dois meses em regime semiaberto. Depois de um período foragido, cumpriu pena alternativa e teve a punibilidade extinta com o indulto presidencial de 2024. Ele abandonou o ramo de tabacaria e o ativismo.
Tráfico privilegiado cresce, mas aplicação ainda é desigual
Embora o STF tenha estabelecido em 2023 que a pena para tráfico privilegiado deve ser cumprida em regime aberto, com restrição de direitos, a aplicação não é uniforme no país. Segundo o CNJ, decisões judiciais ainda afastam esse enquadramento com base em justificativas vagas. Um estudo do Ipea de 2019, citado no relatório, mostra que em 47,6% dos casos a exclusão do benefício é atribuída a uma suposta dedicação do réu à atividade criminosa — sem comprovação clara.
De 2014 a 2022, o número de condenações com tráfico privilegiado cresceu de 1.897 para 9.263, mas ainda representa uma minoria. Em 2023, 26% dos réus por tráfico foram enquadrados nessa modalidade, segundo o boletim do CNJ. Entre as mulheres, o percentual chega a 33%, contra 25,2% entre os homens.
Para o juiz Luís Lanfredi, coordenador do departamento de monitoramento carcerário do CNJ, a prisão de pessoas que poderiam receber penas alternativas agrava o problema crônico da superlotação e viola a decisão do STF que reconheceu o estado inconstitucional do sistema prisional brasileiro.
O CNJ prepara diretrizes para padronizar a aplicação do tráfico privilegiado, com lançamento previsto ainda para este ano.
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